Trump e a nacionalidade dos filhos dos estrangeiros
Nesta terça-feira (30), a uma semana das eleições intermediárias (midterm) americanas, que podem assegurar aos democratas a maioria na Casa dos Representantes, Trump anunciou uma medida retumbante: terminar com o direito do solo (jus soli) que garante a nacionalidade americana aos filhos de estrangeiros nascidos nos Estados Unidos. Trata-se de uma proposta do Tea Party, movimento ultraconservador surgido em 2009, encampada por Donald Trump desde as primárias republicanas, em 2015. Depois de sua posse, o assunto foi esquecido. Voltou agora à baila agora por razões muito precisas. Trump precisa mobilizar o eleitorado em torno dos candidatos republicanos e o tema da anti-imigrantista agrega suas bases eleitorais. Sobretudo agora, quando a marcha dos hondurenhos prossegue em direção à fronteira americana. Mas o problema concerne também os futuros filhos das centenas de milhares de imigrantes brasileiros residentes nos Estados Unidos.
Todavia, o método proposto pelo presidente para interpretar a 14ª Emenda Constitucional, que garante o direito do solo, está sendo contestado pela maioria dos juristas e dos comentadores. Trump pretende mudar a 14ª Emenda com um simples decreto presidencial (executive order), evitando o voto do Congresso e o procedimento inscrito na Constituição americana. No mesmo dia da declaração de Trump, o presidente (republicano) da Casa dos Representantes, Paul Ryan, protestou. “Obviamente não se pode fazer isso”, declarou Ryan, acrescentando que a alteração da 14ª Emenda, “envolveria um processo constitucional muito, muito longo”. Mas Ted Cruz, o ex-presidenciável republicano que é agora candidato a senador pelo Texas, aproveitou a manobra eleitoreira de Trump, dizendo-se favorável ao fim do direito do solo, sem se pronunciar sobre a maneira de mudar a 14ª Emenda.
No debate que se seguiu, muitos comentadores, incluindo dois historiadores especialistas no assunto, Eric Foner e Martha S. Jones, explicaram as origens e a conceituação da 14ª Emenda, votada pelo Congresso em 1868. Tratava-se, no rescaldo da guerra da Secessão e do fim da escravidão, de impedir que os estados do Sul vetassem o acesso dos ex-escravos e da população negra em geral, à nacionalidade e à cidadania. O primeira Lei de Naturalização (1790), estabelecia do direito de solo, mas somente para os filhos dos imigrantes brancos. A 14ª Emenda estendeu este direito aos negros americanos e, em 1870, aos imigrantes negros (geralmente vindos do Caribe). Os imigrantes chineses foram, contudo, excluídos até 1898 do direito de se naturalizar americanos.
No Brasil, o escravismo também travou a concepção mais ampla de nacionalidade e cidadania. Como explica a historiadora Beatriz Mamigonian, a Constituição de 1824 definia como cidadãos brasileiros, os nascidos no país, os portugueses residentes que aderissem à Independência, mas também os negros nascidos livres ou alforriados. Os escravos estavam excluídos do direito de nacionalidade, e obviamente de cidadania, como também os milhares de africanos alforriados ou livres que existiam no país. Considerados apátridas, os africanos ficaram submetidos a todo tipo de arbítrio no país.
Contrariamente ao que se tem escrito, a generalização do direito de solo nas Américas tem muito mais a ver com a necessidade de garantir a adesão dos residentes europeus aos governos dos países que se tornavam independentes do que com a vontade de atrair imigrantes. Algo fora de pauta nos EUA em 1790, ou em 1814 no México e em 1824 no Brasil, quando foi reconhecido o direito de solo nestes países, com as restrições apontadas acima.
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