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Beligerância de Trump segue linha sucessória de Bush

Cerca de 200 pessoas protestam contra o "racismo" do pré-candidato republicano à Casa Branca Donald Trump - Kena Betancur/AFP
Cerca de 200 pessoas protestam contra o "racismo" do pré-candidato republicano à Casa Branca Donald Trump Imagem: Kena Betancur/AFP

21/12/2015 11h41

Passaram-se quase seis meses desde que Donald Trump superou Jeb Bush nas pesquisas com eleitores republicanos. Na época, a maioria dos analistas minimizava o fenômeno Trump como sendo algo passageiro, prevendo que os eleitores logo voltariam a apoiar candidatos mais convencionais. Mas sua liderança simplesmente continuou aumentando. Ainda mais surpreendente, o triunvirato do discurso-lixo --Trump, Ben Carson e Ted Cruz-- hoje tem o apoio de aproximadamente 60% do eleitorado das primárias.

Mas como isso pode estar acontecendo? Afinal, os candidatos anti-establishment que hoje dominam o campo, além de serem profundamente ignorantes sobre políticas, têm o hábito de fazer falsas afirmações e depois se recusar a admitir o erro. Por que os eleitores republicanos não parecem se importar?

Bem, uma parte da resposta deve ser que o partido os ensinou a não se importar. Prepotência e beligerância como substitutos da análise, desprezo por qualquer tipo de reação comedida, rejeição de fatos inconvenientes relatados pela "mídia liberal" não chegaram à cena republicana de repente no último verão. Pelo contrário, elas são há muito tempo elementos chaves da marca do partido.

Então como os eleitores deveriam saber onde traçar a linha?

Vamos falar primeiro sobre o legado Daquele Que Não Deve Ser Citado.

Não sei quantos leitores se lembram da eleição de 2000, mas durante a campanha os republicanos tentaram --em geral com sucesso-- fazer a eleição se basear em "gostabilidade", e não em política. George W. Bush deveria conseguir seu voto porque era alguém com quem você gostaria de tomar uma cerveja, ao contrário daquele chato do Al Gore com todos os seus fatos e números.

E quando Gore tentava falar sobre diferenças políticas Bush respondia não sobre a substância, mas zombando da "matemática confusa" de seu adversário --expressão alegremente adotada por seus seguidores. A imprensa acompanhou direitinho essa depreciação proposital: Gore foi considerado o perdedor dos debates não porque estivesse errado, mas porque foi, segundo os repórteres, pedante e superior, diferentemente do afável e desonesto W.

Então veio o 11 de Setembro, e o sujeito afável foi reembalado como um líder guerreiro. Mas a reembalagem não foi estruturada em termos de argumentos substantivos sobre política externa. Em vez disso, Bush e seus diretores de campanha venderam bravatas. Ele era o homem em quem você podia confiar para nos manter seguros, porque ele falava duro e se vestia como um piloto de caça. Ele declarou com orgulho que era o "decisor" --e que tomava suas decisões baseado em suas "vísceras".

O subtexto era que os líderes de verdade não perdem tempo pensando muito, que escutar especialistas é um sinal de fraqueza, que basta ter atitude. E enquanto as derrotas de Bush no Iraque e em Nova Orleans acabaram com a fé em seus instintos viscerais, a valorização da atitude acima da análise só reforçou seu poder no partido, uma evolução que foi salientada quando John McCain, que outrora teve a reputação de independência política, escolheu a eminentemente desqualificada Sarah Palin como companheira de chapa.

Assim, Donald Trump como fenômeno político está muito em uma linha de sucessão que corre de W a Palin, e de muitas maneiras ele é totalmente representante da corrente dominante republicana. Por exemplo, você ficou chocado quando Trump revelou sua admiração por Vladimir Putin? Ele estava apenas articulando um sentimento que já era generalizado em seu partido.

Enquanto isso, o que os candidatos do establishment têm a oferecer como alternativa? Sobre substância política, não muito. Lembre-se, na época em que era o suposto primeiro colocado, Jeb Bush montou um time de "especialistas" em política exterior, pessoas que tinham credenciais acadêmicas e eram membros de grupos de pensadores de direita. Mas a equipe era dominada por neoconservadores da linha-dura, pessoas comprometidas, apesar de seus fracassos anteriores, com a crença de choque e reverência resolvem todos os problemas.

Em outras palavras, Bush não estava articulando uma política notavelmente diferente do que a que ouvimos hoje de Trump e todos; tudo o que ele ofereceu foi beligerância com um fino verniz de respeitabilidade.

Marco Rubio, que o sucedeu como favorito do establishment, é muito parecido, com algumas evasões adicionais. Por que alguém deveria se surpreender ao ver esse posicionamento superado pela beligerância descarada oferecida pelos candidatos que não são do establishment?

Caso você esteja se perguntando, nada parecido com esse processo aconteceu no lado democrata. Quando Hillary Clinton e Bernie Sanders discutem, por exemplo, regulamentação financeira, é uma discussão de verdade, com os dois candidatos evidentemente bem informados sobre o assunto. O discurso político americano em geral não foi emburrecido, só sua ala conservadora.

Voltando aos republicanos, isso significa que Trump será realmente nomeado candidato? Não tenho ideia. Mas é importante perceber que ele não é alguém que de repente se intrometeu na política republicana vindo de um universo alternativo. Ele, ou alguém como ele, é para onde o partido rumava há muito tempo.