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Confie no seu pessoal, e não na sua tecnologia

Talvez dois marinheiros munidos de binóculos, sentados em um cesto no mastro, pudesse ter evitado o naufrágio do Costa Concordia, na Itália, diz Richard Branson - Enzo Russo/EFE
Talvez dois marinheiros munidos de binóculos, sentados em um cesto no mastro, pudesse ter evitado o naufrágio do Costa Concordia, na Itália, diz Richard Branson Imagem: Enzo Russo/EFE

Richard Branson

UOL

19/04/2012 00h01

Enquanto ouço os apelos de empreendedores que procuram investidores e conselhos sobre a expansão dos seus negócios, eu muitas vezes fico impressionado em constatar quantos deles acreditam que a deficiência tecnológica é o que está atrapalhando o progresso das suas companhias.

"Nós adoraríamos entrar nesse mercado, mas não contamos ainda com os sistemas necessários" é um refrão comum. Assim como, "Os nossos lucros sofreram um impacto no ano passado após uma série de problemas no sistema", uma frase que se tornou uma desculpa típica para praticamente tudo que sai errado.

Quem não ouviu um representante de serviços ao cliente dizer, "Sinto muito. Eu adoraria a sua ajuda, mas o banco de dados não me possibilita fazer isso"?

Tal inflexibilidade aponta para a fraqueza subjacente de uma companhia: uma incapacidade de implementar mudanças rapidamente quando há um desastre. Os melhores negócios mantêm um equilíbrio saudável, adaptando as suas tecnologias à visão empresarial do presidente. A tecnologia de informação do empresário deve trabalhar para ele, e não o contrário.

Eu estava pensando sobre isso recentemente, enquanto lia um livro de um dos meus autores favoritos, Erik Larson, que tem um talento incrível para escrever sobre fatos históricos. Embora ele seja provavelmente mais conhecido pelo livro "The Devil in the White City" ("O Diabo na Cidade Branca"), o meu favorito é "Isaac’s Storm" ("A Tempestade de Isaac").

O livro é a história verdadeira de Isaac Cline, um funcionário dedicado do Departamento de Meteorologia dos Estados Unidos, e da experiência que ele teve com o furacão que atingiu Galveston, no Texas, em 1900 – um dos mais mortíferos desastres naturais de todos os tempos nos Estados Unidos. A cidade quase foi varrida do mapa por ventos de até 190 quilômetros por hora e por uma enchente que fez com que as águas na cidade subissem cinco metros. Mais de 5.000 pessoas morreram.

Larson explica que, embora os funcionários do Departamento de Meteorologia dispusessem apenas de técnicas primitivas, eles fizeram um bom trabalho no sentido de rastrear a tempestade gigantesca. No entanto, o furacão acabou se desviando de forma inesperada, atingindo Galveston, uma cidade de baixa altitude, com consequências devastadoras.

Quando o furacão Katrina atingiu Nova Orleans em 2005, a tempestade demonstrou que a humanidade continua impotente diante da fúria da natureza. Os equipamentos sofisticados de rastreamento de tempestades desenvolvidos durante o período de um século decorrido entre os dois furacões fizeram pouca diferença quando o Katrina fez um desvio inesperado igualmente surpreendente, atingindo a terra algumas centenas de quilômetros a leste de Galveston. Mais de 1.800 pessoas morreram.

No período caótico que se seguiu ao impacto do Katrina com o continente, quando os diques se romperam, Nova Orleans ficou inundada, e as pessoas tentaram fugir da cidade, as operações de resgate foram prejudicadas pela falta de suprimentos e coordenação, o que expôs uma grande lacuna entre a capacidade das autoridades municipais e federais para fazer planos para o enfrentamento de um desastre de grande magnitude. Algumas áreas de Nova Orleans ainda não se recuperaram, e alguns moradores simplesmente não voltaram nunca mais à cidade.

Tal falta de preparo e incapacidade de adaptação pode ter sido provocada em parte por uma falsa sensação de segurança gerada pelas nossas tecnologias avançadas. Mas a tecnologia também falha – conforme nós nos recordamos neste mês, que marca o centésimo aniversário do naufrágio trágico de um navio supostamente imbatível.

Na sua viagem inaugural, em 1912, o RMS Titanic dependia de postos de observação em cestos instalados nos mastros para saber o que havia pela frente. Ele era um dos poucos navios dotados do novo sistema de rádio de Marconi, mas a capacidade da tripulação de se comunicar com outros navios ainda era ínfima.

Alguns analistas acreditam que se o Titanic estivesse equipado com sistemas de radar e de navegação por satélite contemporâneos ele não teria colidido com um iceberg, e mais de 1.500 vidas teriam salvas. A ideia é interessante, mas, se for assim, como explicar o recente desastre que se abateu sobre o navio de cruzeiro "Costa Concordia?".

Um século após o naufrágio do Titanic, o Costa Concordia também naufragou. O navio foi aproado para uma rocha em condições de mar calmo, enquanto o capitão desfrutava de um jantar com os seus convidados. Pelo menos 32 passageiros morreram.

O que eu acho intrigante em relação a esses pares de acidentes – os furacões e os naufrágios – é o fato de, em ambos os casos, os avanços tecnológicos feitos em um período de um século pouco terem influído no sentido de proporcionar um resultado menos trágico. No caso do Costa Concordia, o velho erro humano, ou pura omissão, provocou o desastre trágico.

Quando uma pessoa administra uma empresa, as coisas podem dar errado a qualquer momento, e até mesmo os melhores sistemas de tecnologia de informação e comunicação podem agravar os problemas. Se o Titanic estivesse equipado com os mesmos sistemas de auxílio de navegação dos quais o Costa Concordia dispunha, e estes equipamentos tivessem sofrido um defeito temporário, o navio ainda poderia ter se chocado com o iceberg.

Paradoxalmente, se o Costa Concordia tivesse sido obrigado a depender de uns dois marinheiros munidos de binóculos, sentados em um cesto no mastro, ele poderia ter evitado aquela rocha fatal. Quando nos preparamos para os cenários do tipo "e se", é mais importante nos certificarmos de que há pessoas certas a postos, e que elas estejam em alerta para contingências e mantenham-se de olhos abertos, do que investirmos nas mais recentes tecnologias.

Independentemente do quão sofisticados sejam os nossos sistemas de tecnologia de informação, precisamos ter em mente que eles são apenas ferramentas, que podem e devem ser adaptáveis à medida que a situação mudar. Não importa se estivermos a falar de um funcionário que presta auxílio aos clientes ou de um executivo que implementa mudanças em um produto, o julgamento e a liderança humana devem ter sempre precedência. Confie no seu pessoal, e não na sua tecnologia.

E, sob o risco de soar como um ludista, eu aconselho os empresários a não deixarem que gerentes de informação lhes digam o contrário.

* Richard Branson é o fundador do Virgin Group e de companhias como a Virgin Atlantic, a Virgin America, a Virgin Mobile e a Virgin Active. Ele escreve e mantém o blog www.virgin.com/richard-branson/blog.