Lula não reconhece mulher e negros na política e nem no próprio governo
Enquanto o presidente Lula (PT) respondia sobre a presença feminina em seu governo, em entrevista exclusiva ao UOL, e admitia a pouca quantidade de mulheres e negros, a ministra da Igualdade Racial, Anielle Franco, apresentava ao Fórum de Lisboa, em Portugal, na mesma quarta-feira (26), as iniciativas da pasta no combate ao racismo e na promoção de direitos para a população negra.
Como a mulher não teve uma participação ativa por muito tempo, fica mais difícil você encontrar mulher para determinados cargos, e fica mais difícil você encontrar negros para determinados cargos. Não é que não tenha, é que a oferta é menor na medida em que, embora seja a maioria da população, não tiveram uma participação político-histórica mais contundente.
Lula, em entrevista ao UOL
Lula continua a ignorar a participação "contundente" de mulheres e homens negros na política nacional.
É inadmissível que Lula dê uma resposta dessa sem utilizar as palavras racismo e machismo como fatores históricos e estruturantes para o impedimento do acesso e projeção de mulheres e negros na política.
E mais: sem admitir, como líder político, os erros de instâncias como os sindicatos, partidos e governos em interromper essa desigualdade com ações efetivas de igualdade racial e de gênero.
O mandatário não usa nem mesmo iniciativas das suas próprias gestões para valorizar a contribuição de mulheres e negros na elaboração de políticas públicas.
Ministra apresentou políticas que servem de referência
Na 12ª edição do Fórum de Lisboa, apelidado de Gilmarpalooza, repleto de magistrados e advogados, incluindo ministros das mais altas instâncias do Judiciário, como o Supremo Tribunal Federal, a ministra Anielle Franco apresentou os desafios do Ministério da Igualdade Racial, criado por Lula em 2023, junto com o Ministério das Mulheres e dos Povos Indígenas. Nas palavras da ministra, as instâncias são responsáveis pelo acesso aos direitos da maioria da população brasileira.
Lula também foi o responsável por instituir, em 2003, a Secretaria de Promoção da Igualdade Racial, que provocou ações institucionais importantes como a lei que tornou obrigatório o ensino da história da África e da cultura afro-brasileira, bem como a titulação das terras de comunidades remanescentes de quilombo e programas de saúde para a população negra.
São todas políticas públicas pensadas e elaboradas por homens e mulheres negras, que dedicaram suas trajetórias de estudos, trabalhos e militâncias a projetos fundamentais.
Mas o presidente não viu, não lembra ou faz questão de não considerar.
Foi também em uma gestão petista, no caso no governo de Dilma Rousself, que o governo lançou, em 2016, o Plano Juventude Viva, uma iniciativa de combate e reconhecimento da violência como a principal causa de morte de jovens no Brasil, especialmente negros do sexo masculino, moradores de periferias.
O plano foi relançado pelo Ministério da Igualdade Racial este ano com o nome Juventude Negra Viva, reforçando quem são os principais alvos da violência e, portanto, da necessidade das políticas públicas. A novidade seria o aporte de recursos, mais de R$ 500 milhões, oriundos de 18 ministérios, com ações nas áreas de acesso à justiça e segurança pública, educação, saúde, cultura, meio ambiente, entre outras.
No Fórum de Lisboa, Anielle Franco participou, ao lado da empresária Luiza Trajano, de um painel sobre ESG (sigla para Environmental, Social, and Corporate Governance) e Sustentabilidade Corporativa e apresentou parcerias prioritárias da sua gestão, com destaque para o Juventude Negra Viva, que "atende 30% da população brasileira formada por jovens negros e negras". Segundo ela, o plano tem projetos de empregabilidade para jovens negros e o convencimento para que governos estaduais adotem as câmeras no fardamento dos agentes da Polícia Militar.
"A diferença agora é a articulação que ficou mais robusta, com mais eixos, com participação de mais ministérios e mais investimentos também. Algumas pessoas podem ter resistência, mas estamos aqui para isso, como boa atleta que sou, de ser persistente e levar esse plano adiante. O nosso objetivo é ter mais jovens negros vivos, eu não vou desistir. Minha família foi vítima da violência, eu cresci neste meio e entendo bem a importância de ter esse plano", ressaltou a ministra.
Brasil e Portugal assinam intenções de políticas para a igualdade
Na passagem pela capital portuguesa, Anielle Franco assinou um memorando de entendimento com o Observatório do Racismo e Xenofobia da Universidade Nova de Lisboa sobre promoção da igualdade racial, o combate à discriminação racial e a outras formas de intolerância relacionadas.
"A experiência do Brasil é muito mais longa. Queremos aprender com o Brasil, por exemplo, a experiência das cotas no ensino superior, que em Portugal apenas começam a ser discutidas. No Brasil já existem e com sucesso. Portanto, a nossa esperança é que a inspiração dessas leis e dessas políticas do Brasil possam ser de ajuda", explicou Teresa Pizarro Bezerra, professora da Faculdade de Direito da Nova e coordenadora do observatório.
Reparações estão sendo discutidas em Portugal
O acordo com o governo brasileiro chega em um momento oportuno já que o presidente de Portugal, Marcelo Rebelo de Sousa, reconheceu recentemente os crimes coloniais do país durante a escravidão, e a nação passou a falar mais abertamente sobre reparação à África e aos afrodescendentes. O tratamento digno aos milhares de imigrantes do continente africano que vivem em Portugal deveria ser uma reparação urgente.
No Brasil, um exemplo de reparação institucional, citado pela própria ministra Anielle Franco, é a atual presidente do Banco do Brasil, Tarciana Medeiros, a primeira mulher a presidir o banco estatal, o que faz muita diferença na preocupação e sensibilidade para tratar o tema das desigualdades.
Também poderia ser elencado o desempenho do ministro Silvio Almeida, dos Direitos Humanos, a ministra Margareth Menezes, da Cultura, Sônia Guajajara, dos Povos Originários, Marina Silva, referência mundial em meio ambiente. As outras mulheres que ainda permanecem no primeiro escalão da gestão são: Simone Tebet (Planejamento), Esther Dweck (Gestão), Nísia Trindade (Saúde), Cida Gonçalves (Mulheres) e Luciana Santos (Ciência, Tecnologia e Inovação), que também participou do Fórum de Lisboa.
O número de mulheres no governo Lula poderia ser ainda maior, mas, ainda em 2023, o presidente demitiu três delas para acomodar homens: Daniela Carneiro, do Turismo; Ana Moser, do Esporte, e Rita Serrano, da Caixa Econômica Federal.
Além disso, o presidente foi insensível a todos os apelos por representatividade na escolha das duas vagas para o STF. Na oportunidade, foram apresentadas mulheres negras juristas, com notório saber no Direito e reconhecida contribuição ao serviço público, mas Lula manteve o discurso de que raça e gênero não seriam critérios para suas escolhas.
Talvez por isso o presidente continue a considerar difícil ter mulheres e negros em seu governo. Não por falta de opções com competência, mas sim, por decisão política e interesse real em reparar essa dívida histórica.
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