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Café da manhã antes do Mooc

Thomas L. Friedman

22/02/2014 00h01

A partir de 2 de março próximo, o professor Hossam Haick lecionará no primeiro curso online grátis e em grande escala, ou MOOC (Massive Open Online Course), de nanotecnologia em árabe. Mas, segundo ele me disse o outro dia enquanto tomávamos café da manhã, o mais interessante foram os curiosos e-mails que ele recebeu de estudantes de todo o mundo árabe que desejavam se inscrever em seu MOOC. Entre as perguntas que esses estudantes fizeram estão: você é uma pessoa real? Você é realmente árabe ou você é um judeu israelense que fala árabe e finge ser árabe? Isso só porque Haick é um árabe-israelense originário da cidade de Nazaré e vai lecionar nesse curso a partir da universidade na qual trabalha, a Technion, o principal instituto de ciência e tecnologia de Israel. E nós estávamos tomando café da manhã em Tel Aviv.

O curso de Haick se chama Nanotecnologia e Nanossensores (https://www.coursera.org/course/nanosar) e foi elaborado para qualquer pessoa interessada em aprender sobre a especialidade de Haick: “novas ferramentas de detecção que utilizam a nanotecnologia para filtrar, detectar e monitorar vários eventos tanto em nossa vida pessoal quanto em nossa vida profissional”. O curso tem 10 aulas compostas por três a quatro vídeos que exibem palestras curtas – em árabe e inglês –, e qualquer pessoa que tenha uma conexão à internet é capaz de acessar e participar gratuitamente dos testes semanais, das atividades do fórum e também poderá fazer e entregar o projeto final.

Se você tinha alguma dúvida sobre a fome de educação que há no Oriente Médio hoje em dia, o MOOC de Haick irá dissipá-la. Até o momento, 4.800 pessoas se inscreveram para a versão em árabe do curso, incluindo estudantes do Egito, da Síria, da Arábia Saudita, da Jordânia, do Iraque, do Kuwait, da Argélia, do Marrocos, do Sudão, da Tunísia, do Iêmen, dos Emirados Árabes Unidos e da Cisjordânia. Os iranianos estão se inscrevendo para a versão em Inglês. Como a inscrição é feita por meio do site Coursera MOOC, alguns inscritos inicialmente não percebem que o curso será lecionado por um cientista árabe-israelense da Technion, disse Haick. Quando eles se dão conta disso, no entanto, alguns professores e alunos “cancelam sua inscrição”. Mas a maioria dos que se inscreveram até agora têm preferido fazer o curso. (Os MOOCs acabaram de surgir no mundo árabe por meio dos sites Coursera, EDX, Edraak, Rwaq, SkillAcademy e MenaVersity – alguns com conteúdo original, mas muitos ainda são traduzidos.)

Questionado sobre por que seu curso está atraindo tanto interesse nos países árabes, Haick respondeu: “porque a nanotecnologia e os nanossensores são tidos como algo futurista, e as pessoas estão curiosas para entender como será o futuro”. E, como a nanotecnologia “é tão multidisciplinar e interdisciplinar, ela oferece uma grande diversidade de oportunidades de pesquisa”.

Haick, 38, que tem pós-douturado pela Technion, onde seu pai também se formou, é um prodígio da ciência. Ele já montou uma startup em parceria com a Technion, na qual desenvolve o que chama de “nariz eletrônico” – um conjunto de sensores que imita a maneira como o nariz de um cachorro funciona e é capaz de detectar o que Haick e sua equipe provaram ser marcadores exclusivos presentes no ar expirado pelas pessoas e que revelam a presença de diferentes tipos de tumores cancerígenos. Apesar de ele já se dedicar à startup e às aulas de engenharia química que ministra na universidade, o presidente da Technion, Peretz Lavie, sugeriu que Haick usasse o tempo livre que ainda lhe resta para liderar o instituto em sua entrada na terra dos MOOCs.

Lavie, explicou Haick, “acredita que há uma grande necessidade divulgar a ciência para além das fronteiras entre os países. Ele me disse que havia algo chamado ‘MOOC’. Eu não sabia o que era um MOOC. Então, ele me disse que MOOC era um curso que pode ser lecionado para milhares de pessoas por meio da internet. E ele perguntou se eu poderia ministrar o primeiro MOOC da Technion --em árabe”.

A Technion está financiando o projeto, que demorou nove meses para ser preparado, e Haick está doando suas palestras. Atualmente, cerca de 19% dos alunos da Technion são árabes-israelenses, contra os 9% de 12 anos atrás. Haick comenta que sempre diz às pessoas: “se o Oriente Médio fosse como a Technion, nós já teríamos alcançado a paz. Na academia, nós nos se sentimos totalmente iguais a todas as outras pessoas. E somos apreciados com base em nossa excelência”. E ele ainda acrescentou, sem querer se vangloriar: “os jovens árabes me dizem: ‘você se transformou no nosso modelo. Por favor, nos diga quais são os ingredientes para que nós possamos ser como você’”.

Eu sei o que alguns leitores estão pensando agora: OK, boa propaganda para os israelenses – mas agora você já pode voltar a escrever sobre a terrível ocupação da Cisjordânia por Israel. Não. Essa história é um lembrete útil de que Israel é um país, e não apenas um conflito. E, em termos de país, Israel ainda é uma obra aberta, com seus pontos baixos, como a ocupação dos territórios palestinos e a discriminação econômica contra os árabes-israelenses, e seus pontos altos, como a colaboração entre Haick e a Technion, que está fornecendo uma rampa de acesso para os falantes de língua árabe ansiosos por compreender a reformulação que as novas tecnologias estão promovendo na economia global.

Aqueles que, como membros do movimento BDS – boicotes, alienação dos investimentos e sanções –, argumentam que Israel é apenas o reflexo da maneira como os israelenses lidam com a Cisjordânia e que, por isso, merece ser deslegitimado como estado, fariam bem em refletir sobre alguns desses temas complexos.

Para mim, porém, o MOOC de Haick também é um lembrete sobre o total desperdício de dinheiro e talento humano que tem sido o conflito árabe-israelense. Veja quão sedentos estão todos esses jovens árabes e persas em relação às ferramentas e aos recursos disponibilizados para que eles possam concretizar todo seu potencial, independentemente do meio utilizado por eles para acessar esse tipo de conteúdo e aprendizado. Os ditadores árabes vem subestimando seu povo há muito tempo, e isso foi o que alimentou a Primavera Árabe. E também é isso que me faz chorar pelas gerações desperdiçadas e rezar para que esta seja a última delas.