Pauladas e 4 dias na UTI: militar narra 8 h de tortura em curso da PM
Danilo Martins, 34, é soldado da Polícia Militar do Distrito Federal desde 2020. No dia 22 de abril, ele compareceu ao curso de formação do patrulhamento tático móvel do Batalhão de Choque (BPChoque). Ao invés de receber instruções e aprender novas técnicas, ele relata ter sido vítima de tortura, suportando oito horas de agressões físicas e verbais. Os abusos resultaram em uma internação de seis dias, sendo quatro deles na UTI, e a prisão de 14 militares.
Em nota, a Polícia Militar informou que não admite desvios de conduta e apura os fatos de maneira criteriosa e imparcial, observando todo o procedimento legal e permitindo a ampla defesa dos envolvidos.
O que aconteceu:
Martins relata que se inscreveu voluntariamente no curso para aprimorar suas habilidades na Polícia Militar. No entanto, ao se apresentar com os demais participantes, foi abordado pelo tenente e pelo coordenador do curso. De acordo com o soldado, eles solicitaram que ele assinasse um documento de desistência do curso, ameaçando removê-lo da formação caso não o fizesse. "Eu me recusei, e foi a partir desse momento que os abusos começaram".
Primeiramente, o tenente me colocou na frente do turno e disse que se alguém me ajudasse iria ser desligado automaticamente. Fiquei de pé e fui obrigado a segurar um tronco de madeira enquanto jogavam água em mim. Depois, levei spray de pimenta no rosto e me fizeram assinar um documento, que dizia que eu me responsabilizava por futuras lesões. Depois, tudo piorou, relata o soldado.
O soldado, que é conhecido nas redes sociais por compartilhar a rotina de trabalho, diz que também foi obrigado a correr ao redor do batalhão com o tronco acima da cabeça e cantar músicas vexatórias, onde ele deveria se intitular como "coach do fracasso" e "vergonha da família".
Enquanto eu gritava as frases que eles mandavam, era agredido com pauladas nas nádegas, panturrilha e costas. Depois, quando encerrou essa etapa, eu tive que fazer as flexões no solo de punho cerrado. Quando terminei, trouxeram britas e eu precisei fazer as flexões sobre elas. Jogaram mais gás de pimenta e começaram a me dar pauladas na cabeça.
Enquanto sofria as agressões, o soldado conta que os policiais novamente pediram para que ele assinasse o documento de desligamento do curso. Como Martins negou, as agressões pioraram.
Levei mais socos e chutes em todas as partes do meu corpo. Me obrigaram a carregar um sino que pesava em torno de 60 quilos. Enquanto carregava, jogavam mais gás de pimenta no meu rosto. Depois, mandavam fazer mais flexões até que por fim, depois de oito horas, eles ordenaram que eu carregasse acima da cabeça um cilindro de 80 quilos, o que era humanamente impossível.
Martins contou que não conseguiu levantar o cilindro e, por isso, segundo ele, voltou a apanhar, principalmente com socos no estômago. Ao não suportar mais as dores, o soldado informou aos policiais que assinaria o documento de desistência.
Depois que eu assinei, eles comemoraram e fingiram que eram meus amigos. Começaram a conversar comigo normalmente e eu falei para o tenente que ele havia me lesionado. Fui pra casa sem ajuda de ninguém. Minha irmã, ao ver como eu estava, me levou para o hospital.
Seis dias de internação
No hospital, o soldado disse que foi diagnosticado com insuficiência renal, rabdomiólise - ruptura do músculo esquelético, ruptura no menisco, hérnia de disco e lesões na lombar, visão e cérebro.
Não consigo andar direito, minha visão está turva e falo com dificuldade, fora todos os machucados pelo corpo. Tem sido difícil dormir e comer. Estou traumatizado psicologicamente também.
O soldado está afastado da Polícia Militar por decisão médica por tempo indeterminado. "Não sei se voltarei à PMDF quando eu me recuperar. Acredito que não", conclui.
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Quero receberInveja teria motivado agressões
Danilo tinha muitos seguidores na rede sociais, que foi desativada após as agressões. Em sua página, ele publicava a rotina de um policial militar e as operações que participava, além de ser instrutor em cursos e campeão de futebol pela Polícia Militar.
Acredito que isso possa ter causado alguma certa inveja ou incômodo na corporação, pois me chamaram de coach fracassado. Não tem outra explicação.
Martins denunciou a tortura ao Ministério Público e foi ouvido pelo órgão ainda quando estava internado. Ontem, a 3ª Promotoria de Justiça Militar e a Corregedoria da Polícia Militar do Distrito Federal deflagraram uma operação para investigar o ocorrido.
A pedido do Ministério Público do Distrito Federal e Territórios foram cumpridos 14 mandados de prisão temporária e 15 de busca e apreensão, apreensão de celulares dos militares supostamente envolvidos e suspensão do curso até o encerramento das investigações.
Também foram determinados o afastamento do comandante do BPChoque até o encerramento das apurações e o acesso ao prontuário médico da suposta vítima para elaboração do laudo de exame de corpo de delito, informou o Ministério Público.
Defesa dos policiais
O escritório Almeida Advogados está à frente da defesa de 12 policiais militares envolvidos na operação. Em nota, o local informou que já estão sendo adotadas todas as medidas legais pertinentes para o fim de restabelecer a liberdade de todos.
Em nenhum momento os referidos Policiais Militares foram notificados para prestarem quaisquer tipos de esclarecimentos sobre os fatos objeto desta operação, seja pelo Departamento de Controle e Correição da PMDF ou mesmo pelo MPDFT, mas apenas surpreendidos nesta manhã com suas respectivas prisões, razão pela qual a Defesa Técnica buscará trazer aos autos suas versões, para que então o Poder Judiciário possa aplicar o Direito da melhor forma, nota enviada pela defesa.
O UOL tenta a localização da defesa dos outros policiais militares presos. O espaço segue aberto para manifestação.
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