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Se você quer os fins, você deve querer os meios

27.jul.2014 - Um membro da defesa civil fica preso sob escombros em local atingido por bombas no bairro de Al-Shaar, em Aleppo, Síria - Reuters
27.jul.2014 - Um membro da defesa civil fica preso sob escombros em local atingido por bombas no bairro de Al-Shaar, em Aleppo, Síria Imagem: Reuters

Thomas L. Friedman

21/08/2014 00h04

Hillary Clinton recentemente reacendeu o debate de quem perdeu a Síria, quando sugeriu que o presidente Barack Obama cometeu um erro ao não intervir com mais força no início da guerra civil síria, armando os rebeldes pró-democracia. Eu fui cético sobre tal intervenção – duvidei de que havia um número suficiente destes “insurgentes de centro”, e que jamais pudessem derrotar os islâmicos e o exército do presidente Bashar Assad e governar a Síria. Então, se as pessoas vierem com esse discurso, faça as seguintes perguntas antes de decidir se está com Clinton ou com Obama: 

1. Elas sabem qual é o atual líder da Coalizão Nacional da Síria, a oposição moderada secular, e quais são os três primeiros princípios de sua plataforma política? E dê a elas crédito extra se souberem dizer qual foi o último ano que o líder do SNC residiu na Síria. Dica: são várias décadas atrás. 

2. Elas sabem explicar por que Israel –país vizinho à Síria que tem mais dados de inteligência sobre a Síria do que qualquer outro e pode ser mais afetado pelo resultado no país– optou por não apostar nos rebeldes seculares e moderados sírios ou armá-los o suficiente para derrubar Assad? 

3. Os Estados Unidos invadiram o Iraque, com mais de 100 mil soldados, substituíram seu governo com um novo, suprimiram seus extremistas islâmicos e treinaram um exército iraquiano “moderado”, mas, no minuto em que deixaram o país, o primeiro-ministro “moderado” do Iraque virou sectário. No entanto, na Síria, que é gêmea do Iraque, nós devemos acreditar que os insurgentes moderados poderiam ter derrubado Assad e governado a Síria sem os soldados americanos, só armando os bons rebeldes. Sério? 

4. Como é que os bons rebeldes sírios poderiam triunfar na Síria, quando os principais financiadores de grupos rebeldes que lá estão –Qatar e Arábia Saudita– são monarquias fundamentalistas sunitas que se opõem ao mesmo tipo de política democrática e pluralista em seus próprios países que os decentes rebeldes sírios aspiram construir na Síria? 

5. Mesmo que tivéssemos armado os moderados sírios, como eles poderiam ter derrotado a coalizão do exército sírio alawita com gangues, que é apoiada pela Rússia, pelo Irã, pela Hezbollah –e joga segundo as “Regras de Hama”, ou seja, sem regra alguma– sem o envolvimento dos Estados Unidos? 

6. Como é que cerca de 15 mil homens de todo o mundo muçulmano viajaram para a Síria para lutar pelo jihadismo e nenhum foi para lá para lutar pelo pluralismo, mas os moderados da Síria não apenas teriam sido capazes de derrotar o regime de Assad –se nós tivéssemos enviado armas suficientes– mas também toda essa legião estrangeira jihadista? 

A noção de que a única razão para o surgimento das milícias islâmicas na Síria é porque nós criamos um vácuo quando não armamos adequadamente os rebeldes seculares é um absurdo ridículo. Há muito tempo a Síria tem um submundo fundamentalista sunita. Em 1982, quando o então presidente Hafez al-Assad perpetrou o massacre de Hama, foi um esforço para acabar com esses islamitas sírios. Então, sim, há raízes culturais para o pluralismo na Síria, pois o país tem muitos cristãos e muçulmanos seculares, mas há também o oposto. Não se iluda. 

É por isso que, em uma breve visita que fiz a Darkush, na Síria, em dezembro de 2012, foi-me dito pelo comandante local do Exército da Síria Livre, Muatasim Bila Abul Fida, que mesmo depois que o regime de Assad fosse derrubado haveria outra guerra na Síria: “Vai levar cinco ou seis anos”, acrescentou, porque os partidos islâmicos “querem a sharia, e nós queremos a democracia”. Ou seja, haveria duas guerras civis: dos liberais e jihadistas contra Assad e dos liberais contra os jihadistas. 

Não me interpretem mal. Meu coração está com os liberais sírios corajosos que se atreveram a ir para as ruas e exigiram uma mudança de regime – desarmados. Estas são pessoas decentes, boas, do tipo que você gostaria de ver dirigindo a Síria. Mas seria preciso muito mais do que armas melhores para que elas derrotassem Assad e os jihadistas.

Neste caso, o Iraque é um exemplo instrutivo. É preciso voltar para as eleições de 2010, quando Ayad Allawi, um xiita secular, que concorreu com sunitas, xiitas e cristãos em uma plataforma moderada, pluralista – como os moderados da Síria – de fato conquistou mais assentos do que o seu principal concorrente, o primeiro-ministro Nouri al-Maliki.

O que permitiu isso? Eu vou contar: os Estados Unidos decapitaram o regime de Saddam e em seguida ajudaram a parir uma Constituição iraquiana e as eleições, enquanto as forças especiais dos EUA (e do Iraque) prendiam ou matavam os piores extremistas sunitas e xiitas. Tiramos de cena os dois extremos sem ler para eles seus direitos de Miranda. Isso foi o que deu ao centro moderado do Iraque o espaço, a confiança e a capacidade de defender partidos mistos, que é o que muitos iraquianos queriam. Quando nossas tropas partiram, no entanto, esse centro não se manteve.

Eu não desejo ver as tropas americanas na Síria, como qualquer outra pessoa, mas eu não tenho respeito ao argumento de que o simples fato de armar alguns rebeldes pró-democracia teria resolvido a questão. Sim, houve um preço pela inação de Obama. Mas também há um preço para uma ação efetiva, que os críticos da inação devem admitir honestamente. Chama-se de força internacional. Estamos lidando não apenas com Estados desintegrados, mas com sociedades inteiras – e reconstruí-las é a mãe de todos os projetos de construção de nação. Se você quer os fins, você deve querer os meios. Caso contrário, você não está falando sério.