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Aos candidatos à Presidência dos EUA: Têm certeza de que querem o cargo?

Bernie Sanders e Hillary Clinton, pré-candidatos democratas à Presidência - Joe Raedle/Getty Images/AFP
Bernie Sanders e Hillary Clinton, pré-candidatos democratas à Presidência Imagem: Joe Raedle/Getty Images/AFP

Thomas L. Friedman

22/10/2015 00h02

Depois de ter assistido a todos os debates e todas essas pessoas concorrendo para a Presidência, não consigo evitar de pensar: por que alguém iria querer este cargo agora? Vocês têm noção do que está acontecendo lá fora?

O cabelo de Barack Obama não ficou grisalho à toa. Quero dizer, o Air Force One é super legal e tal, mas agora ele vem junto com o Afeganistão, o Estado Islâmico e congressistas republicanos conservadores do Freedom Caucus – sem mencionar um monte de pessoas, lugares e coisas que se desmontam tudo de uma vez.

Considere a notícia mais assustadora deste ano. Na sexta-feira (16/10), o jornal “The Washington Post” informou que “o Departamento de Justiça acusou um hacker na Malásia de roubar os dados pessoais dos membros das forças armadas dos EUA e passá-los para o grupo terrorista Estado Islâmico, que usou a internet para exortar seus simpatizantes a atacá-los”.

O artigo explicou que, em junho, Ardit Ferizi, líder de um grupo de hackers de etnia albanesa do Kosovo que se chama Kosova Hackers Security, “invadiu um servidor usado por uma empresa de varejo on-line dos EUA” e “obteve dados de cerca de 100 mil pessoas”.

Ferizi “é acusado de passar os dados para Junaid Hussain, um cidadão britânico e membro do Estado Islâmico que em agosto postou links no Twitter com os nomes, endereços de email, senhas, endereços e números de telefone de 1.351 militares norte-americanos e outros membros do governo. Ele incluiu um aviso de que os ‘soldados do Estado Islâmico... vão atacar seus pescoços em suas próprias terras!’”

Agentes do FBI rastrearam Ferizi e encontraram “um computador com um endereço de internet na Malásia”, onde foi preso. Enquanto isso, Hussain foi morto por um avião não tripulado dos EUA na Síria.

Uau: um hacker albanês na Malásia colaborando com um jihadista do Estado Islâmico no Twitter para intimidar soldados americanos online – antes de matarmos o jihadista com um drone!

Bem-vindo à guerra do futuro: superpotências contra homens revoltados e empoderados – e uma turma de cibercriminosos e ciberterroristas. Eles são todos subprodutos de um profundo ponto de inflexão impulsionado pela tecnologia que receberá o próximo presidente e fará com que os debates atuais pareçam ridiculamente obsoletos em quatro anos. 

Eu nasci na era da Guerra Fria. Era um momento perigoso, com duas superpotências nucleares segurando uma arma na cabeça uma da outra, e a doutrina da “destruição mútua assegurada” mantendo as duas sob controle. Mas, agora, sabemos que os ditadores que os EUA e a Rússia apoiaram no Oriente Médio e na África suprimiram conflitos sectários vulcânicos. 

As primeiras décadas pós-Guerra Fria foram uma época de relativa estabilidade. Os ditadores na Europa Oriental e na América Latina deram lugar a governos democraticamente eleitos e a mercados livres. Boris Yeltsin, da Rússia, nunca contestou a expansão da Otan, e a internet e redes de produção globais elevaram a rentabilidade e reduziram os custos do trabalho e dos bens.

As taxas de juros eram baixas e, apesar de a renda das pessoas sem formação universitária entrar em declínio, isso foi mascarado pelo aumento dos preços dos imóveis, hipotecas de risco, crédito fácil, queda nos impostos e mulheres ingressando na força de trabalho, e os rendimentos das famílias continuou a subir.

“Até o ano de 2000, mais de 95% das pessoas estava em melhor situação do que a geração anterior”, disse Richard Dobbs, diretor do McKinsey Global Institute. Portanto, mesmo que os ricos estivessem ficando ainda mais ricos do que aqueles abaixo na escala de renda “isso não provocava agitação política, porque as pessoas no meio também estavam avançando” e certamente estavam mais ricas do que seus pais. 

Na última década, entretanto, nós entramos na era pós-pós-Guerra Fria. A combinação de pressões tecnológicas, econômicas e climáticas está literalmente arrancando a tampa dos Estados no Oriente Médio e na África, desencadeando conflitos sectários que nenhum ditador consegue suprimir. Os vilões estão ficando muito poderosos e “a destruição mutuamente assegurada” não é um impedimento para o Estado Islâmico, e sim um convite para o céu.

Robôs tiram leite das vacas e o computador Watson da IBM pode vencer qualquer um no concurso “Jeopardy!” e também o seu radiologista, por isso todo trabalho decente requer mais habilidades técnicas e sociais – e aprendizagem contínua. No Ocidente, um número menor de jovens, com bilhões de dólares em dívidas de faculdade, terá que pagar o Medicare e a Segurança Social para os membros da geração do baby boom, que estão se aposentando agora e vão viver por mais tempo. 

“De repente, o número de pessoas acreditando que não terão uma situação melhor do que seus pais sai de zero para 25% ou mais”, argumenta Dobbs. 

Quando você está avançando, você aceita o sistema; você não se importa com os bilionários, porque sua vida está melhorando. Mas quando você para de avançar, acrescentou Dobbs, você pode “perder a fé no sistema -seja a globalização, o comércio livre, a exportação de empregos, a imigração, os republicanos tradicionais ou os democratas tradicionais. Porque, de uma maneira ou de outra, eles podem ser percebidos como algo que não está funcionando para você”.

 E é por isso que Donald Trump está tendo uma repercussão nos EUA; Marine Le Pen, na França; o califa do Estado Islâmico no mundo árabe e Vladimir Putin na Rússia. Todos eles prometem trazer de volta as certezas e a prosperidade da Guerra Fria ou da era pós-Guerra Fria – livrando-se das elites tradicionais que nos trouxeram até aqui e construindo muros contra a mudança e contra os homens furiosos cheios de poder. São todos falsos profetas, mas a tempestade que prometem deter é muito real.