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Solução brasileira 'salva' reunião do clima de fracasso

11/12/2011 10h04

Passava de 1h da madrugada e o cansaço de três noites em claro pesava, quando o negociador-chefe do Brasil, Luiz Alberto Figueiredo, se deparou com o ministro britânico de Energia e Clima, Chris Huhne, na plenária.

Já era domingo, segundo dia de prorrogação da reunião das Nações Unidas sobre mudanças climáticas na África do Sul, ainda sem conclusão à vista, e o clima pesou.

Huhne, ex-jornalista e atual deputado liberal-democrata, e Figueiredo, ex-comunista e atual diplomata, trocavam acusações polidas e mútuas de estarem pondo em risco todo o trabalho de mais de duas semanas em Durban.

O pomo da discórdia era uma nova versão do texto final a ser adotado pela convenção do clima, mais precisamente a descrição do valor legal dele.

Metas de redução

Pela primeira vez na história das negociações sobre o clima, países em desenvolvimento estavam prestes a se comprometer legalmente com metas de redução de emissão de gases do efeito estufa.

Desde a década de 90, a legislação climática separava o mundo entre países desenvolvidos, com obrigações de redução, e países em desenvolvimento, livres de compromissos com força de lei.

No século 21, com a disparada de crescimento da China, seguida por Índia e Brasil, essa divisão ficou cada vez mais incômoda para os Estados Unidos (que embora nunca tenha assumido metas de redução, continuou participando do processo internacional da ONU) e para a União Europeia.

A solução para eles era fechar um acordo que igualasse todos os participantes perante à lei, ainda que com compromissos diferentes.

China e Índia, entretanto, embora tivessem aceitado negociar um acordo assim para o futuro, não estavam satisfeitos com o que lhe caberia nessa barganha: uma nova etapa do Protocolo de Kyoto (que vence em 2012) e um acordo que finalmente incluísse os Estados Unidos, entre outros.

Não era de se estranhar, portanto, que estes países quisessem enfraquecer ao máximo este novo futuro vínculo legal.

'Momento histórico'

Na plenária, já cercado por uma pequena multidão, o inglês reclamava da nova versão que continha a expressão "resultado legal" no lugar de "instrumento legal" - como aparecera em versões anteriores.

Negociadores europeus, no burburinho que se formou em torno dos dois, diziam que não podiam simplesmente aparecer com um texto e querer jogar fora o que fora negociado anteriormente e ameaçavam abandonar navio.

Figueiredo, que durante as duas semanas de COP-17 não raro fez o papel de intermediário entre os chamados BASIC (Brasil, África do Sul, Índia e China) e os Estados Unidos e UE, tratou de defender a mudança.

"Eu estava tentando fazer ver a todos que por uma palavra não se perde um momento histórico", disse Figueiredo depois do final feliz.

Na hora, visivelmente irritado, respondeu em inglês a Huhne: "Não me venha com essa, isso você pode dizer fora daqui, mas não me venha com essa", dando a entender que não aceitaria qualquer "jogo de cena" em uma hora tão crucial para as negociações.

Afastou-se e de longe, conversava com outro representante brasileiro, ainda abalado, enquanto Huhne articulava.

"Então, temos nós que falar com a Índia", dizia. Negociadores europeus lhe responderam que não faria diferença - a Índia não mudaria de posição.

"Temos que tentar", respondeu Huhne, enquanto a presidência da COP-17 pedia aos delegados que tomassem seus assentos para a retomada dos procedimentos.

A sessão foi reaberta, mas não por muito tempo. Novamente, a UE pediu tempo para conversar. Dessa vez, os dez minutos se transformaram em quase uma hora de intensas conversas.

Solução intermediária

Figueiredo desapareceu em uma nuvem de negociadores da Índia e da UE.

De volta à plenária, item a item, a agenda foi aprovada, sem sinal das tensões presenciadas havia pouco.

A explicação? Na dúvida entre "resultado legal" e "instrumento legal", o embaixador Figueiredo saiu-se com "instrumento com força legal".

Em entrevista coletiva após a aprovação do novo período de compromisso sob Kyoto, do Fundo Verde do Clima, do texto sobre REDD e outros, além, é claro, principalmente o novo instrumento legalmente vinculante, Huhne era só elogios.

"Luiz é um advogado criativo e imaginativo e um grande parceiro de negociações, e o Brasil tem um histórico de conquistas incrível que está cada vez mais sendo projetado no âmbito internacional", disse o ministro.

Para a comissária europeia, Connie Hedegaard, foi o momento definitivo das longas duas semanas de negociação.

"E acho que se não tivéssemos encontrado aquela solução com a Índia naquele momento, estaríamos naquela sala até agora ou nada teria saído daqui."