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Josias de Souza

ANÁLISE

Texto baseado no relato de acontecimentos, mas contextualizado a partir do conhecimento do jornalista sobre o tema; pode incluir interpretações do jornalista sobre os fatos.

Bolsonaro atinge ápice da harmonia com Mourão

Evaristo SA/AFP/Getty Images
Imagem: Evaristo SA/AFP/Getty Images

Colunista do UOL

16/06/2021 00h30

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Apesar de tudo o que se diz por aí, Bolsonaro e Hamilton Mourão jamais discutem. Na verdade, nem se falam. Avesso a medidas restritivas, o capitão mantém em relação ao general um rigoroso distanciamento funcional. Desligando Mourão da tomada, Bolsonaro atingiu, ao seu modo caótico, o ápice da harmonia.

O presidente voltou a excluir o vice de uma reunião com ministros nesta terça-feira. "Sinto falta", lamentou Mourão. "A gente fica sem saber o que está acontecendo. É a vida, paciência", resignou-se.

O relacionamento entre Bolsonaro e Mourão tinha tudo para acabar em pandemônio, pois eles cultivam visões pouco lisonjeiras um sobre o outro. Em março de 2020, numa entrevista à TV Bandeirantes, Bolsonaro disse: "Ele é muito mais tosco do que eu", é "o único que não é demissível."

Em julho de 2020, falando à GloboNews, Mourão declarou: "Ele encerrou a carreira dele num posto, que é o posto de capitão, onde você é muito mais físico do que intelectual."

Atrasando-se o relógio, percebe-se que Mourão esperava muito mais do que obteve. Em outubro de 2018, a três dias da eleição, o então candidato a vice afirmou ao jornal O Globo: "Eu me vejo como um assessor qualificado do presidente, um homem próximo ali, junto dele, dentro do Planalto. Nossas salas serão juntas. Não seremos duas figuras distantes, como já aconteceu."

O complexo de inferioridade impede que Bolsonaro desfrute da qualificação que Mourão acredita possuir. A sala do vice fica no anexo do Planalto, bem distante do gabinete presidencial. O máximo que Mourão obteve foi o comando cenográfico de um desequipado Conselho da Amazônia.

Para desassossego do capitão, o general consolidou-se como uma espécie de contraponto-geral da República. No seu penúltimo ponto de vista contrastante, Mourão disse que a participação do general Eduardo Pazuello num comício com o chefe teria de resultar em punição para "evitar que a anarquia se instaure dentro das Forças." Bolsonaro fez o oposto. Anarquizou o Exército, forçando o arquivamento do caso.

Bolsonaro aprendeu com Michel Temer que os vices, como os ciprestes, costumam crescer à beira dos túmulos. Mesmo sendo "mais físico do que intelectual", o capitão tratou de comprar a blindagem do centrão. E Mourão, apesar de ser politicamente "mais tosco" do que Bolsonaro, não ignora que Temer obteve o trono porque sua força política estava no Congresso, não no quartel.

Quer dizer: Bolsonaro e Mourão condenaram-se mutuamente ao desprazer de uma coabitação palaciana que expõe ao país uma harmonia sui generis. Na falta de presença de espírito, construiu-se um relacionamento baseado da ausência de corpo.