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Leonardo Sakamoto

De PIB da banana a golden shower: 8 cortinas de fumaça do governo Bolsonaro

Bolsonaro ao lado do humorista Carioca no Palácio da Alvorada - DIDA SAMPAIO/ESTADÃO CONTEÚDO
Bolsonaro ao lado do humorista Carioca no Palácio da Alvorada Imagem: DIDA SAMPAIO/ESTADÃO CONTEÚDO

Colunista do UOL

05/03/2020 14h54

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Resumo da notícia

  • Levantamento traz casos em que Bolsonaro usou cortinas de fumaça para desviar a atenção do público, de denúncias de corrupção a problemas na economia
  • Nesta quarta (4), humorista imitando o presidente distribuiu bananas a jornalistas, evitando que Bolsonaro falasse sobre alta de 1,1% do PIB
  • Vídeo que chamou STF de hiena encobriu áudios vazados de Fabrício Queiroz; ataque a Glenn Greenwald escondeu carona a parentes em aeronaves da FAB
  • Ataque à Petra Costa se sobrepôs a denúncias contra secretário de comunicação; "golden shower" desviou atenção de inquérito contra ministro do Turismo

Dois temas contam com potencial especialmente explosivo para a popularidade de Jair Bolsonaro junto aos seus eleitores e, por isso, são constantemente nublados com cortinas de fumaça produzidas pelo presidente da República, seus filhos e assessores. O uso de um humorista, vestido de presidente, distribuindo banana a jornalistas, para que o mandatário evitasse falar do baixo crescimento do PIB, nesta quarta (4), foi apenas o exemplo mais recente.

O primeiro dos temas é o envolvimento do clã Bolsonaro em casos de desvios de recursos públicos, como as denúncias de devolução de parte de salários de funcionários dos gabinetes da família, as chamadas "rachadinhas".

Apesar das investigações do Ministério Público do Rio de Janeiro terem colocado Flávio Bolsonaro no olho do furação, o responsável pela contabilidade, Fabrício Queiroz, era homem de confiança de Bolsonaro. Ele fazia a ponte do gabinete do então deputado estadual com a milicianos, como Adriano da Nóbrega - chefe do grupo de matadores de aluguel Escritório do Crime, morto em fevereiro na Bahia e que tinha esposa e mãe na folha de pagamentos de Flávio.

O segundo é uma economia que não deslancha, o que tem impacto direto não apenas entre trabalhadores (desemprego cai, mas ainda temos 11,9 milhões de pessoas desocupadas, e a taxa de informalidade é de 40,7%), mas também entre empresários - fiadores da eleição de Bolsonaro.

O ministro da Economia, Paulo Guedes, não acredita em investimento público e segue pedindo confiança em mais reformas. Bolsonaro sabe, contudo, que Dilma Rousseff perdeu apoio político por causa da crise econômica, da mesma forma que Lula foi reeleito, em 2006, apesar do Mensalão, pois a economia seguia em céu de brigadeiro.

Nesse cenário, Bolsonaro e seu núcleo próximo têm atuado para desviar a atenção do público quando a notícias são ruins, principalmente nesses dois temas. Nesses momentos, é que surgem declarações e comportamentos abjetos.

No cálculo presidencial, o impacto negativo disso é maior entre o naco intelectualizado da sociedade do que com a massa - que se preocupa mais com corrupção e com emprego.

Seguem oito exemplos. Não é possível inferir que, em todos os casos, houve intencionalidade no efeito dispersivo, mas afirmar que a temperatura de um problema baixou por conta da cortina de fumaça formadas.

1) O PIB pífio e o humorista da banana

Crise: IBGE divulgou, no dia 4 de março de 2020, crescimento do PIB, em 2019, de apenas 1,1%, frente aos 1,3% de 2017 e 2018.

Cortina de fumaça: Bolsonaro levou, no mesmo dia, humorista vestido de presidente para distribuir bananas aos jornalistas que o aguardavam para comentar o desempenho fraco da economia na frente do Palácio do Alvorada. "PIB? O que é PIB?", perguntou o presidente de volta aos repórteres. Depois, a assessoria de comunicação do governo defendeu que "PIB privado" cresceu, enquanto "PIB público" caiu, aplicando metodologia que não é usual para desviar o tema central de debate.

2) A investigação da "rachadinha" e a sexualidade de jornalistas

Crise: Bolsonaro foi questionado sobre a investigação sobre peculato, lavagem de dinheiro e organização criminosa envolvendo seu filho Flávio e seu ex-assessor, Fabrício Queiroz, no dia 20 de janeiro deste ano, em frente ao Palácio da Alvorada.

Cortina de fumaça: Tratou da sexualidade de jornalistas. "Você tem uma cara de homossexual terrível, nem por isso te acuso de ser homossexual, se bem que não é crime ser homossexual", afirmou. Após um repórter perguntar sobre comprovantes de transações que envolviam Queiroz e sua família, gritou: "Pergunta pra tua mãe o comprovante que ela deu pro teu pai, tá certo?"

Queiroz (à dir.) é ex-motorista e ex-segurança do hoje senador Flávio Bolsonaro, filho do presidente - Reprodução/Instagram - Reprodução/Instagram
Imagem: Reprodução/Instagram

3) O "cometa" de Queiroz e o vídeo da hienas do Supremo

Crise: Áudios de WhatsApp divulgados pela imprensa, no dia 27 de outubro de 2019, mostraram que Fabrício Queiroz sentia-se abandonado por seu grupo político. "O cara lá está hiperprotegido. Eu não vejo ninguém mover nada para tentar me ajudar aí. É só porrada. O MP tá com uma pica do tamanho de um cometa para enterrar na gente. Não vi ninguém agir", afirmou.

Cortina de Fumaça: No dia 28, um vídeo postado nas redes sociais de Jair Bolsonaro comparou o presidente a um leão acossado cercado de hienas - animais carniceiros. Elas representavam o STF, os partidos políticos (inclusive o PSL), os advogados da OAB, os bispos católicos da CNBB, a imprensa, entre outros. O leão era salvo por um outro, identificado como "conservador patriota". Ministros do Supremo reagiram com irritação. Marco Aurélio Mello afirmou, em entrevista à rádio CBN, que o vídeo era uma cortina de fumaça. "É uma coincidência muito grande que esse foco surja justamente numa hora em que aparece essas coisas envolvendo o assessor Queiroz", disse. No dia seguinte, Bolsonaro pediu desculpas, afirmando que o material havia sido publicado por terceiros.

4) De novo, o "cometa" de Queiroz e a proposta do AI-5

Crise: Áudios de WhatsApp divulgados pela imprensa, no dia 27 de outubro de 2019, mostraram que Fabrício Queiroz sentia-se abandonado por seu grupo político. "O cara lá está hiperprotegido. Eu não vejo ninguém mover nada para tentar me ajudar aí. É só porrada. O MP tá com uma pica do tamanho de um cometa para enterrar na gente. Não vi ninguém agir", afirmou.

Cortina de fumaça: O caso, de tão pesado, gerou duas tentativas de dispersão da atenção. O deputado federal Eduardo Bolsonaro concedeu entrevista, no dia seguinte, à jornalista Leda Nagle, defendendo um novo Ato Institucional número 5 - que, em 1968, deu poderes para o governo fechar o Congresso e cassar direitos. A entrevista foi divulgada no dia 31. "Se a esquerda radicalizar a esse ponto [com protestos como os que ocorrem no Chile], a gente vai precisar ter uma resposta. E uma resposta pode ser via um novo AI-5".

'Peço desculpas a quem porventura tenha entendido que estou estudando o retorno do AI-5 ou achando que o governo, de alguma maneira, estaria estudando qualquer medida nesse sentido', disse Eduardo Bolsonaro em entrevista posterior àquela em que falou do ato institucional que tornou a ditadura militar ainda mais repressiva - REUTERS/Adriano Machado - REUTERS/Adriano Machado
Imagem: REUTERS/Adriano Machado

5) A suspensão das investigações contra Flávio e o ciclo do destempero

Crise: O ministro Dias Toffoli, do Supremo Tribunal Federal, atendeu a um pedido da defesa do senador Flávio Bolsonaro e suspendeu investigações sobre as movimentações atípicas dele e de seu ex-assessor Fabrício Queiroz no dia 16 de julho de 2019. Na prática, isso impactou outras investigações criminais que usavam dados de órgãos de controle, como Coaf, Receita Federal e Banco Central sem autorização judicial.

Cortina de fumaça: Nos dias 18 e 19 de julho de 2019, Bolsonaro disse a jornalistas que "falar que se passa fome no Brasil é uma grande mentira"; teve uma conversa "vazada" referindo-se a gestores do Nordeste, de forma preconceituosa, como "governadores de Paraíba"; difamou a jornalista Miriam Leitão, dizendo que era mentira que ela havia sido torturada durante a ditadura militar; disse que o aumento no desmatamento da Amazônia apontado pelo INPE "não confere com a realidade"; e que se não pudesse impor controle sobre os filmes da Ancine, a agência seria extinta.

Atendendo a um pedido da defesa de Flávio Bolsonaro, filho do presidente Jair Bolsonaro, o ministro Dias Toffoli suspendeu todos os inquéritos abertos a partir de dados compartilhados por órgãos de controle como o Conselho de Controle de Atividades Financeiras (Coaf) e a Receita Federal. - SERGIO LIMA/AFP - SERGIO LIMA/AFP
Atendendo a um pedido da defesa de Flávio Bolsonaro, filho do presidente Jair Bolsonaro, o ministro Dias Toffoli suspendeu todos os inquéritos abertos a partir de dados compartilhados por órgãos de controle como o Conselho de Controle de Atividades Financeiras (Coaf) e a Receita Federal.
Imagem: SERGIO LIMA/AFP

6) A carona para parentes e o ataque a Glenn Greenwald

Crise: O presidente afirmou ter sido normal dar carona a parentes e amigos, em helicópteros da Força Aérea Brasileira, para o casamento do filho Eduardo, em maio. A informação foi revelada, pelo portal G1, no dia 26 de julho de 2019. Após reagir de forma agressiva a uma repórter que perguntou sobre o tema e abandonar a coletiva, Bolsonaro disse: "Eu vou negar o helicóptero a ir para lá e mandar ir de carro? Não gastei nada do que já ia gastar".

Cortina de fumaça: O presidente da República Bolsonaro insinuou, no dia 27 de julho, que o jornalista Glenn Greenwald poderia ser preso e afirmou que o responsável pelo The Intercept Brasil se casou com o hoje deputado federal David Miranda e, juntos, adotaram duas crianças brasileiras para evitar deportação. "Malandro, malandro, para evitar um problema desse [deportação de estrangeiros considerados perigosos], casa com outro malandro e adota criança no Brasil. Esse é o problema que nós temos. Ele não vai embora, pode ficar tranquilo. Talvez pegue uma cana aqui no Brasil, não vai pegar lá fora não", disse.

O jornalista Glenn Greenwald, fundador do site The Intercept Brasil - Brendan Smialowski/ AFP - Brendan Smialowski/ AFP
O jornalista Glenn Greenwald, fundador do site The Intercept Brasil
Imagem: Brendan Smialowski/ AFP

7) O inquérito por corrupção do assessor e o ataque à documentarista

Crise: A Polícia Federal abriu inquérito para apurar se Fabio Wajngarten, que comanda a Secretaria Especial de Comunicação Social (Secom) da Presidência da República, é culpado pelos crimes de corrupção passiva, peculato (desvio de recursos públicos) e advocacia administrativa - quando alguém usa a administração pública para patrocinar interesses privados. O pedido, assinado em 27 de janeiro, pelo Ministério Público Federal , teve como base reportagens da Folha de S.Paulo que mostraram o secretário como dono de uma empresa que possui contratos com emissoras de TV que, por sua vez, recebem recursos da própria Secom. Seus clientes passaram a receber mais após ele ter assumido o cargo.

Cortina de fumaça: Quando o caso ganhou as redes, a Secretaria de Comunicação Social usou sua conta no Twitter, em 3 de fevereiro, para atacar a cineasta Petra Costa, diretora do documentário "Democracia em Vertigem" - finalista do Oscar. A diretora havia tecido críticas contra o governo Jair Bolsonaro à PBS, rede pública de TV norte-americana, no dia 31 de janeiro. A postagem da Secom causou alvoroço porque a utilizou-se de uma conta oficial do governo para atacar um cidadão brasileiro por emitir opiniões.

Petra Costa em entrevista à PBS - Reprodução - Reprodução
Petra Costa em entrevista à PBS
Imagem: Reprodução

8) O Carnaval da crise e a golden shower

Crise: Bolsonaro foi alvo de críticas durante o Carnaval de 2019, sendo tema em blocos e desfiles. O debate público estava tomado pela pergunta "onde está o Queiroz", as ligações da família do presidente com milicianos e as denúncias de candidaturas laranjas envolvendo o PSL - partido pelo qual ele foi eleito. Vale lembrar que no dia 27 de fevereiro, a Polícia Federal havia instalado inquérito contra o ministro do Turismo, Marcelo Álvaro Antônio por causa disso e o caso ganha dimensão nacional.

Cortina de fumaça: Jair Bolsonaro postou em sua conta no Twitter, no dia 5 de março de 2019, o vídeo de um homem dançando em um ponto de táxi após enfiar o dedo no próprio ânus. Logo depois, aparece outro que urina na cabeça daquele que dançava. "É isto que tem virado muitos blocos de rua no Carnaval brasileiro", escreveu. No dia seguinte, postou a pergunta que se tornou icônica "o que é golden shower?"

Golden Shower - Reprodução - Reprodução
Imagem: Reprodução