Leonardo Sakamoto

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Opinião

Dono de empresa flagrada com escravidão reclama de falta de mão de obra

O empresário Rubens Menin, presidente do Conselho de Administração da MRV, defendeu mudanças no Bolsa Família e do BPC para, segundo ele, aliviar as contas públicas e aumentar a força de trabalho disponível em um evento organizado por um banco de investimentos nesta quarta (27). Reconheceu a importância do programa em um país com pobreza extrema, mas diz que o país precisa de "consciência fiscal".

Mas isso não pode vir separado da "consciência social", caso contrário, teremos aumento da vulnerabilidade dos trabalhadores, o que acaba os tornando vítimas da superexploração. E o governo federal já resgatou trabalhadores em condições análogas às de escravo em obras sob responsabilidade da MRV em Porto Alegre e São Leopoldo (RS), em 2021, Macaé (RJ), em 2014, Contagem (MG), em 2013, Americana e Bauru (SP), Curitiba (PR) e Goiânia (GO), em 2011.

O IBGE divulgou, nesta quinta (27), que a taxa de desemprego no país foi de 6,5% no trimestre encerrado em janeiro, o que é a menor para esse período desde 2014, segundo a Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios Contínua. Essa taxa baixa pode impactar no custo da mão de obra, mais do que os programas sociais.

No último dia 12 de fevereiro, representantes do setor da construção civil, entre eles Menin, divulgaram uma carta na qual propõem mudanças no programa sob a justificativa de que uma suposta "dependência voluntária" prejudica a oferta de mão de obra. Ou seja, para eles, o povo que ganha o benefício evita trabalhar na formalidade.

"A estrutura atual do programa incentiva a permanência na assistência ao criar um dilema cruel para seus beneficiários: ingressar em um emprego formal e perder 100% do auxílio, ou manter-se em um ciclo de dependência para garantir uma segurança financeira mínima. Esse modelo desestimula o crescimento econômico, empurra trabalhadores para a informalidade e contribui para a escassez de mão de obra em setores essenciais", diz a carta.

"Se os beneficiários puderem trabalhar sem perder imediatamente o auxílio, mais dinheiro circulará, aquecendo a economia. A construção civil e a indústria poderão preencher vagas essenciais e voltar a operar com força total, reduzindo atrasos em obras e contribuindo para o crescimento do PIB", aponta.

Detalhe: um trabalhador CLT pode sim receber o Bolsa Família desde que cumpra com os requisitos pré-estabelecidos pelo governo. Ele perde o acesso quando passa a receber mais do que o limite do programa, o que, para ele, é uma boa notícia. Há um projeto tramitando no Congresso para garantir que o beneficiário não perca o Bolsa Família caso tenha aumento de renda por um período curto de tempo, de vido a um contrato de safra ou temporário.

Os que preferem viver na pobreza, recebendo benefício, ao invés de melhorarem de vida são uma pequena minoria, não o padrão. De uma maneira, geral, se está faltando gente nas frente de trabalho da construção civil, o setor privado precisa melhorar os salários e condições que paga à base da pirâmide.

É isso que deve atrair para os empregos, não um aumento de vulnerabilidade causado pela redução de programas sociais. Ao mesmo tempo, o poder público deve combater mais fortemente a inflação, principalmente dos alimentos, que corrói o poder de compra e a qualidade de vida dos trabalhadores, ajudando a reduzir salários já insuficientes.

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A esmagadora maioria dos beneficiários do Bolsa trabalha sim e não quer ficar na miséria, mas precisa de uma mãozinha para viver enquanto isso não é possível - afinal, nem todos tiveram acesso à herança ou a oportunidades de educação de qualidade. E a transferência condicionada à frequência escolar e à vacinação eleva a qualidade de vida.

Para bancar isso e mesmo as ações para adaptação do país às mudanças climáticas, o governo tem que colocar a conta no colo dos super-ricos através da taxação de dividendos, ou seja, dos lucros recebidos de suas empresas, isentos. Essa isenção, em vigor desde 1995 com o governo Fernando Henrique Cardoso, é o maior benefício social do país, pois são bilhões que fluem para os bolsos de um pequeno grupo.

O ministro Fernando Haddad apresentou uma proposta de taxação mínima para quem ganha mais de R$ 50 mil por mês - que, na média, paga menos Imposto de Renda do que o operário da construção que ganha menos de três salários mínimos. Levou pedrada. O próprio Paulo Guedes, quando ministro, quis trazer de volta a cobrança sobre dividendos, desonerando empresas e cobrando de indivíduos. Também levou pancada.

O governo tem que combater fraudes e irregularidades nos benefícios sociais. Ao mesmo tempo, o Poder Judiciário precisa avaliar as concessões que vem fazendo a cidadãos que não preenchem as regras do BPC, mas conseguem inclusão no programa mesmo assim.

A questão não deve ser pautada por quanto a sociedade quer dar ao Bolsa Família, mas pela necessidade de garantir um mínimo de sobrevivência a quem se encontra em situação de pobreza e extrema pobreza.

Opinião

Texto em que o autor apresenta e defende suas ideias e opiniões, a partir da interpretação de fatos e dados.

** Este texto não reflete, necessariamente, a opinião do UOL