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Paulo Sampaio

Maksoud luta contra ruína, e herdeiro paga contas com empresa de fachada

Fachada do hotel Maksoud Plaza, na região central de São Paulo - Ivan Dias/Estadão Conteúdo
Fachada do hotel Maksoud Plaza, na região central de São Paulo Imagem: Ivan Dias/Estadão Conteúdo

Colunista do UOL

01/10/2020 04h05Atualizada em 10/10/2020 22h08

Resumo da notícia

  • Grupo Maksoud de Hotéis pediu recuperação judicial na última semana
  • Hotel teve que ir à Justiça para não ter gás cortado por dívida de R$ 35 mil
  • Herdeiro controla empresa no nome de terceiros e paga R$ 82.830 de custos judiciais
  • Juíza havia pedido intervenção no grupo para garantir pagamentos a credores
  • Uso de empresa composta por "laranjas" configuraria crime, diz tributarista

Apesar das alegadas dificuldades financeiras do Grupo Maksoud de Hotéis, que na semana passada pediu recuperação judicial, uma consulta a alguns valores mostra que os cofres da família não estão de todo vazios. Quem custeia os R$ 82.830 relativos a boletos do processo é uma empresa de fachada chamada Portillo Participações e Empreendimentos Ltda, controlada por Henry Maksoud Neto, presidente do hotel.

As dívidas trabalhistas do grupo e com outros credores são estimadas em R$ 120 milhões. Ainda há R$ 400 milhões em débitos tributários. O patrimônio da Portillo é inalcançável pela Justiça.

Por meio de sua assessoria, o grupo Maksoud informa que a empresa "é contratada (desde antes do início da atual gestão, pelo sr. Henry Maksoud), para fazer justamente o serviço de contas a pagar e receber da HM Hotéis e Turismo. Esta empresa está em vias de ser substituída neste serviço por uma instituição financeira".

Conforme a coluna noticiou em reportagem de dezembro de 2017, a Portillo é utilizada para movimentar o ativo financeiro do grupo, composto por pelo menos cinco outros empreendimentos (a Hidroservice Engenharia Ltda; a HM Hoteis e Turismo S.A. - Maksoud Plaza São Paulo; a Manaus Hoteis Turismo S.A., que constrói um hotel na capital do Amazonas; a HSBX Empreendimentos S.A. - - Maksoud Plaza Hotel e Shopping Center Bauru; e a KXYZ Tecnologia S.A.)

Trecho da contabilidade da Portillo com remessas a Vera Lúcia Barbosa e Henry Maksoud Neto - Reprodução/UOL - Reprodução/UOL
Trecho da contabilidade da Portillo com remessas a Vera Lúcia Barbosa e Henry Maksoud Neto
Imagem: Reprodução/UOL

De acordo com o professor de direito tributarista Edison Carlos Fernandes, da Fundação Getúlio Vargas, "a princípio, não há ilegalidade em se criar uma empresa para administrar os bens de outra e reduzir a burocracia na sucessão". "É até comum. O uso que se faz dessa estrutura é que pode ser o problema. É crime, por exemplo, compor a sociedade com 'laranjas' (pessoas que emprestam seu nome, documentos ou conta bancária para ocultar a identidade de quem a contrata)".

Os sócios

Em sua formação original, a Portillo tem como sócios Bruno Salles da Silva, Thiago Antônio Dias e Leandro Cury Pinheiro, ligados ao escritório do advogado de Henry Maksoud Neto, Marcio Casado.

Em janeiro de 2014, Silva e Dias assinaram uma procuração transferindo o controle da empresa para Henry Neto; Leandro Cury, que havia entrado no lugar de Thiago, assinou um documento nos mesmos moldes, em junho do mesmo ano.

Livro razão

A matéria de 2017 mostra um recibo assinado por Vera Lúcia Barbosa contra um pagamento de R$ 10.400, efetuado por Henry Maksoud Neto. Vera é filha da cozinheira Jaci, que trabalhou na casa de Henry Maksoud avô e foi reconhecida como herdeira dele. Neto estava comprando, por uma bagatela, a cota hereditária dela.

O cheque número 171.910 do Banco do Brasil foi emitido justamente pela empresa Portillo Empreendimentos e Participações Ltda.

No mesmo dia daquele mês de 2016, de acordo com o livro de razão da Portillo, Barbosa assinou outro recibo, no valor de R$ 20 mil, desta vez relativo a uma transferência efetuada por Henry Maksoud Neto.

O advogado de Barbosa, Ricardo Burgos Rocha, também assinou recibo referente ao pagamento por seu serviço, de R$ 5 mil, pela Portillo.

Só naquele mês, ainda de acordo com o livro, Neto recebeu R$ 81.157, 46 da empresa

Dívida de R$ 35 mil de gás

Comprovante de pagamento das custas judiciais feito pela Portillo  - Reprodução/UOL - Reprodução/UOL
Comprovante de pagamento das custas judiciais feito pela Portillo
Imagem: Reprodução/UOL

Segundo o balanço do grupo, Henry Neto recebe um o salário nominal de R$ 2 milhões anuais (R$ 1,2 milhão da HM Maksou Hoteis, e R$ 900 mil da Hidroservice Engenharia Ltda, controladora do hotel).

Através de sua assessoria, o empresário diz que "não há nada a comentar". "As informações constam das contabilidades que estão nos autos, que são públicos".

Enquanto isso, o hotel amarga uma triste realidade. Recentemente, por causa de um débito de R$ 35 mil reais na conta de gás, a administração precisou pedir na Justiça uma liminar para não ter o fornecimento cortado. O juiz a concedeu, sem ter aprovado o pedido de recuperação judicial.

O pedido de recuperação judicial aconteceu depois que a juíza Cristina Spadone, da 5ª Vara de Família e Sucessões, determinou um interventor para acompanhar e fiscalizar o trabalho de Henry Neto. Foi publicado no Diário Oficial em 25 de agosto.

"Confusão patrimonial" e intervenção

A juíza baseou a decisão, entre outras questões, na "existência de confusão patrimonial entre os bens do espólio e das sociedades, o que se revela potencialmente prejudicial aos interesses dos herdeiros e credores, vez que dificulta o controle judicial sobre as transações efetuadas em nome das empresas transações estas que, por sua vez, implicam consequências diretas em relação ao patrimônio partilhável".

(...) "reputo presentes os requisitos legais para conceder a tutela de urgência postulada pela inventariante dativa e nomear o Dr. Moacir de Mattos Taveira Filho (OAB/SP no 227.698) para acompanhar e fiscalizar a administração realizada por H.M.N., em relação às empresas mencionadas no item 8 de fl. 5190 [link para Portillo, Chilan, Titã, de mesma composicão societária], conforme requerido no item 13 de fl. 5195. Tal medida visa à preservação dos direitos dos herdeiros e dos credores, ficando vedada a realização de atos de disposição patrimonial, modificações de contratos sociais, distribuição de lucros e dividendos e aprovação de contas sem autorização judicial".

Procurada, a inventariante dativa, Fernanda Gallucci, disse que preferia não se manifestar, já que o processo corre em segredo de Justiça.

A quarentena do Maksoud Plaza

A dívida do grupo é atribuída à quarentena decorrente da pandemia de covid-19, que obrigou hotéis em todo mundo a interromperem suas atividades.

O Maksoud reabriu suas portas no dia 4 de setembro, depois de seis meses fora de funcionamento. Eles alegam que, durante esse período, suas despesas com folha de pagamento e manutenção permaneceram altas — em torno do R$ 1,5 milhão.

Não resta dúvida de que o setor hoteleiro foi um dos mais atingidos pela crise sanitária. Mas no caso do hotel, a derrocada já vem de mais tempo. Embora a direção da empresa informe que estava indo muito bem até o início da quarentena, em março, e que seu faturamento em 2019 foi R$ 72,5 milhões (o valor da receita operacional líquida é R$ 65,62 milhões), eles não citam o prejuízo, no mesmo ano, de aproximadamente R$ 40 milhões..

Em tempo

O juiz João de Oliveira Rodrigues Filho, da 1a. Vara de Falências e Recuperações Judiciais, deferiu na tarde de hoje (1º), o pedido de RJ do Grupo Maksoud de Hoteis. O juiz nomeou como administrador judicial o empresário Orestes Nestor de Souza Laspro, da Laspro Consultores Ltda.