Topo

Reinaldo Azevedo

Guerra dos combustíveis: Bolsonaro evidencia não ser interlocutor confiável

reprodução
Imagem: reprodução

Colunista do UOL

05/02/2020 16h27

Receba os novos posts desta coluna no seu e-mail

Email inválido

O ex-deputado Jair Bolsonaro era o que havia de mais antigo na política: um deputado do baixo clero voltado para demandas corporativas de um nicho do eleitorado. Reinventou-se, com a ajuda dos filhos — Carlos em particular — como o lacrador da Internet. Diz o que lhe dá na telha desde que consiga o aplauso de sua grei. Vale dizer: o político afinado com a modernidade técnica é, do ponto de vista político, ainda mais atrasado do que aquele outro porque menos responsável.

A confusão armada com os governadores é o fim da picada. A afirmação de que ele extingue os impostos federais sobre combustíveis se os governadores abrirem mão do ICMS é absolutamente estúpida.

Em primeiro lugar, Bolsonaro está blefando. Já que se trata de combustível, que fale com o seu Posto Ipiranga, Paulo Guedes. O governo arrecadou com tributos federais sobre combustíveis a bolada de R$ 27,4 bilhões no ano passado. Cabe a pergunta: Guedes topa aumentar nesse montante o déficit fiscal brasileiro? Se o governo federal resolver aumentar o rombo, qual será a reação dos tais "mercados", tão encantados com o bolsonarismo?

Logo, se os governadores fossem irresponsáveis o bastante para topar a brincadeira, Bolsonaro teria de recuar. Mas isso também não vai acontecer.

Mas nenhum gestor estadual toparia o desafio, por óbvio, porque o peso da arrecadação do ICMS sobre combustíveis na receita dos Estados é, obviamente, maior do que o dos impostos federais sobre o produto no caixa dos Estados. O ICMS é a principal fonte de arrecadação dos Estados, que arcam com educação, segurança pública, saúde, transporte em muitos casos...

Por que esse confronto com os governadores agora? Sim, Bolsonaro começou o embate, recorrendo ao Twitter para sugerir um mecanismo de cobrança do ICMS sobre combustíveis que diminuiria a arrecadação dos Estados. Ora, é claro que os consumidores aplaudem, não é? Até porque, do modo como foi dito, fica parecendo que governadores são seres cúpidos, que gostam de enfiar a mão no bolso da brasileirada.

Em resposta, os governadores sugeriram, então, que Bolsonaro, abrisse mão dos impostos federais. É claro que foi uma resposta provocativa do ponto de vista político. Mas só respondia a uma bobagem do chefe do Executivo federal. Ora, se o governo quer discutir uma proposta nessa área, que o faça.

REFORMA TRIBUTÁRIA
Notem: governo federal e Congresso colocaram a reforma tributária como uma das prioridades do país. Em algum momento, vai-se falar da tributação dos combustíveis. Lembro que Paulo Guedes prega por aí que é preciso haver "mais Brasil e menos Brasília" na arrecadação e distribuição dos tributos. É preciso que se pactuem as mudanças.

Pergunto: esse é o modo correto de conversar? Chutando canelas? Considere-se, ademais, que, até agora, o governo federal não tem uma proposta de reforma tributária. Quer largar a bucha, mais uma vez, no colo do Congresso. Os senadores, diga-se, negaram-se a integrar a Comissão Mista sobre o tema justamente porque o Planalto não quer se comprometer com nada.

Parece que Bolsonaro anseia ter em relação às reformas tributária e administrativa o mesmo comportamento alheio e irresponsável que teve com a reforma da Previdência. Bem, nesse caso, o Congresso comprou a causa, convencido de que ou se operavam as mudanças ou a vaca iria para o brejo. E iria mesmo.

Com essas outras reformas, a coisa é diferente. Terá de haver uma articulação do governo federal. Uma reforma, a administrativa, mexe com a vida do funcionalismo, categoria bastante organizada e com peso no Congresso. A mudança no sistema tributário impacta diretamente o caixa dos Estados — e deputados e senadores, é bom lembrar, representam, num caso, a população dessas unidades da Federação e, noutro, as próprias unidades federativas.

E, ora vejam, o presidente da República faz o quê? Sai chutando a canela dos Estados, apelando ao populismo rasgado, jogando parte da população contra os governadores. O governador de São Paulo, João Doria (PSDB), com pretensões ao Planalto, apontou esse viés populista. Num primeiro momento, parece cair numa armadilha do presidente porque, afinal, ficaria do lado oposto do que quer o povo: combustível mais barato. De fato, creio que escolhe o lado certo: o presidente deixa claro a 27 governadores que não é um interlocutor confiável.