Lula, as verdades do 1º de Maio, agências de risco e crocodilos do rio Mara
Lula lidera um ótimo governo. Na festa do 1º de Maio, fez um discurso em que só falou verdades. Faço uma correção: completou um ano e quatro meses no cargo, não um ano e cinco, como disse. O quinto mês do segundo ano começou ontem. Cumpriu rigorosamente apenas um terço do mandato. Ainda faltam os outros dois. Havia pouca gente no estacionamento do Itaquerão, e isso é um problema, mas não da natureza apontado pelos bolsonaristas e por alguns antilulistas profissionais. Pediu votos para Guilherme Boulos (PSOL) na disputa pela Prefeitura de São Paulo e feriu a Lei Eleitoral. Vai responder por isso. A oposição não tinha como contestar os feitos exibidos numa festa acanhada e aproveitou o episódio para botar a boca no trombone. No mesmo dia, a Moody's, agência de classificação de risco, pôs a nota do país em perspectiva positiva. A informação, importantíssima, quase sumiu do noticiário. Mais: viu-se algo inédito, que me lembre: "especialistas" brasileiros decidiram criticar a agência. Vamos ver.
DOS FEITOS VERDADEIROS
O presidente falou a verdade sobre o crescimento da economia, acima do esperado como se sabe, e do emprego: o primeiro trimestre do ano apresentou a mais baixa taxa de desemprego em 10 anos. A inflação está em queda, e os juros também. A renda do trabalho atingiu no ano passado um patamar inédito.
Há quem não se conforme com fato de que a elevação real do mínimo e o Bolsa Família tenham influência importante nesses indicadores. Fazer o quê? A política está aí para que outros se apresentem com prioridades distintas. Em 16 meses, o país aprovou o novo marco fiscal — é mentira que tenha sido desmoralizado — e a ossatura da reforma tributária. Sim, com o Congresso. Salvo engano, na democracia, os Três Poderes devem concorrer para a governança.
O governo lançou o maior Plano Safra da história — R$ 431,22 bilhões, com os R$ 77 bilhões voltados à agricultura familiar — e o NIB, Nova Indústria Brasil, com financiamento previsto de R$ 300 bilhões. O programa está bem-amarrado. Apoia a modernização, não o atraso. Só a indústria automobilística anunciou investimentos de R$ 129 bilhões até 2032.
Nesse tempo, também se corrigiram malandragens e espertezas da desigualdade brasileira, como a isenção de IR para offshores e fundos exclusivos, a sonegação das apostas esportivas, a patranha que havia sido montada no Carf e o uso de alíquotas diferenciadas de ICMS para sonegar impostos estaduais e municipais numa tacada só.
Bem, essas coisas aconteceram.
A julgar pela cobertura de economia de alguns veículos, por certo colunismo entre enfezado e interessado e por alguns editoriais furibundos, isso tudo não passa de fantasia. Afinal, vociferam, cadê "o corte de gastos"? Deixo claro: não sou contra. Mas é preciso dizer onde cortar e com que arquitetura política se faz. Vejam a dificuldade para pôr fim a algumas desonerações — que, não curiosamente, irritam menos essa gente do que o aumento real do mínimo...
AS AGÊNCIAS
Enquanto se anunciava sistematicamente o caos -- e se anuncia ainda --, a Fitch elevou, em julho do ano passado, a nota do Brasil de BB- para BB, com perspectiva estável. Em dezembro do ano passado, foi a fez da S&P Global, também de BB- para BB. Na Moody's, já estava em Ba2, mas agora com perspectiva positiva.
Quando se leem os relatórios, todas elas apontam, sim, a preocupação com a questão fiscal, mas relevam também a importância do crescimento — este mesmo que deriva de algumas medidas que os valentes daqui execram e tomam como exemplos do que não deve ser feito. Atentem para o crescimento do mercado imobiliário, com a retomada do Minha Casa Minha Vida — aquele programa para o qual Bolsonaro havia reservado miseráveis R$ 36 milhões em 2023. A barbaridade foi corrigida a tempo.
"Pare, Reinaldo, de usar a Fitch, a S&P Global e a Moody's como prova adicional de que se está no bom caminho..." É mesmo? Pesará sobre os ombros desses três entes menos responsabilidade do que sobre os dos furiosos nativos? Elas têm clientes do capitalismo global mundo afora; estes outros atendem a quem?
É preciso, sim, levar adiante o debate sobre o corte de gastos. Mas fico cá a me perguntar se as agências teriam elevado a nota (Fitch e S&P Global) e a perspectiva (Moody's) do país se o presidente tivesse ouvido seus críticos. Indagação retórica. Sei a resposta. Como o país teria embicado em vez de crescer, haveria até o risco de um rebaixamento da nota ou da perspectiva.
Sim, essas gigantes deixam claro que não avaliam apenas o curso desta gestão. Mas é certo que não teriam razão nenhuma para tomar a decisão que tomaram se estivessem certos aqueles que atacam o governo dia sim, dia também porque julgam ter a solução para todos os males do Brasil: cortar gastos.
E POR QUE O BAIXO PÚBLICO?
Lula tem feito as escolhas corretas na economia, respeitados os limites da realidade -- onde se encontra, por exemplo, o Congresso Nacional. Os números evidenciam que a vida das pessoas melhorou, embora a percepção da população não o expresse com a devida força, segundo institutos de pesquisa. É, sim, preciso aprender a lidar com a redes, que foram colonizadas pela extrema-direita. Trata-se de uma ilusão achar que, hoje em dia, a elevação ou conquista de um benefício em razão de uma política pública basta para mudar ou conquistar opiniões. Sabem aquele papo de "polarização"? Pois é... "Ué, Reinaldo, mas não é você a contestar a dita-cuja?" Ela existe. Mas se dá entre os que defendem a democracia (um polo) e modelos fascistoides.
Eu estou, nesse caso, com as agências de classificação de risco, não com os enfezadinhos, e acho que Lula lidera uma administração modernizante, mas o presidente cultiva certa nostalgia do tempo em que era possível reunir milhares de trabalhadores em praça pública ou para reivindicar ou para celebrar conquistas. Os sindicatos perderam poder e influência — não entrarei agora em minudências —, e parte considerável dos brasileiros se relaciona de outro modo com o mundo trabalho. Nem sempre para melhor, diga-se.
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Quero receberParece evidente que faltou organização e convocação adequadas para o ato, mas o fato é que, tudo indica, esse trem já passou. O presidente se referiu à regularização dos motoristas de aplicativo, que gerou um ruído danado. Erros de comunicação foram cometidos, e o que é uma garantia — e é — passou a ser visto como uma imposição.
Vejam as manifestações de 1º de Maio mundo afora. Nas democracias, reúnem pessoas que costumam estar furiosas com o governo. Lula queria trabalhadores celebrando medidas corretas e justas destes 16 meses. Não existe mais nem mobilização nem organização para isso.
BOULOS E A REAÇÃO DOS "PATRIOTAS"
É claro que o petista cometeu um erro ao se referir daquele modo à candidatura de Boulos. E isso se pode constatar de vários modos: o noticiário a respeito é negativo; falava ali a um público pequeno -- e se presume que boa parte já vai mesmo votar no candidato do PSOL; armou a retórica dos seus adversários e dos de Boulos; ofereceu um conforto àqueles que já pretendiam esconder o que disse de virtuoso. Será multado pela Justiça Eleitoral. Nota: as manifestações lideradas por Bolsonaro contra o Supremo também são atos de campanha antecipada PL. No Rio, Michelle referiu-se explicitamente à eleição.
Os dias andam tão confusos que o fato de se ter feito, depois, a coisa certa — tirar das redes oficiais o vídeo com o evento — foi lido como algo negativo. Ora, é o que a Justiça Eleitoral certamente mandaria fazer quando acionada. Trata-se, ademais, da admissão tácita de que se fez o errado
A propósito: o senador Ciro Nogueira, presidente do PP, teve a reação mais dura:
"O Diretório Nacional do @Progressistas11 vai entrar com representação contra o ABSURDO cometido hoje contra a democracia e o povo de São Paulo pelo presidente da República e o candidato Boulos. Fizeram um comício a favor de Boulos com patrocínio de uma estatal, a Petrobras!".
Valente Ciro Nogueira!
Foi chefe da Casa Civil de um presidente que pregava golpe todo dia e patrocinou duas PECs ilegais na boca da urna para tentar impedir a derrota de Bolsonaro, que anunciava certa. E, como se sabe, não viu atentado nenhuma à democracia.
A Moody's desapareceu do noticiário. E quase nada se disse sobre o conteúdo do discurso de Lula. Certos erros não podem ser cometidos. Nestes tempos, há mais crocodilos à espreita do que no rio Mara, no Quênia. Não é permitido vacilar.
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