Reinaldo Azevedo

Reinaldo Azevedo

Siga nas redes
Só para assinantesAssine UOL
Opinião

Táticas anti-Lula: polarização, Tarcísio de centro e bolsonarismo moderado

Rejeito, como sabem, a tese da "polarização", de que se fala em todo canto. Até gente que se situa — ou é situada, a despeito de seus méritos — no campo progressista incorre às vezes nessa conversa, que interessa a extremistas de direita, mas não àqueles que os combatem. Havia um mistério na raiz dessa formulação, que se desfez com a "Operação Tarcísio de Centro", que tomou conta do noticiário nos últimos dias. Agora entendi: a tal tese, do modo como vinha embalada, era (e é), em verdade, uma tentativa de tirar Lula da disputa em 2026. Afinal, desta feita, não se pode contar com Sergio Moro para tanto. "Como assim?" Explico.

O Houaiss explica o substantivo: "ação ou efeito de polarizar(-se); contraposição, oposição antinômica ou antitética; "concentração em extremos opostos (de grupos, interesses, atenções, atividades, influências etc."

Definida a coisa, é forçoso contatar que a extrema-direita, encabeçada por Jair Bolsonaro, é um dos polos. Segundo Tarcísio, o homem é hoje "mais do que a maior liderança brasileira; é um movimento cada dia mais forte..."

Dispenso-me de lembrar aqui os sucessos de personagem tão notável nos quatro anos em que passou a pregar golpe de Estado, atentando, na reta final, contra o próprio pleito e depois contra a posse do eleito. Ademais, representa um conjunto de valores.

Ainda que o ex-presidente não goste que se fale de um nome alternativo ao seu como candidato de sua turma em 2026, é evidente que Tarcísio é o ungido. Bolsonaro é ignorante, irascível, temperamental, rancoroso e grosseiro, mas não é burro. Não vai recuperar a elegibilidade e precisa contar com uma alternativa viável.

O chefe do Executivo de São Paulo comanda o Estado que abriga o maior eleitorado do país e só é infiel ao mestre ou na imaginação de psicopatas da reação — para os quais até o governador é meio "comunista"... — ou na de certo colunismo gagá ou de encomenda, que busca caracterizar o inquilino do Palácio do Bandeirantes quase como uma alma social-democrata torturada por um figurino de extrema-direita, como se as coisas que ele diz e faz fossem um preço que paga a contragosto.

Tarcísio, com efeito, deve o posto que ocupa àquele que considera seu padrinho, e isso não causa nem surpresa nem estranheza. Ridícula, aí sim, é a ilação dos feiticeiros do centrismo, segundo a qual se está diante de uma subserviência meramente instrumental. Se e quando chegasse à Presidência, então poderia fazer a suas próprias escolhas. Ocorre que ele já as faz como governador. Lembro três casos a título de ilustração porque exemplos existem às pencas. Qual é o "de centro"? O da Operação Escudo? O que rejeita verbas federais para os CEUs da Cultura? O que não adere aos livros didáticos do MEC?

A REVELAÇÃO
Vamos à explicitação do jogo. A operação que consiste em transformar o governador de São Paulo numa "alternativa de centro" pretende retirá-lo do campo da extrema-direita, liderado por Bolsonaro, como se estes pudessem ser secundarizados no jogo político. Parece piada, eu sei, mas é assim. E então tenho de trazer de volta ao texto a palavra "polarização" e desenvolver a constatação do primeiro parágrafo: "o objetivo é alijar Lula da disputa em 2026". Como? Explico.

Convenham: havendo uma extrema-direita, o polo oposto só pode ser a extrema-esquerda, certo? Mas onde ela está? Vejam a disputa pela Prefeitura de São Paulo. Há quatro pré-candidatos que pertencem a partidos como assento na Esplanada nos Ministérios, com pastas sob o comando de PP, Republicanos, MDB, PSD, União Brasil... Uma ironia: existem até petistas e psolitas no governo — que é, entendo, de centro-direita, como apontou José Dirceu, corrigindo-se depois e dizendo ser de "centro-esquerda". Nesse contexto, tanto faz.

Continua após a publicidade

Então fica demonstrado que o governo não é o polo oposto da extrema-direita bolsonarista — ou seria um ajuntamento de extremistas de esquerda. Já escrevi neste espaço: o "outro" do bolsonarismo é a democracia..

"Ah, Reinaldo, é que você nunca entendeu a tese da polarização. Ela não se dá entre extrema-direita e extrema-esquerda, mas entre Bolsonaro e Lula"...

Que é isso, gente? Eu entendi, sim. Entendi tudo desde o começo. Ao se colocar numa das pontas um reacionário que sabota a democracia e o Estado de direito — e, como consequência, está inelegível — e, na outra, um democrata inequívoco, o que se quer é igualar os "dois polos". Mas, para tanto, então Lula também não deveria concorrer em 2026. E pronto! Decretar-se-ia o fim da polarização, como se o inimigo dos fascistoides fosse apenas o petista. Não! Seus opostos não contingentes são o próprio regime democrático e as instituições.

Se Lula for um polo, dados o amplo arco de alianças com o qual governa e os valores que orientam as suas escolhas, então que se diga: a democracia, nessa perspectiva, virou um dos "extremos". Por esse caminho, o "polo" oposto será necessariamente um serviçal do neofascismo. "Então não é possível haver oposição ao petista, democrática e de direita?" ao petista, Reinaldo?" É claro que sim. Desde que não se vincule ao bolsonarismo.

Não se pode servir à democracia e aos fascistoides ao mesmo tempo. "Mas e o bolsonarismo moderado, Reinaldo?" Qual moderação? A de Eduardo Bolsonaro, que se encontrou na Alemanha com Beatrix von Storch, neta de ministro de Hitler e líder de um partido extremista, que está sob investigação em razão de vínculos com o neonazismo?"

"Ah, Reinaldo, claro que não! Eduardo não é bom exemplo de bolsonarismo moderado..." Entendi. E o pai dele? É?

Continua após a publicidade

Ou vão inventar um "Tarcísio de centro" e um "bolsonarismo sem Bolsonaros"?

Essas coisas entram na categoria daquelas que nem erradas conseguem ser. Essa gente toda é livre para odiar Lula e o PT. Mas não custa quase nada um tantinho de pudor.

Opinião

Texto em que o autor apresenta e defende suas ideias e opiniões, a partir da interpretação de fatos e dados.

** Este texto não reflete, necessariamente, a opinião do UOL.

Deixe seu comentário

Só para assinantes