Dólar na lua é, sim, problema, mas demofobia poupa Guedes de se explicar
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Se a realidade fosse tão rósea — sem empregadas domésticas viajando para a Disney, por suposto —, o Banco Central teria seguido o raciocínio abusado de Paulo Guedes e deixado o dólar avançar sem freios. Mas o BC interveio nesta quinta, vendendo a moeda americana, para conter a disparada.
A fala do ministro sobre empregadas fazendo fila na Disney é só um traço de cafajestagem ideológica, o que não é estranho a essa turma, para esconder o fato de que a moeda americana escala o gráfico sem que o governo saiba direito o que fazer porque também surpreendido — tendo como parâmetro o paraíso anunciado no fim de 2018 — por um cenário externo que não estava na prancheta.
O Brasil não consegue mudar a realidade mundial. Mas Guedes sabe — e sabe que outros sabem — que há os fatores internos. É no casamento das duas frentes que está o problema, o que leva alguns analistas a trabalhar com um dólar perto de R$ 5. Já chego lá. Antes, uma consideração.
O que é bom para o Brasil? Uma moeda forte ou uma moeda desvalorizada? Ainda que pareça ironia, a resposta é esta: precisamos do valor necessário. Qual é o ponto de equilíbrio? Para Guedes, é fazer turismo em Cachoeiro de Itapemirim para visitar a casa de Roberto Carlos. Com a devida vênia, a fala me parece típica de quem não tem o que dizer. Então escolhe a saída retórica "pour épater les bourgeois". E assim nada mais precisa ser dito.
Há menos dólares circulando no mercado porque, entre outros fatores, US$ 44,8 bilhões se mandaram do país no ano passado. A balança comercial em janeiro teve um déficit de US$ 1,745 bilhão, pior resultado para o mês em cinco anos. E olhem que importar não anda fácil, com a moeda americana nos cornos da lua. É que exportar também não porque há uma retração do crescimento da economia mundial, o que diminui a demanda por commodities brasileiras, além de derrubar o seu preço.
Observem, assim, que mesmo as virtudes teóricas de um real depreciado exaltadas pelo ministro — benefício para as exportações, diminuição das importações e fortalecimento da indústria nacional, que continua no miserê — não estão se verificando na prática porque outros fatores pesam no (des)equilíbrio. Mais: a avalanche de investimentos externos que era esperada como desdobramento da reforma da Previdência não se anuncia no horizonte.
Assim, o que resta, então, de virtuoso no mundo de Guedes está mesmo no fato de as domésticas não viajarem para a Disney. Mas elas já não viajavam antes. E a fala é só mera diatribe demofóbica de quem não tem paciência para debater porque está lidando com dados que não estavam na sua conta.
Guedes exaltou ainda o fato de que a alta do dólar não está refletida nos preços — a inflação continua baixa. O economista e ex-ministro Mário Henrique Simonsen é autor de uma frase famosa: "Inflação aleija; câmbio mata". Vale dizer: a inflação causa perturbações que vão se revelando ao longo do tempo, condenando o país ao atraso, mas uma crise cambial pode conduzir o país ao colapso.
O Brasil tem reservas internacionais que permitem ao país acompanhar sem desespero a disparada do dólar. E tem queimado uma parte para segurar a valorização. Se, no entanto, o ministro considera que um dólar que está olhando lá nos R$ 5 é parte do jogo, então a R$ 5 chegará. E depois?
A valorização da moeda americana ainda não passou para os preços, e Guedes sabe disso, porque a demanda está baixa. O país cresce menos do que o esperado. Não é por virtude que é assim, mas por vício. Ainda que a inflação fique abaixo do centro da meta — sem calamidade, portanto —, é preciso lembrar que 40% dos componentes da indústria automobilística, por exemplo, vêm da importação. No caso da indústria farmacêutica, esse índice chega a 90%. Não tarda, e teremos a "inflação do pão francês", por causa do trigo — aquele comido pelas domésticas sem Disney. Menos consumo, crescimento deprimido.
Sem contar, não é Guedes, a tentação de Bolsonaro de retirar impostos dos combustíveis, que logo vão requerer um reajuste de preço para se alinhar com a disparada do dólar. "Ah, mas juros baixos são bons para todo mundo". Em princípio, sim. Mas isso retira ainda mais dólares do Brasil, o que alimenta o círculo.
A fala infeliz, grosseira e preconceituosa sobre as empregadas livrou o ministro de ter de dar explicações.