Reinaldo Azevedo

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Opinião

Gleisi assume a coordenação política. E as besteiras que afrontam a lógica

coisas que têm lá a sua graça involuntária... Há "analistas" por aí incapazes de apontar um acerto que seja de Lula. Não enxergam virtudes nem no crescimento da economia, que seria fruto da equivocada escolha do presidente pela "gastança", o que é absoluta e escandalosamente indemonstrável. Reconhecer uma só virtude que fosse no governo corresponderia à renúncia ao posto de "vanguarda" da resistência. Mas "resistência" exatamente a quê? Se o analista está impedido de distinguir o que presta do que não presta, já não se está mais no terreno da análise, mas da militância político-ideológica travestida de objetividade. Tomem-se como exemplo os quilômetros de textos que se produziram não "sobre", mas "contra" a indicação da deputada Gleisi Hoffmann (PR), que presidia o PT até a semana passada, para a Secretaria das Relações Institucionais, substituindo Alexandre Padilha, que migrou para a Saúde. Voltarei ao ponto específico daqui a pouco, depois de algumas outras considerações.

Lula venceu cinco das nove eleições diretas pós-redemocratização, duas delas por intermédio de Dilma Rousseff: 2002, 2006, 2010, 2014 e 2022. O PT disputou o segundo turno em dois desses pleitos — 1989 e 2018 — e ficou em segundo lugar nas duas jornadas em que o adversário, FHC, sagrou-se vitorioso no primeiro turno: 1994 e 1998. Essa academia de sábios que tratam o líder petista com tanto desdém deveria, quando menos, ter um tantinho mais de modéstia. Revirem os arquivos: a morte política de Lula e do PT foi tonitruada na segunda vitória de FHC, em 1998, e, muito depois, em 2005, à esteira do chamado "escândalo do mensalão". O terceiro réquiem se deu com a prisão, em 2018. Objetará alguém com aquela sabedoria que era graciosa no Conselheiro Acácio: "Mas as circunstâncias eram outras..." Bem, dizer o quê, sem querer incorrer no "obvialismo" do Conselheiro? As circunstâncias de cada ocorrência sempre são específicas, particulares e irrepetíveis.

ANTEVISÕES E RADICALIZAÇÃO
Não me incomoda, por óbvio, que tantos antevejam os desastres decorrentes das escolhas de Lula, até porque, sabe-se lá, podem estar certos. De resto, o vivente nada perde antevendo o caos -- desde que não se apostem recursos próprios ou de terceiros. Se erra, ninguém se lembra de seus apocalipses baratos. Se acerta, sempre poderá bater no peito: "Eu bem que avisei". Ademais, convenham: o catastrofismo e o pessimismo sempre gozaram de uma certa aura de superioridade moral. Em contraste, o otimismo e, mais do que este, o triunfalismo se confundem com bobices ou "lobbies" de interesseiros. E, às vezes, são mesmo.

O que me incomoda, aí sim, é a certeza com que muitos se entregam a digressões sobre o que seria o mais adequado para o governo e para o próprio Lula. Estão tão convictos de suas certezas e distinguem com tal precisão aquelas que seriam as melhores escolhas que a gente se pergunta: "Meu Deus! Como é que o presidente não enxerga o óbvio se até aqueles que o detestam podem fazê-lo?" E haverá, claro!, quem não atente para a ironia... Comecemos a voltar à indicação de Gleisi, que toma posse nesta segunda.

Eu mesmo observei em "O É da Coisa", na BandNews FM e no BandNews TV, que indicaria, se no lugar de Lula, Silvio Costa Filho, do Republicanos, para as Relações Institucionais. Do modo como vejo o quadro político, penso que o presidente deve tomar decisões para reforçar a "frente" que está no governo — ou quase isso em tempos de emendas impositivas —, e o atual ministro de Portos e Aeroportos têm trânsito fácil tanto no centrão como entre os progressistas. A eventual indicação de Gleisi provocaria, como provocou, a crítica fácil sobre a suposta "guinada do governo à esquerda", coisa que entendo falsa como nota de R$ 3. Consta que Costa Filho chegou a ser sondado para o cargo, mas ele e o presidente teriam chegado à conclusão de que, à diferença do meu achismo, não seria a melhor saída. Isso vai aqui na forma de hipótese porque nem o presidente nem o ministro me disseram que as coisas se deram desse modo. Fala-se muita coisa em Brasília e sobre Brasília o tempo todo. Parte da produção criativa está na imprensa, por certo.

Continuemos a pensar: se a plêiade de doutores que escrevem sobre política avalia — e não sem razão se esta tivesse sido a escolha de Lula — que a radicalização à esquerda seria contraproducente para o governo, não seria ao menos prudente indagar, antes que se asseverasse que assim procedeu, por que ele o faria? Por quê?

O Lula que venceu cinco das nove diretas, cujo partido disputou duas vezes o segundo turno e chegou em segundo outras duas, está a precisar dos, sei lá como chamar, conselhos e do tirocínio de quem é incapaz de fazer ao menos uma sustentação lógica?

QUAL A HIPÓTESE?
"Ah, sendo, então, assim, nunca se poderá fazer uma crítica já que ninguém tem a experiência de Lula na política". Que besteira! É claro que há erros, decisões que não rendem os frutos esperados, incompreensões da realidade, leituras impróprias sobre demandas que estão na sociedade. Essa é a constante dos governos mundo afora. Os bons analistas do ramo são capazes de apontar até alguns acertos... O meu ponto é outro: se o presidente fez a suposta opção pela radicalização à esquerda, é forçoso que se tenha uma hipótese plausível sobre as suas pretensões, que não seja só essa bobagem de um governante encurralado, encastelado, que não enxerga um palmo adiante do nariz, enquanto o país arderia, convulso, em razão das irresoluções do líder ou de suas escolhas insanas.

Ocorre que inexistem tanto esse país como esse príncipe convertido em plebeu do próprio governo. Essa é uma fantasia derivada da obsessão de alguns setores, especialmente aqueles que identifico como "extremistas de centro", de superar a dita "polarização". Essa palavra virou uma gaveta em que se juntam clichês e badulaques da desinformação política mais grosseira, quando não da má consciência mesmo. Como Jair Bolsonaro não vai disputar a eleição de 2026 — e, pois, o homem que representa um dos "polos" estará fora do jogo —, força-se a mão para que também seja expulso do campo aquele que simbolizaria o seu oposto. O fato é que o inelegível e denunciado é, sim, a encarnação da extrema direita, mas Lula não é um extremista de esquerda. A tese, nesse caso, da exclusão dos "opostos" implica que se igualem um democrata e um fascistoide. É um raciocínio indecente, que rebaixa a democracia e flerta com os vários tons de fascismo.

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DE VOLTA A GLEISI
Voltemos a Gleisi. Ela presidiu o PT e, nessa condição, teve de traduzir a média do pensamento do partido, de que discordei inúmeras vezes. A legenda reconheceu, por exemplo, a "vitória" de Nicolás Maduro, o que penso ser uma aberração. Deixei isso claro na entrevista que a agora ministra concedeu ao podcast "Reconversa". Mais de uma vez, o partido se voltou contra escolhas do Ministério da Fazenda. Tratava-se, por óbvio, de críticas não a Fernando Haddad, mas ao próprio Lula, já que ministros traduzem a vontade do chefe. Não tinha sido eleita por seus pares para expressar o ponto de vistas do governo, mas de uma das forças que compõem a base de apoio.

Continuará a ser a chefe do PT no ministério que cuida da articulação política? Procedam a uma pesquisa sobre a sua atuação à frente da Casa Civil do primeiro governo Dilma. Não foram poucos os embates que teve, vejam vocês!, com setores de esquerda. Mais de uma vez, foi acusada de concessões excessivas aos conservadores. Acho que se faz uma grande confusão entre a então ministra e a senadora que, posteriormente, lutou com muita dureza contra o impeachment e presidiu o PT no período da quase implosão.

Caminhando para o arremate, observo: há uma segunda linha de "apreciação crítica" à ida de Gleisi para a articulação política. Se a primeira vê uma "guinada à esquerda", esta outra nos diz que o governo passará, agora, a operar no "modo reeleição". E, às vezes, as duas leituras se conjugam numa mesma pena, o que é uma aberração. Afinal, se Lula faz a "besteira", como dizem, de "esquerdizar" o governo, tornando-o mais estreito, ele assim procederia visando à reeleição? Isso faz algum sentido?

"Você antevê que a ministra vai se dar bem?" À diferença dos que anunciam desastres, respondo: eu não sei. Na Casa Civil de Dilma, Gleisi manteve, sim, um diálogo fluido com a base conservadora, que era ainda mais ampla do que a do próprio Lula. A situação degringolou depois e nada teve a ver com a sua atuação.

Quanto às reações furiosas, observo: os que torcem para ver Lula pelas costas não têm, então, razão para reclamar se consideram a petista tão imprópria para o cargo. Ela estaria, assim, contribuindo para a realização de um desejo, não? Afinal, segundo o "pesquisismo" desvairado, basta a direita estalar o dedo — e até dar uma reboladinha, a depender do postulante —, e o poder lhe cairá no colo.

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** Este texto não reflete, necessariamente, a opinião do UOL.

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