As defesas são retaguarda do golpe, ou golpe é 'ultima ratio' das defesas?

Ler resumo da notícia
As respectivas teses dos principais denunciados pela Procuradoria Geral da República por tentativa de golpe de Estado e outros crimes a esse relacionados estão devidamente expostas pela imprensa, onde, convenham, têm recebido enorme destaque. Há até os que se converteram em verdadeiros setoristas do abençoado "direito de defesa", de que este escriba é entusiasta. É pena que não tenham feito o mesmo durante a Lava Jato! Alguns propagadores das negativas de Jair Bolsonaro, Braga Netto e golpistas menos cotados atuaram, então, como auxiliares da força-tarefa e ajudaram a pavimentar o caminho para o abismo. E, por óbvio, não estou associando a prática de "lawfare" daqueles dias com o devido processo legal de agora.
Convém lembrar que o Código Penal pune a tentativa de romper a ordem, não o rompimento propriamente, hipótese em que os golpistas estariam a nos encarcerar ou matar sem chance para o contraditório. Vemos os advogados dos denunciados a exercer livremente o seu ofício, numa prova de que seus respectivos clientes foram mesmo derrotados — ou não os teriam contratado —, mas preservaram o direito de se defender e, por isso, os contrataram.
Não há retórica que consiga driblar tal paradoxo, em que os doutores testam sem chance de êxito a força de sua argumentação. Alguns se encalacram num certo jacobinismo fora do lugar: exasperado, tonitruante, flamejante. O destemor diante do ridículo é sempre constrangedor. Forçam a mão nos adjetivos porque lhes faltam substantivos contra a carnadura concreta dos fatos. Eu até me compadeço deles, sem, no entanto, abraçá-los: não deve ser uma operação intelectual fácil, quando se é um democrata genuíno, apresentar petições em nome de pessoas que, uma vez derrotadas no seu intento, exercitam uma prerrogativa que negariam a seus adversários se vitoriosas fossem.
É matéria superada no STF, e isto precede essa denúncia, a razão por que o foro do inquérito do golpe — e de outros correlatos — é o Supremo. Da mesma sorte, não procede, segundo as regas do jogo, o questionamento sobre se o processo deve ser submetido à Primeira Turma ou ao pleno. Já se tentou o impedimento de Alexandre de Moraes, de Flávio Dino e de Cristiano Zanin, com alegações que não encontram abrigo na letra da lei. Há as artimanhas com alguma sofisticação — afinal, a defesa tem de fazer o seu trabalho —, e há as grosseiras, como as que listam Moraes e Dino entre as testemunhas... Adiciona-se a isso o esforço para anular a delação de Mauro Cid, sob a alegação de que ou teria havido coação, praticada justamente pelo ministro-relator, acusação que chega a ser bizarra, ou de que este teria se comportado como instrutor do processo ao advertir o tenente-coronel para o risco de perder benefícios do acordo de colaboração se não cumprisse o dever de dizer a verdade.
Duvido que os advogados — que podem fazer o seu trabalho porque a democracia venceu o golpe — acreditem que terão seus respectivos pleitos atendidos. "Então fazem o que fazem para quê?" Bem, quanto mais se recobre o processo com o glacê retórico de falsas ilegalidades e de inexistentes agressões ao devido processo legal, mais se mobilizam os espíritos para a guerra. Bolsonaro já marcou duas manifestações que, sob o manto do "Fora Lula 2026" — sem prejuízo de realmente querê-lo —, buscam, de fato, intimidar o Supremo. Isso não é novo. O então presidente da República comandou à distância o primeiro ato de rua contra o tribunal, no dia 26 de maio de 2019, antes que se concluísse o seu quinto mês de mandato. Como se nota, o ataque à Corte está na pré e na pós-história do golpe.
Sim, viva o direito de defesa em sua plenitude!, e ele está sendo exercitado. Mas é imperativo que se constate o enleio incômodo entre o ofício de alguns causídicos e o convite para que se "resolva" a coisa na marra, não na lei, que emana das redes e de alguns denunciados, especialmente de Bolsonaro.
Outra frente opera nos EUA por intermédio do deputado Eduardo Bolsonaro (PL-SP), que se dedica, com impressionante virulência, a difamar o sistema judicial brasileiro, o mesmo no qual os advogados, nesse e em outros casos, exercitam as suas habilidades. Na sua fúria, chegou a dizer que "Ainda Estou Aqui" é um filme sobre "uma ditadura inexistente". Para ele, o verdadeiro regime de força é este em que os defensores de seu pai e de outros denunciados atuam livremente. "Inexistente", para o valente, era a tirania em que vigia o AI-5 e que matou, entre outros, Rubens Paiva. Bolsonaro, diga-se, quando deputado, cuspiu no busto de Paiva no Congresso. Era o tempo em que estampava na porta do seu gabinete um pôster em que se lia: "Desaparecidos do Araguaia - Quem gosta de osso é cachorro". Alçado à Presidência pela democracia que sempre desprezou, tentou lhe dar um fim. E vai pagar por isso.
O direito de defesa é um dos pilares do regime que os golpistas tentaram destruir. Devemos protegê-lo não em benefício dos criminosos, mas do conjunto da sociedade. E tenho de dizer: ainda que os defensores acreditassem profundamente na sua tese, para que ela se distinguisse do trabalho de um taxidermista, que confere aparência de vida ao que está morto, falsificando essencialmente a verdade com a eloquência da plasticidade, seria preciso que tal tese não fosse aliada daqueles que vão para as ruas para intimidar o Supremo ou que, fora do Brasil, atacam as instituições democráticas.
Nesse caso, é preciso que se indague se a defesa virou retaguarda do golpismo renitente ou se o golpismo renitente é a "ultima ratio" da defesa.
E, como se sabe, todos têm o direito de se defender e ninguém tem o direito de tentar dar um golpe.
Deixe seu comentário
O autor da mensagem, e não o UOL, é o responsável pelo comentário. Leia as Regras de Uso do UOL.