"Mito" na CNN Brasil: populismo ralé, conspiracionismo e "outro jornalismo"
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O presidente Jair Bolsonaro concedeu uma, digamos, entrevista à CNN Brasil às portas do Palácio da Alvorada depois de ter passado o dia cometendo crimes de responsabilidade e crime comum. Deu-se, de fato, algo singular.
Ninguém esperava que o repórter ficasse batendo boca com o entrevistado, claro! Mas não houve nem a mais remota lembrança de que Bolsonaro estava em isolamento, anunciado pelo próprio Palácio, antes de cair nos braços da galera. Ou de que o estímulo e o apoio às manifestações contrariavam orientação do próprio Ministério da Saúde.
Se poderia não ser, vá lá, prudente ao rapaz indagar Bolsonaro a respeito, que os jornalistas em estúdio cumprissem, terei de me expressar assim, sua obrigação profissional. Convenham: o que se viu não foi exatamente novo ou alternativo...
Viu-se um presidente que não tem a mais remota noção nem mesmo da gravidade da crise sanitária. Sua fala é desconexa. Ao mesmo tempo em que afirma a necessidade de conter a expansão do vírus, é visível que ele se opõe às medidas que atuam nesse sentido. Para ele, há "histeria e neurose". Criticou, por exemplo, os jogos de futebol com os estádios fechados.
Bolsonaro é incapaz de entender que o ruim é inimigo do pior. Assim, se os metrôs, os ônibus e as barcas estão cheios, por que desestimular as outras aglomerações? É espantoso!
Repetiu a ladainha dos bolsões delinquentes que lhe dão suporte nas redes sociais, sugerindo a existência de uma conspiração que atenderia também a interesses econômicos, ecoando pensadores como... Edir Macedo, o dono da outra televisão que lhe dá apoio incondicional: a Record.
Assim, na cabeça desse gênio incomparável do pensamento, se não podemos, de fato, parar o Brasil de vez e manter cada brasileiro em sua casa, então por que fazer o que é possível fazer? Trata-se da mentalidade de um fatalista trágico -- desde que , claro, a tragédia se dê com os outros. Afirmou:
"Muitos pegarão isso independente dos cuidados que tomem. Isso vai acontecer mais cedo ou mais tarde. Devemos respeitar, tomar as medidas sanitárias cabíveis, mas não podemos entrar numa neurose, como se fosse o fim do mundo".
Entenderam? Já que alguns pegarão mais cedo ou mais tarde, então que se danem! E ainda criticou medidas adotadas por governadores porque, segundo sugere, prejudicam a economia. Deixado tudo como quer o valente, o Brasil vira uma Itália de dimensões continentais, sabe-se lá com que número de mortos.
Trata-se de uma soma impressionante de disparates e de delinquências intelectuais.
REAÇÃO A MAIA E A ALCOLUMBRE
Sabe-se lá por qual razão, o presidente viu milhões nas ruas onde havia apenas alguns gatos-pingados, com a histeria costumeira. Instado a comentar as críticas feitas por Rodrigo Maia e Davi Alcolumbre a seu comportamento, afirmou:
"Eu gostaria que eles saíssem às ruas como eu. A resposta é esta. Nós, políticos, temos responsabilidade e devemos ser quase que escravos da vontade popular. Saiam às ruas, esses dois parlamentares. Respeito os dois, não tenho nenhum problema com eles. Estão fazendo as suas críticas, estou tranquilo no tocante a isso. Espero que eles não queiram partir para algo belicoso depois destas minhas palavras aqui", afirmou Bolsonaro. "Agora, prezado Davi Alcolumbre, prezado Rodrigo Maia, querem sair às ruas? Saim às ruas e vejam como vocês são recebidos".
Aplauso de claque, agora, virou sinônimo de ter razão.
Sugeriu ainda que os dois gostam de acordos feitos às escondidas, por baixo dos panos:
"Os acordos não têm que ser entre nós, em gabinetes com ar refrigerado. Tem que ser entre nós e o povo. Eu quero a aproximação do Rodrigo Maia, quero a aproximação do Davi Alcolumbre. Respeito os dois parlamentares. O que está faltando para nós, como já disse em mais de uma oportunidade, se nós chegarmos a um bom entendimento e partirmos para uma pauta de interesse da população, todos nós seremos muito bem tratados, reconhecidos e até idolatrados nas ruas. É isso o que eu quero. Não quero eu aparecer, e eles não. Muito pelo contrário".
Não houve nada de sorrateiro no Orçamento Impositivo. Foi negociado às claras, com encaminhamento favorável dos líderes do governo e o "sim" de Eduardo Bolsonaro, por exemplo. Aliás, o Orçamento impositivo foi aprovado no governo Dilma. E o então deputado Jair Bolsonaro votou a favor.
Achando, por qualquer razão, que está por cima da carne seca, disse que pretende se encontrar com Maia e com Alcolumbre nesta segunda no Palácio ou no Congresso porque o Brasil está acima dos três.
Bolsonaro está convicto de que fez tudo certo nestas semanas, de que deu um nó no Congresso e de que o sistema político e o vírus se vergaram à sua esperteza. A entrevista concedida à CNN certamente o fez sentir-se ainda mais confortável.
DELINQUÊNCIA MÁXIMA
O estágio da delinquência política máxima da entrevista se deu quando afirmou:
"Em 2009, 2010, teve crise semelhante, mas, aqui no Brasil, era o PT que estava no poder e, nos Estados Unidos, eram os Democratas, e a reação não foi nem sequer perto do que está acontecendo no mundo todo".
É um lixo moral. Por que Bolsonaro não pergunta a Trump se este não está sendo paranoico e caindo no truque do comunismo internacional ao suspender voos da Europa para os EUA e dos EUA para o Brasil...
Que tipo de imbecil é capaz de acreditar que interesses políticos e econômicos estariam por trás da declaração de pandemia com o propósito de prejudicar os republicanos nos EUA e o bolsonarismo no Brasil?
Resposta: o tipo de imbecil que vai às ruas pregar o fechamento do Congresso e do Supremo.
Esqueçam! É irredimível!
Mas ele certamente gostou da entrevista.