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Reinaldo Azevedo

Campanha da Secom repete a de Milão, que vê tragédia e pedido de desculpa

Frame do vídeo "Milão não para", que evai entrar para a história do equívoco universal. Prefeito teve de pedir desculpas, mas sua situação é difícil - Reprodução
Frame do vídeo "Milão não para", que evai entrar para a história do equívoco universal. Prefeito teve de pedir desculpas, mas sua situação é difícil Imagem: Reprodução

Colunista do UOL

27/03/2020 17h39

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No dia 27 de fevereiro, há precisamente um mês, Giuseppe Sala, prefeito de Milão, teve uma ideia. Beppe Sala, como é conhecido, retuitou um vídeo que circulava nas redes sociais que anunciava: "Milão não para". Era uma campanha contra a defesa que uns poucos faziam em favor do absoluto isolamento social de toda a Itália para combater o vírus. Contavam-se, então, na região da Lombardia, onde fica Milão, 250 pessoas contaminadas e 17 mortos.

Beppe passou o vídeo triunfalista adiante, evidenciando a pujante economia da cidade. Era uma iniciativa de empresários da área de bares e restaurantes.

De cara, o vídeo começa com um trocadilho: "Milano/milioni". Milão, milhões. E depois se diz milhões de quê: "habitantes". A sequência de imagens, no entanto, sugere os milhões da pujança. Numa das cidades mais ricas da Itália, exaltavam-se o turismo, a majestosa catedral, a vida agitada de belos jovens, a alta gastronomia, a vida cultural, os negócios, a pujança imobiliária, o ritmo frenético da cidade, a indústria da moda, os parques. E tudo isso, com efeito, está presente na bela Milão.

Letras garrafais e ágeis estouram na tela: "Fazemos maravilhas todos os dias. Temos um ritmo impressionante todos os dias. Levamos para a casa importantes realizações todos os dias. Porque, todos os dias, não temos medo. Milão na para". Na sequência, numa rápida alternância de letras, podem-se ler, além de "Milão não para, as seguintes afirmações: "Roma não para, Turim não para, Bari não para, Parma não para, Bolonha não para, Genova não para, Florença não para, Codogno não para, Lodi não para, Palermo não para, Trieste não para, a Itália não para".

No dia 22, o prefeito pediu desculpas durante entrevista concedida ao programa "Che tempo fa", repetindo o feito depois nas redes sociais. Afirmou:
"No dia 27 de fevereiro, o vídeo #milanononsiferma estava circulando nas redes. Talvez eu tenha errado em repassá-lo. Mas, naquele momento, ninguém conhecia a agressividade do vírus. Eu admito as críticas, mas não tolero que alguém possa atuar com propósitos políticos"

Quando Beppe fez a admissão de culpa, os mortos na Lombardia eram 4.500. Nesta sexta, somam-se 5.402, com 37.298 doentes. Nas últimas 24 horas, a Covid-19 matou 541 pessoas na região, segunda pior estatística desde que a epidemia começou. Na véspera, 387.

O caso de Beppe é exemplo eloquente de um equívoco. Na sexta anterior à admissão do erro, ele havia se desentendido com Attilio Fontana, governador da Lombardia, e Giulio Gallera, conselheiro regional, que defendiam a suspensão do transporte público, o que acabou acontecendo. O prefeito dizia ser demagogia. Como os mortos foram se apinhando, mudou de ideia.

E olhem que o prefeito sabia, sim, da agressividade do vírus. Ele próprio havia determinado, no dia 23 de fevereiro, o fechamento das escolas e das universidades de Milão, apostando que a medida fosse suficiente. Dois dias depois, 25, houve a notícia do adiamento do Salão do Automóvel. Para o prefeito, era o suficiente. Em entrevista, afirmou: "Milão não pode parar. Precisamos trabalhar para que esse vírus não se espalhe, mas o vírus da desconfiança também não pode se espalhar".

Estava tão convicto que, no dia 27, quando passou adiante aquele vídeo, divulgou nas suas redes um encontro com o apresentador de TV Alessandro Cattelan, em que ambos bebiam cerveja. A foto vinha com a seguinte legenda: "Outro dia difícil de trabalho" e as hashtags #forzamilano e #finalmenteaperitivo.

Nesta sexta, a Itália, em total isolamento, registrou 919 novas mortes provocadas pela Covid-19, o maior número diário desde que a pandemia atingiu o país. São, agora, ao todo 9.134. Há, oficialmente, 80.589 infectados em território italiano. De acordo com Silvio Brusaferro, chefe do Instituto Superior de Saúde no país, o pico de infecções de coronavírus ainda não foi atingido.

A campanha lançada pelo Secom "O Brasil não pode parar" repete, até nos termos, o que se fez em Milão. A Itália está, um mês depois, em completo isolamento e vive seu maior desastre desde a Segunda Guerra. Vamos ver como as coisas se darão por aqui.