Que Mandetta resista à pressão e fique no cargo; Bolsonaro força sua saída
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Não é preciso ser muito bidu para intuir que Luiz Henrique Mandetta deve estar pelas tampas com Jair Bolsonaro. Nos últimos dias, o presidente tem se dedicado a criar fatos para ver se o ministro renuncia ao cargo. Demiti-lo agora, em meio à crise, seria temerário. Até porque, em sua cabeça tumultuada e infantil — de criança malcriada —, o presidente gostaria de ter as duas coisas: uma ação considerada correta de combate ao vírus, mas sem interdições, com a economia a pleno vapor. Se demite o ministro, não obterá o efeito desejado — porque isso não depende só do mercado interno — e pode mergulhar de cabeça no caos.
Quando nem a deputada Carla Zambelli (PSL-SP) se mostra disposta a defender as, digamos, ideias de Bolsonaro, isso dá a dimensão da solidão em que se encontra o presidente.
A cúpula do Congresso e a esmagadora maioria dos deputados e senadores aprova o trabalho do ministro. O mesmo vale para os ministros oriundos da caserna e para as Forças Armadas. Paulo Guedes e Sergio Moro, duas das âncoras do que resta de credibilidade ao governo, também defendem a permanência de Mandetta. Assim é com a totalidade dos governadores.
Bolsonaro se incomoda com a desenvoltura do ministro nas entrevistas coletivas — tanto é assim que tentou lhe tirar o protagonismo — e com a firme defesa que ele faz da quarentena, afinado com a Organização Mundial da Saúde e com a totalidade do mundo científico. "Não seria quase totalidade, Reinaldo?" Os que exibem suas credenciais de "médicos" para se opor à quarentena já demonstraram: 1) nada entender de epidemiologia; 2) ignorar os estudos produzidos mundo afora sobre o coronavírus.
Há mais: os alertas públicos que Mandetta tem feito sobre o desastre que o coronavírus provoca no sistema de saúde têm sido dramaticamente confirmados pelos fatos mundo afora. Se, no pobre Equador, corpos são largados nas ruas, não é muito diferente, por exemplo, na rica Espanha — ainda que com mais organização, em cenário distinto, mas não menos tétrico.
Bolsonaro não consegue encontrar parceiros nem dentro do governo para a sua pregação. Por isso tenta, pateticamente, recorrer às ruas. O que pode existir de cálculo em sua ação acena para o despropósito. Ainda que não existisse quarentena nenhuma, a economia estaria em maus lençóis. Com ela, de fato, tanto pior.
Qual é o seu jogo mesquinho? Certamente já foi informado que, mesmo com as medidas restritivas em curso, haverá muitas mortes, e o sistema de Saúde tende ao colapso. E isso se dará num país brutalmente empobrecido. O que pretende, então, o líder das trevas? Culpar os governadores pelo desemprego e pela recessão, acusando-os, adicionalmente, de não terem conseguido evitar as mortes. Trata-se de uma escolha sórdida porque, nessa equação, pouco importam o bem-estar da população e o número de vítimas fatais. Ocupa-se exclusivamente de sua sobrevivência política.
Só que está errando estupidamente na dose. Fazendo o que faz, é pouco provável que sobreviva politicamente à pandemia. Afinal, aos cadáveres que se acumulam e ao medo que toma conta da sociedade, ele resolver somar uma crise política com sua assombrosa irresponsabilidade.
Convidado a comentar a declaração do presidente, Mandetta foi igualmente duro:
"Não comento o que o presidente da República fala. Ele tem mandato popular, e quem tem mandato popular fala, e quem não tem, como eu, trabalha".
É, sim, uma resposta de quem já está no limite. Obviamente, pode-se ter um mandato popular e trabalhar ao mesmo tempo. O ministro conta hoje com o apoio da esmagadora maioria do Congresso — homens e mulheres com mandato.
O que está dizendo, por óbvio, é que decidiu fazer escolhas técnicas, deixando o populismo e a demagogia para quem deles pode se ocupar. Mandetta já havia deixado claro a Bolsonaro que não iria se demitir. Se o presidente quiser, que o demita. Tomara que não aconteça.
Logo mais, está prevista a participação do ministro na coletiva diária que trata do combate ao coronavírus. Dado o conjunto da obra, resta torcer para que não decida cair fora. Não há hipótese de o Brasil ficar mais seguro caso Bolsonaro venha a substituí-lo por alguém afinado com as suas convicções sobre epidemiologia e a crença na resistência de brasileiros quando nadam no esgoto.