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Reinaldo Azevedo

Os senadores de oposição morreram? Sua voz é um "bolsonarista" de esquerda?

Randolfe Rodrigues, líder da Minoria no Senado: oposição na Casa tem sido sufocada por um grupo com uma agenda reacionária. Ocorre que Randolfe pertence à turminha. E o importante fica para as calendas... - Foto: Lula Marques/Ag. PT
Randolfe Rodrigues, líder da Minoria no Senado: oposição na Casa tem sido sufocada por um grupo com uma agenda reacionária. Ocorre que Randolfe pertence à turminha. E o importante fica para as calendas... Imagem: Foto: Lula Marques/Ag. PT

Colunista do UOL

13/04/2020 08h27

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Até onde Jair Bolsonaro pode ir na degradação das instituições e no seu esforço que parece ser deliberado para criar um clima de desordem e anomia social que justificasse um autogolpe? Resposta: até onde os outros dois Poderes permitirem. Por sua conta, ele segue em frente.

Exagero? Não. Explico. Digamos que a esmagadora maioria dos brasileiros decida seguir a determinação do presidente, que, inclusive, não vê problema nenhum em contar mentiras deslavadas, a exemplo do que fez na live com evangélicos. O que vai acontecer? A Covid-19 não levaria apenas o sistema de saúde ao colapso. A consequência certa e óbvia seria o caos social, inclusive na segurança pública, certo? Aí, então, seria a hora de chamar os garantidores da ordem, não é mesmo? Nota: o presidente disse aos evangélicos que a contaminação está em declínio: é mentira.

Sim, é verdade: exceção feita às operações de Garantia da Lei e da Ordem, todos os outros graus de intervenção que tenham de contar com o concurso das Forças Armadas requerem a concordância do Congresso. Mas sabem como é... Sempre apareceria alguém para dizer: "A situação saiu do controle".

Vale dizer: se Bolsonaro quer ou não ou autogolpe, pouco importa. Age como se quisesse. E isso, sim, importa. Ou alguém imagina um cenário de paz com a contaminação e as mortes fugindo de qualquer controle dos órgãos públicos, que seria a consequência óbvia se seu comportamento caso imitado pelo conjunto dos brasileiros?

O STF
Como demonstro em posts abaixo, a primeira barreira de contenção do comportamento destrambelhado do presidente é o procurador-geral da República. Já está claro que ele não vai se mexer. Duas liminares concedidas pelo Supremo em respectivas Arguições de Descumprimento de Preceito Fundamental -- uma de Roberto Barroso e outra de Alexandre de Moraes -- deixaram claro que o presidente não tem a opção de ignorar o que dispõe a ciência a respeito do combate ao coronavírus e que constitui, inclusive, diretriz do próprio Ministério da Saúde.

Ou pode Bolsonaro fazer de conta que os Artigos 5º, 196 e 197 da Constituição inexistem? Atuar contra o isolamento social, neste momento, observou Barroso na liminar que proibiu a veiculação da peça publicitária "O Brasil não pode parar", não é uma opção, mas uma agressão a um bem protegido pela Carta. Ao presidente, escreveu Moraes na liminar que proíbe o chefe do Executivo de impedir unilateralmente restrições adotadas por governadores e prefeitos, não se podem impor esta ou aquela escolhas, mas se pode, sim, impedi-lo de tomar decisões que contrariem a Carta, seja desrespeitando o pacto federativo, seja ignorando os artigos constitucionais que garantem o direito à Saúde.

É certo que questões assim deveriam estar sendo debatidas também no âmbito do Ministério da Justiça, mas Sergio Moro desapareceu. Na crise, prefere se comportar como mau carcereiro, alheio ao que se passa dentro das celas. O grande jurista virou prosélito do encarceramento.

SE O PROCURADOR NÃO AGE...
Quando acionado, o STF fez o que estava a seu alcance. O ministro Marco Aurélio enviou para a PGR uma notícia-crime contra o presidente Jair Bolsonaro justamente por agressão ao Artigo 287 do Código Penal, que pune quem atua para espalhar doença contagiosa. Em resposta, a Procuradoria disse não ver crime nenhum. Entende que o presidente tem direito à "liberdade de expressão". As liminares de Barroso e Moraes servem de contraponto adequado a essa aberração.

Aras também poderia denunciar, como lembro em outro post, Bolsonaro ao STF ou pedir à PF abertura de inquérito. Podem esquecer. Então fazer o quê?

Bem, o Senado tem a competência para processar o próprio procurador-geral com base na Lei 1.079. Parlamentar ou um qualquer do povo podem apresentar a denúncia. Sim, o primeiro juízo de admissibilidade é de Davi Alcolumbre, presidente da Casa. Creio que ele mandaria arquivar, certo? Ocorre que o ponto não é esse. O que interessa é outra coisa: CADÊ A MASSA CRÍTICA NO SENADO NO COMBATE À OMISSÃO DA PROCURADORIA?

Resposta: inexiste! E não é de hoje.

O Senado, exceção feita a Alcolumbre, note-se, é o ente mais omisso na resposta à crise depois da PGR. A única voz estridente e confusa — quando não está absurdamente errada — que sai de lá é do tal grupo "Muda Senado", que já abraçou pautas que levariam a República à lona.

BOLSONARISMO DE ESQUERDA
Há tal exotismo no Senado que noto até um tal "bolsonarismo de esquerda" na voz de Randolfe Rodrigues (Rede-AP), líder da minoria na Casa e, curiosamente, membro do tal "Muda Senado", que reúne o que há de mais reacionário e atrasado na política brasileira. Os senadores de oposição, com a devida vênia, são de um silêncio ensurdecedor. E não apenas quando o que está em pauta é a desídia do procurador-geral.

Neste fim de semana, vi Randolfe se comportando como uma espécie de porta-voz de Paulo Guedes, que conclamou o Senado a resistir à Câmara. O objetivo, no caso, é tentar barrar a proposta de Rodrigo Maia, que está correta, de a União compensar a perda de arrecadação de ICMS dos Estados. "Ah, vai ser uma farra... Existe o Plano Mansueto". Sim, é um bom plano de junho do ano passado. Era outro século político. Era outro mundo.

Tudo o mais constante e sem o socorro aos Estados, logo haverá governador sem conseguir pagar o salário das Polícias Militares ou dos médicos, por exemplo, num ambiente como o que vivemos.

E qual é a voz que se sobressai na convocação, em dias como o que vivemos, de uma guerra do Senado contra a Câmara? Ora se não é justamente a do líder da minoria, que fala em nome da oposição? Não estou surpreso. Randolfe é parceiro dos bolsonaristas do Podemos na defesa da CPI da Lava-Toga, certo?

HONRA FERIDA
E aí vem a conversa mole de um grupo de senadores que diz não aceitar que a Casa seja caudatária do que decide a Câmara... Ora, poupem o país desse vexame à beira do abismo. Que os senadores exerçam a sua competência específica -- e cobrar, por exemplo, que o procurador-geral cumpra as suas funções constitucionais é uma delas -- e que se deem conta das urgências em curso.

Quanto ao mais, dizer o quê? Os petistas do Senado, por exemplo, estão satisfeitos com um líder de minoria que vira porta-voz de uma convocação de resistência da Casa à Câmara? É isso mesmo? Os respectivos Estados que eles representam estão tranquilos com a queda estúpida que haverá de ICMS e estão com o caixa com dinheiro saindo pelo ladrão, daí que possam rejeitar a proposta que prevê a compensação pela perda de arrecadação?

"Ah, mas há os Estados não fizeram a lição de casa..." Que se cobre a lição de casa quando for possível. A propósito: sempre achei essa metáfora de supina imbecilidade.

O Senado, mais do que qualquer outro ente, deveria saber que, num cenário em que o Banco Mundial projeta recessão de 5%, tal compensação deveria ser, se querem saber, a fundo perdido mesmo. Ou, então, perguntem a quem interessa médicos sem salário e PMs sublevadas.

O Senado quer ser relevante? Que tal começar por... ser relevante?

Não é preciso um líder de minoria para fazer o que faz Randolfe. Já existe o do governo. E olhem que, às vezes, com menos entusiasmo, né? Afinal, era o senador da Rede que endossava (ou endossa ainda, sei lá...) a bolsonarista CPI da Lava Toga.

ENCERRO
Sei que é chato um conservador como eu fazer uma cobrança dessa a senadores de esquerda... É que um democrata conservador -- não um reacionário de direita ou de esquerda -- será sempre um conservador de instituições democráticas.

Se estas são ameaçadas por falta de recursos ou de vergonha na cara, cumpre a um democrata conservador chamar a turma na cincha. E eu chamo. Nada a perder a não ser a simpatia de quem não interessa.


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