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Reinaldo Azevedo

Valeixo fora; Moro fala às 11h. Se fica, é a desonra. Que vá. E vai tarde!

Bolsonaro faz seu gesto tradicional de arminha; o ângulo passa a impressão de que o alvo é Sergio Moro. Eram tempos ainda de amizade tensa. Entre os dois, está Paulo Guedes. Pode ser o próximo - Foto: Gabriela Biló/Estadão
Bolsonaro faz seu gesto tradicional de arminha; o ângulo passa a impressão de que o alvo é Sergio Moro. Eram tempos ainda de amizade tensa. Entre os dois, está Paulo Guedes. Pode ser o próximo Imagem: Foto: Gabriela Biló/Estadão

Colunista do UOL

24/04/2020 08h47

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Jair Bolsonaro exonerou Maurício Valeixo do comando da Polícia Federal e quer substituí-lo por um diretor-geral da sua confiança. Os militares tentam segurar Sergio Moro no Ministério da Justiça. A eventual condição para isso seria o ministro indicar o sucessor. O presidente acha que a escolha tem de ser sua, não do subordinado. Parece tarde para a Junta Militar que toca a administração contornar a crise. A quinta terminou com Moro ainda ministro, mas não sobreviverá a esta sexta mesmo que fique. Ele vai fazer um pronunciamento às 11h. Ou demissão ou desonra absoluta.

Moro continua o rei do marketing e da plantação. Ainda é o maior hortelão da República. Não me venham pedir, mesmo que silenciosamente, para cerrar fileiras com ele só porque do outro lado da corda está Jair Bolsonaro. Há disputas que não têm lado bom, e essa é uma delas.

O "morismo midiático" já conseguiu plantar a versão de que Bolsonaro queria se livrar de Valeixo porque a PF vai investigar os atos criminosos em favor do golpe, e isso poderia atingir muitos aliados seus, quem sabe ele próprio. Pedirei todas as vênias a essa versão porque, para que a considerasse, eu teria de partir do princípio de que a PF é porosa a pressões dessa natureza. Em sendo, então o é também em benefício de Sérgio Moro. Se assim é, pergunto: eu devo escolher uma PF que faça favores a Bolsonaro ou uma que faça favores a Moro?

Nunca foi tão fácil responder: nem uma nem outra! Não vejo um só motivo razoável para confiar mais em Moro do que em Bolsonaro. Ambos são pré-candidatos à Presidência em 2022 — um à reeleição, e outro a tomar o cargo de seu chefe. Só que há uma diferença aí: desde que foi chutado do Exército, Bolsonaro é político e, pois, faz política. Moro era juiz. Apresentou-se como o paladino da moralidade e acabou servindo, por interesse pessoal, a um projeto de poder.

Quem, na prática, instrumentalizou a PF e o MPF em favor da própria carreira política, vamos convir, foi Moro, não Bolsonaro. Notem que o doutor decide endurecer o jogo com o chefe só quando suas próprias pretensões estão em jogo. Preciso lembrar a coleção de declarações infelizes do presidente e algumas escolhas que fez contra a democracia e o Estado de direito sob o silêncio cúmplice do ministro?

Não me peçam para defender a permanência no cargo de um ministro da Justiça que se fez entusiasta de teses como excludente de ilicitude. Ou que defende, com veemência, que cláusula pétrea da Constituição seja mudada por projeto de lei. A aberração é tal que a proposta nem errada consegue ser. Ou que, quando juiz, atuou numa parceria ilegal com o órgão acusador. Ou que se opôs, de modo obscurantista, à lei que pune abuso de autoridade. Ou que fez como os três macaquinhos da omissão quando o presidente resolveu armar os brasileiros. Ou que ousou construir um verdadeiro aparelho paraestatal, de natureza obviamente política, juntando setores do Ministério Público, da Justiça e da própria PF.

O morismo também tem sido bem-sucedido em plantar a versão de que o ministro não vê com bons olhos a aproximação de Bolsonaro com figuras de partidos do Centrão, como Arthur Lira, investigado no petrolão, e Roberto Jefferson e Valdemar Cota Neto, estrelas do mensalão. Entendo. Ele pode conviver com Onyx Lorenzoni e Marcelo Álvaro Antonio, mas não com aqueles outros. Ele pode suportar as delinquências intelectuais de Ernesto Araújo, mas sente nojinho daquela trinca. Ele pode servir a um presidente que manda comemorar o golpe de 1964 e que exalta um torturador, mas se arrepia com o trio. A versão não vale 10 centavos.

É evidente que, em casos assim, ter Bolsonaro no outro polo é um verdadeiro sonho de consumo, não? Fica fácil posar de herói. Sob o pretexto de caçar corruptos, Moro foi protagonista da razia promovida na política, aviltando o Estado de direito e o devido processo legal. Um monte de gente, inclusive na imprensa, está disposta a perdoar os seus pecados. Eu não.

Na crise, do coronavírus, como se nota, ele desapareceu. Só deu as caras para dizer que se opunha à liberdade de presos que busca diminuir os estragos da pandemia nas cadeias. Ninguém falou em abrir as portas dos presídios, mas em criar critérios para diminuir a superlotação. Ele fez o que mais sabe fazer: demagogia com o perigo. Esse momento também põe o governo num cipoal jurídico. O homem sumiu. Exerce o oportunismo do silêncio.

Ademais, não é um exemplo de ética como gestor. Sem que se conheça uma só medida sua que tenha tido alguma interferência na segurança pública, chama para si os méritos da queda da taxa de homicídio, o que é um disparate. A propósito, ministro: a criminalidade certamente vai cair em razão das medidas de distanciamento social. Vossa Excelência pretende também disputar méritos com o vírus?

Se e quando Moro cair, resta-me dizer, sem conhecer o sucessor: sai quem jamais deveria ter entrado. E se o substituto for pior? Que receba as críticas devidas. Eu me nego a passar pano num pré-candidato à Presidência que instrumentalizou a sua condição de juiz em favor de um projeto político e que concorreu para degradar o estado de direito. Eu jamais seria um freguês desse tipo de fraude intelectual e política.