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Reinaldo Azevedo

Moro acusou Bolsonaro, mas também fez confissão involuntária de crimes

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Colunista do UOL

25/04/2020 00h01

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E os crimes cometidos por Sergio Moro? Já chego lá. Antes, algumas considerações.

Nas minhas contas, Bolsonaro já havia cometido 11 crimes de responsabilidade. Se fez o que Sergio Moro afirma que fez, então são 12. Mas não só: há também os crimes comuns. Já abordei esse assunto nesta sexta.

No dia 27 do mês passado, como se pode demonstrar, escrevi uma coluna na Folha tratando do assunto. Está lá:
"Um dado puramente técnico: na minha conta, ele já cometeu 10 crimes de responsabilidade, com 15 agressões à lei 1.079. Na leitura desta Folha, foram 15 crimes autônomos. Tanto faz. Para sustentar uma denúncia, basta um. O único seguro do governante, nesse caso, é impedir que se forme uma maioria qualificada de dois terços da Câmara em favor do impeachment. Com 342 deputados, já era! Não será o Senado a segurá-lo."

Costumo ser rápido para responder a afrontas ao estado de direito. No dia 27 de março do ANO PASSADO, e o presidente não tinha ainda nem 90 dias de mandato, escrevi na Folha:
"Sim, o presidente Jair Bolsonaro já cometeu crimes, no plural, de responsabilidade. Vai cair? Depende dele. Bolsonaro encerra o seu terceiro mês de mandato, e a pergunta mais frequente que me fazem --e isto nunca aconteceu em tempo tão curto-- é a seguinte: "Você acha que ele vai até o fim?" Dado que o presidente e seus valentes escolheram a imprensa como inimiga, as pessoas imaginam que temos a resposta porque esconderíamos uma arma letal contra o "Mito". As coisas mais perigosas que guardo contra Bolsonaro são a Constituição e a lei 1.079."

Assim, o impeachment Bolsonaro depende agora apenas matéria de se construir a maioria necessária de dois terços na Câmara para pedir ao Senado que abra uma denúncia contra ele. Ou de avançar a investigação por crime comum. Ele já fez por merecer muitas vezes a carta de demissão, assinada pelas instituições. Mas e Moro?

PREVARICAÇÃO
Como o ministro goza de certa imunidade em amplos setores da imprensa, confessa crimes como quem diz "hoje é sexta-feira", e poucos se dão conta. E ele os cometeu.

Ora, é o próprio Moro quem diz que tanto ele como Maurício Valeixo eram alvos permanentes do assédio do presidente da República, que teria chegado a pedir até acesso a relatórios de Inteligência. Há quem diga que não cometeu crime de prevaricação porque, afinal, a interferência não teria existido — logo, ele não teria o que denunciar. Vamos ver.

A questão não se se esgota no silêncio de Moro, então, à espera da interferência indevida. Mais de uma vez, o então ministro veio a público para evidenciar o suposto compromisso do presidente com a lisura da administração. Não será difícil encontrar material a respeito.

Assim, não só permitiu que prosperasse em silêncio a pressão como atuou para, é preciso dizer com clareza, enganar a opinião pública. Trata-se de crime de prevaricação, previsto do Artigo 319 do Código Penal, a saber:
"Retardar ou deixar de praticar, indevidamente, ato de ofício, ou praticá-lo contra disposição expressa de lei, para satisfazer interesse ou sentimento pessoal:
Pena - detenção, de três meses a um ano, e multa.
"

Pergunto: se Bolsonaro tivesse mantido os aliados de Moro nos postos em que estavam, o ministro teria continuado no cargo, assegurando a lisura da atuação do chefe, sempre a depender do seu interesse pessoal, aguardando a hora certa para sair?

CORRUPÇÃO PASSIVA
Prestemos atenção a este trecho inacreditável de seu pronunciamento:
"Fui convidado a ser ministro da Justiça e da Segurança Pública. O que foi conversado com o presidente -- foi no dia 1º de novembro -- foi que nós teríamos o compromisso com o combate à corrupção e ao crime organizado e à criminalidade violenta. Inclusive, me foi prometido, na ocasião, carta branca pra nomear todos os assessores, inclusive desses órgãos policiais, como Polícia Rodoviária Federal e a própria Polícia Federal.
Na ocasião, até aproveitando aqui um breve parêntese, pra desmistificar um dado, foi divulgado equivocadamente por algumas pessoas que eu teria estabelecido como condição pra assumir o Ministério da Justiça uma nomeação ao STF.
Nunca houve essa condição. (...) Isso não é da minha natureza. Eu realmente assumi esse cargo, fui criticado e entendo essas críticas. Mas a ideia era realmente buscar um nível de formulador de políticas públicas aqui, numa alta posição do Executivo. (...)

Tem uma única condição que eu coloquei -- isso eu acho não faz mais sentido manter em segredo e pode ser confirmado tanto pelo presidente quanto pelo general Heleno. Contribuí 22 anos para a Previdência (...) Pedi apenas, já que nós íamos ser firmes contra a criminalidade, especialmente o crime organizado, que é muito poderoso, [que] se, algo acontecesse, pedi que a minha família não ficasse desamparada, sem uma pensão. Foi a única condição que eu coloquei para assumir essa posição específica do Ministério da Justiça."

Sei que muitos poderão ir às lágrimas com essa passagem, não contestada por Bolsonaro, mas o nome disso é corrupção passiva, conforme dispõe o Artigo 317 do Código Penal, a saber:
"Solicitar ou receber, para si ou para outrem, direta ou indiretamente, ainda que fora da função ou antes de assumi-la, mas em razão dela, vantagem indevida, ou aceitar promessa de tal vantagem:
Pena - reclusão, de 2 (dois) a 12 (doze) anos, e multa.

E Bolsonaro, por óbvio, incorreu em corrupção ativa, que está no Artigo 333 do Código Penal:
"Art. 333 - Oferecer ou prometer vantagem indevida a funcionário público, para determiná-lo a praticar, omitir ou retardar ato de ofício:
Pena - reclusão, de 2 (dois) a 12 (doze) anos, e multa.
"

Podemos até achar que a indenização fosse justa, mas ela não existe na lei. Então um juiz federal, que havia mandado para a cadeia um ex-presidente da República — principal adversário daquele que viria a ser seu chefe —, homem que se fez paladino da lei e da Justiça, cobra a promessa de uma compensação indevida para aceitar um cargo?

Ora, ele poderia ter dito: "Só aceito se o senhor enviar um projeto de lei ao Congresso propondo indenização a todos os servidores (ou, vá lá, ministros de Estado...) que tombarem no exercício de sua função". Mas não!

O doutor pediu uma compensação informal se necessária, ao arrepio da lei, por fora. E os milhares de policiais que se arriscam todos os dias? Quem indeniza as respectivas famílias dos mortos?

Moro confessou ali uma aberração. "Ah, Reinaldo, mas seria só no caso de ele morrer..." Não importa! O homem que iria zelar pela higidez legal do governo Bolsonaro impôs, antes de assumir, o compromisso do presidente com uma ilegalidade? E, o que é pior, este topou!

ILEGALIDADE E SURREALISMO
Num momento realmente formidável do pronunciamento -- e também à confissão deste crime não se dá destaque --, Moro exalta o estado de direito, o ordenamento legal -- "rule of law" --, confessando um outro crime. Transcrevo:
"Isso é até um ilustrativo da importância de garantir o Estado de Direito, o rule of law, a autonomia das instituições de controle e de investigação. Lembrando aqui até um episódio que, um domingo qualquer, durante aquelas investigações lembro, que foi o superintendente Maurício Valeixo que recebeu uma ordem de soltura ilegal do presidente Luiz Inácio Lula da Silva, então condenado por corrupção, preso. Essa ordem, emitida por um juiz incompetente. Depois, isso foi reconhecido nas demais instâncias. Foi graças à autonomia dele, e o sentimento da necessidade de cumprimento de dever, que ele comunicou às autoridades judiciárias e foi possível rever essa ordem de prisão ilegal, antes que ela fosse executada, demonstrando empenho dessas autoridades e a importância da autonomia das organizações de controle."

Há aí uma soma de aberrações. Um ex-juiz, um ministro da Justiça demissionário, um homem que acusa o presidente da República de tentar transgredir a lei, confessa a participação num crime, e tudo se passa como se nada houvesse acontecido. É um escândalo sem par.

Há uma síntese do caso aqui. Rogério Favreto, desembargador plantonista da 8ª Turma do TRF-4 determinou a soltura de Lula no dia 8 de julho de 2018. Tinha o poder de fazê-lo. Moro resolveu dar uma contraordem, e Valeixo — este que, agora, sai com ele — preferiu seguir a decisão ABSOLUTAMENTE ILEGAL de um juiz de primeira instância. A isso ele chama "rule of law".

Esse caso entrará para a história. Gebran Neto, relator do processo, decide, então, sem poder para tanto, suspender a decisão de Favreto, que a reiterou. O presidente do TRF-4 entrou na jogada e determinou que Lula continuasse preso. Isso só aconteceu às 19h30. O despacho original tinha saído às 9h05.

Vamos ver. Favreto era, sim, competente no caso. Tanto é assim que investigação aberta para apurar a sua conduta foi arquivada pela Primeira Turma do Supremo.

Diz o acórdão:
"A decisão ostenta fundamentação razoável com observância dos princípios da independência e da livre convicção motivada dos magistrados. Há ausência de razoabilidade no prosseguimento da persecução penal para apuração de conduta considerada lícita".

Vale dizer: Valeixo desobedeceu a uma ordem judicial, sob o comando de Moro. O ex-juiz e ex-ministro conta uma mentira quando diz que o desembargador foi considerado incompetente por instância superior. Se o Supremo reconheceu a legalidade da decisão do desembargador, então competente ele era, e a não-soltura foi ilegal.

Notas:
1: mesmo que a decisão viesse a ser cassada depois, deveria ter sido cumprida na sua vigência;
2: mesmo que o juiz viesse a ser considerado incompetente depois, a competência estava em voga até ser declarada inexistente, o que não aconteceu.

Eis Sergio Moro: para exaltar a sua particularíssima forma de ver a lei, ele usa um ato ILEGAL como expressão de seu apego à legalidade. E leva um monte de gente no bico.

CONCLUO
Como deixo claro, acho que Bolsonaro deveria ter sido alvo de um processo de impeachment no terceiro mês de mandato. Havia cometido, então, quatro crimes de responsabilidade. Àqueles, somaram-se outros oito. E há ainda o crime comum. Merece um impeachment multiplicado por 12.

Mas não venham me oferecer Moro como herói da legalidade e do estado de direito. Ele é o mais perigoso depredador do estado de direito.

Não sou do tipo que se ajoelha aos pés de mitos. De nenhum!

Bolsonaro merece ser cassado.

E Moro confessou crimes.