Dezessete meses após aliança indecorosa, Bolsonaro e Moro são investigados
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A partir desta terça-feira, Jair Messias Bolsonaro é um presidente sob investigação. Quem lhe deu o passaporte para ser submetido ao crivo da Polícia Federal e do Ministério Público Federal foi ninguém menos do que Sergio Moro, seu ex-ministro da Justiça. Há um ano e cinco meses, os dois celebravam uma das mais ruidosas e indecorosas alianças políticas da história do Brasil.
O ministro Celso de Mello, do Supremo, autorizou, nesta segunda, a PF e o MPF a abrir investigação para apurar as respectivas condutas de Bolsonaro e Moro. Mello responde, assim, à petição enviada pelo procurador-geral da República, Augusto Aras, motivada pelo pronunciamento feito na sexta pelo ex-juiz. Ao se demitir, ele acusou o presidente de uma série de crimes e acabou, ele próprio, admitindo eventuais infrações penais.
A integra da decisão de Mello está aqui. O decano do Supremo não citou os possíveis crimes listados pelo procurador. Parte deles diz respeito a Bolsonaro, parte, a Moro. O ex-ministro acusou o presidente de reiteradas tentativas de intervir em investigações em curso na PF ligadas a pessoas do seu relacionamento, razão por que quereria demitir, como acabou fazendo, o então diretor-geral, Maurício Valeixo, buscando indicar para o cargo um nome de sua confiança, o que também fez.
Moro diz ter resistido às investidas, embora tenha dado reiteradas entrevistas assegurando não haver interferência em seu trabalho. Ao negar que tenha negociado com o presidente a indicação de seu nome para o STF, afirmou que a única compensação que pediu foi uma eventual pensão para sua família caso fosse vítima de ação criminosa. Tal procedimento não está previsto em lei.
Aras pediu que se investigue o possível cometimento dos seguintes, crimes, estes certamente atribuíveis a Bolsonaro, embora ele não faça a distinção: falsidade ideológica, coação no curso do processo, advocacia administrativa e obstrução da investigação.
Ocorre que o procurador também vê prevaricação e corrupção passiva. Dado o relato do ex-juiz, esses só podem ter sido cometidos por ele próprio. Sem provas, Moro se exporia ainda às imputações de denunciação caluniosa e dos crimes contra honra: calúnia, difamação e injúria.
Ora, ao não excluir de sua autorização nenhuma imputação, Mello concorda, pois, que todas essas possíveis condutas sejam investigadas. Ele deu 60 dias para que PF colha o depoimento de Moro.
A quase totalidade das 17 páginas da decisão de Mello é dedicada a lembrar o conteúdo da norma constitucional e da jurisprudência do Supremo. Afinal, define o Parágrafo 4º do Artigo 86 da Constituição:
"O Presidente da República, na vigência de seu mandato, não pode ser responsabilizado por atos estranhos ao exercício de suas funções."
Vale dizer: o Supremo não pode abrir um processo contra o presidente por atos ou fatos anteriores ao seu mandato ou que não guardem relação com este. O ministro nota, no entanto, que a não responsabilização criminal não impede a PF de abrir inquérito e o MPF de abrir Processo de Investigação Criminal. A denúncia pode, inclusive, ser oferecida. Mas o Supremo não poderá aceitá-la.
O caso em questão, no entanto, nada tem a ver com isso. Os atos pelos quais Bolsonaro será investigado estão ligados ao exercício de sua função. Mello observa que caberá, ao fim do inquérito, à Procuradoria Geral da República oferecer ou não a denúncia. Se o fizer, o Supremo só pode abrir o processo contra o presidente com a concordância de pelo menos dois terços da Câmara.
Um ano e cinco meses depois da Santa Aliança entre Bolsonaro e Moro, ambos estão sob investigação.