Com 600 mortes por dia, Teich é mistura de Conselheiro Acácio com Rivotril
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Só não chamarei o ministro Nelson Teich, da Saúde, de "o cavaleiro da triste figura", tudo em minúsculas, porque isso ecoaria alguma associação com Dom Quixote, e, por óbvio, a personagem de Cervantes não merece companhia tão ruim. Mas é fato que a figura de Teich evoca tristeza, seja porque ele parece estar sempre entediado e com o espírito perdido em alguma paisagem ainda mais desagradável do que esta que a todos nos assola, seja porque a ele se associa uma política oficial de combate ao coronavírus e à Covid-19 que é um desastre sem precedentes.
"Ora, Reinaldo, não há precedentes porque nunca experimentamos algo parecido". Sim, é verdade. Mas jamais se viu distância tão grande entre o tamanho do problema e a pequenez da resposta. Essa desproporção é também inédita, o que quer dizer que governo nenhum, em caso nenhum, foi tão incompetente.
O ministro que, até agora, não fez uma defesa clara e sem reservas do distanciamento social afirma que o governo pode vir a recomendar o "lockdown" — o confinamento severo — em algumas localidades. Ele também não disse quais. Na semana passada, ficou de apresentar para esta um plano de saída das medidas de isolamento. As mortes estavam no patamar das 400 — e tantas. Saltou para o de 600 sem nem passar pelo de 500. Relaxar como e por quê?
Calma, gente! Ele ainda apresentará suas ideias e teses. Torçamos todos para estar vivos até lá, não é mesmo? Vamos cruzar os dedos para que Teich não nos arraste para aquele país mental de uma sintaxe e de um ritmo de fala que se dá aos soquinhos, como quem recita um texto mal decorado.
Cadê a campanha oficial do Ministério da Saúde no rádio, na televisão e nos meios eletrônicos alertando as pessoas para o real perigo da doença e as medidas necessárias para diminuir o risco de contágio? Cadê a campanha de esclarecimento, dados os números oficiais que, embora irreais em razão da subnotificação, já são alarmantes? Simplesmente não existe. Trata-se de uma omissão criminosa.
Vivemos a era do debate sobre as esferas de competência dos Poderes. É moralmente lícito que se gaste um tostão que seja em propaganda oficial em assunto distinto da pandemia quando esta é escancaradamente negligenciada pela propaganda oficial? A resposta na esfera moral é fácil. Pergunto-me se o governo não deixa de cumprir um preceito fundamental ao não se dirigir ao público de maneira clara e realista para alertá-lo dos riscos. Sim, o debate é espinhoso. Mas tem de ser enfrentado. Os brasileiros pobres estão sendo enviados ao matadouro.
Nesta quarta, foram confirmadas 615 mortes em decorrência da Covid-19. O país caminha para o pódio, ocupando já o sexto lugar, com 8.536 cadáveres. Perde para EUA (72.617), Reino Unido (30.150), Itália (29.684), Espanha (25.613) e França (25.538). No ranking da contaminação, ocupa o 11º lugar, com 125.218 casos. Nas 24 horas que antecederam a divulgação dos dados, nesta quarta, houve 10.503 novas notificações. O número é sabidamente falso. As evidências de subnotificação chegam a ser constrangedoras.
Ouvi a entrevista de Teich nesta quarta. À parte o seu flerte com o lockdown, perde-se em obviedades e platitudes que chegam ser entorpecentes num país meio entorpecido. Leiam o que segue:
"O importante é colocar que, quando a gente fala em isolamento e distanciamento, existem vários níveis. É importante que a gente entenda que não existe uma defesa do isolamento ou não isolamento. Vai (sic) ter sempre medidas simples até o lockdown. O que é importante é que cada lugar vai ter sua necessidade".
Se o Conselheiro Acácio misturasse Rivotril com o medo de ser demitido pelo chefe e tivesse de falar sobre coronavírus, diria mais ou menos isso, eventualmente com mais estilo.
Teich tem uma certa vocação professoral para o nada. Notem a frequência com ele inicia frases com a expressão "O importante é que...." Quando tentamos, então, apreender aquele "quê" importante, damos de cara com uma tautologia, com uma obviedade, com uma evidência de tal sorte incontestável e já superada pela realidade que a sua fala soa por aquilo que é: inútil.
O fato é que os Estados estão por sua própria conta. Amansaram sozinhos, com exceções que ficarão claras a seu tempo, a tragédia, sem poder evitá-la, resistindo à máquina de difamação do bolsonarismo. Infelizmente, o pior ainda está por vir.
A propósito, ministro Teich: Bolsonaro defenderá ou atacará o lockdown?