O "ministro" dos bolsomínions fala sobre mulheres, "papa negão" e pedofilia
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O governo de Jair Bolsonaro parece existir para reafirmar, a cada dia, as leis fatais do pessimismo. A primeira delas deveria ser divisa da gestão: "Se está ruim, sempre pode piorar".
Aqui e ali, trata-se com certo tom jocoso ou de escândalo a possibilidade de que um tal Ítalo Marsili, um dos ditos alunos do dito professor Olavo de Carvalho, assumir a pasta da Saúde. Com a devida vênia, afirmo: não duvido de nada!
Se Abraham Weintraub, Damares Alves. Ernesto Araújo e Ricardo Salles podem ser ministros, por que não Marsili? Uma aberração a mais, uma a menos, que diferença faz? Diria até que ele explicitaria com mais propriedade a natureza da gestão.
O rapaz é formado em medicina pela Universidade Federal do Rio de Janeiro e diz atuar como psiquiatra, embora não tenha em mãos o Registro de Qualificação de Especialista (RQE). Não se conhece a sua contribuição à medicina — embora, parece, ele tenha desenvolvido um método para curar pedófilos —, mas é muito ativo nas redes sociais. Na sua formação intelectual, devidamente registrada na Plataforma Lattes, está, acreditem, o fato de ter morado por dois anos com Carvalho na Virgínia, nos EUA.
Respirar o mesmo ar de Olavo já qualifica intelectualmente.
Ele se destaca mesmo é como um pensador, com mais de um milhão de seguidores no Instagram. É do tipo falador, que não dá bola para o politicamente correto — ser incorreto é um valor no bolsonarismo —, naquele estilo "falo o que ninguém tem coragem de falar". Como se verá, não é uma questão de coragem, mas de caráter.
Amigão de Eduardo Bolsonaro, é "o" nome dos bolsomínions para a pasta. Ganha de Osmar Terra. E olhem que, em certa escala, para vencer Terra, é preciso cavar muito além do fundo do poço.
MULHERES
Conversando com dois rapazes, que o ouvem extasiados, Marsili afirma:
"A única democracia do mundo que funcionou, a democracia grega, não estava previsto o voto feminino, ok? Isto é um fato observável: quando o voto passa a ser um voto pleno -- ou seja: mulheres, todo mundo pode votar, não só as pessoas responsáveis, os comprometidos... todo mundo pode votar --, a gente vê que tem uma crise na regência do Estado. Porque é óbvio: é muito fácil convencer mulher de votar: é só você seduzi-la (...). Quando as mulheres têm o direito ao voto, a campanha publicitaria eleitoral, ela fica muito fácil de ser feita. É só fazer uma campanha populista, sedutora. É assim que cê ganha eleição. Porque é óbvio: metade das pessoas que estão votando é mulher".
Não tem jeito. Eles têm um desprezo profundo pelas mulheres. Nem vou entrar no mérito da tolice de que "a única democracia do mundo que funcionou foi a grega". As democracias contemporâneas devem à grega apenas o nome. Não têm com aquele modelo nenhum vínculo histórico. É uma das ignorâncias da soberba do autodidata.
Claro, claro... Marsili diria que só fez um registro e que não está propondo que se casse o voto feminino. De fato, não! Até porque sabe que não seria possível. Trata-se apenas de desdém, em princípio, por metade da humanidade.
Observem que ele frise que, na democracia grega — o correto seria falar em "democracia ateniense" —, só votavam "os responsáveis"... Pois é. Eram os homens de posses, maiores de 18 anos, de pai e mãe atenienses. De fato, excluíam-se as mulheres, os estrangeiros, os escravos. Uma maravilha! Calcula-se que 10% tinham direito ao voto. A única democracia que funcionou, segundo Marsili. Ah, claro! Havia o ostracismo, né? A pessoa considerada uma ameaça ao regime podia ser exilada por 10 anos, tendo seus bens confiscados.
E disso que Marsili gosta.
PAPA NEGÃO
Em outro vídeo, um parceiro de conversa diz:
"Eu, particularmente, gosto do cardeal Robert Sarah, mas, claro, politicamente, um papa americano seria mais forte do que um papa africano..."
Robert Sarah, cardeal negro nascido na Guiné, é um ultraconservador, nomeado pelo papa Francisco prefeito da "Congregação para o Culto Divino e a Disciplina dos Sacramentos". É adorado pela extrema-direita porque tido como adversário da "ideologia de gênero", seja lá o que isso signifique.
Marsili, então, diz a seguinte maravilha:
"Eu entendo. Um papa negão ia ser ótimo por um certo motivo... Botar um negão lá, pô, uau, um negão, conservador do caralho! Mas é negão, cê tá entendendo assim!? É africano, porra! Não vai funcionar! Caralho! Não é da mesma categoria do papa americano. Essa é a minha visão. Eu gosto do Sarah".
Diz isso brandindo um enorme charuto. Não deve ser cubano...
O que lhes parece até agora? Está ou não está habilitado para ser ministro da Saúde.
PEDOFILIA
Notem que, até aqui, ele ainda não lidou com um tema de sua suposta especialidade: psiquiatria -- ainda que sem registro de qualificação.
A uma interlocutora, Marsili dá a entender que desenvolveu um método para, digamos, reprogramar a mente de um pedófilo. Ele e a moça começam a tratar do assunto às gargalhadas. Conta que tratou de um paciente que tinha "centenas de quilos de material de pornografia (infantil)" no computador. O rapaz nunca teria "executado", mas "já tinha tocado numa criança ou outra"...
O que fez o doutor? Ele conta:
"Teve uma manobra que eu operei nele que é o seguinte: esse sujeito só tem o desejo sexual por figuras infantis. O que é que eu vou fazer com ele? Vou fazer com que ele experimente, de fato, o prazer sexual com uma figura infantil que não seja uma criança. Existem mulheres que não têm peito, não têm bunda, que têm cara de criança, mas têm, sei lá, 20 anos, 30 anos, sei lá, que são velhas, mas que parecem infantis. O que eu fui fazendo com ele? O que eu fiz com ele? Eu sei que é imoral, mas isso aqui é que é o ponto da psicologia, da psiquiatria: um ajuste de moralidade, é um contorno, é uma manobra que a gente faz. Então o que a gente fez com ele? Eu escolhia garotas de programa com ele, tá?, que pareciam crianças, mas não eram. Eram profissionais do sexo, como chamam. E a gente foi progredindo. E ele conseguia ter o prazer lá com a 'muié'. Aí a gente escolhia uma garota de programa que já tinha um peitinho, aí uma outra que já tinha uma bundinha, depois que tinha um peitão, depois que tinha um bundão. Até o sujeito conseguir mudar o apetite sexual dele. É só apetite sexual, cê tá entendendo? Dá pra mudar. Então o sujeito, ao final de seis meses, ele olhou pra aquilo e falou: 'Rapaz, eu tenho tesão numas cavala aí'. Eu disse: "É? O nome disso é normalidade, cara!'. Ele conseguiu apagar os quilos de pornografia infantil do computador, o desejo por criança sumiu..."
RETOMO
Dizer o quê? Fique para o escrutínio de psiquiatras e psicólogos. Segundo entendi, ele nem tem a devida regularização para atuar como psiquiatra. Se e quando tiver, parece que o Associação Brasileira de Psiquiatria tem um belo caso pela frente.
Nem vou pedir que o Conselho Federal de Medicina se manifeste porque, de onde nada se espera, pode é sair um endosso envergonhado à cloroquina...
Em algum lugar, li que ele associa isso à dessensibilização, que consiste em expor a pessoa aos poucos a elementos que despertam fobias. Não parece que o sujeito tivesse medo de "peitão" e "bundão". Ele sentia atração por crianças, o que é coisa muito distinta.
O doutor aplica o comportamentalismo pelo avesso. Ele recompensa o paciente a cada vez que o pobre exercita aquilo que pode potencialmente destruí-lo. É um gênio inigualável da psiquiatria e da psicologia.
REPROGRAMAÇÃO
Notem que, subjacente a essa, digamos, experiência está a tese da "reprogramação" do desejo, que, na linguagem dele, é dirigida a "figuras". Para ele, é irrelevante que a garota de programa faça sexo porque quer e que a criança seja objeto da manipulação de um pedófilo. Basta reprogramar o desejo...
Pedofilia é doença, homossexualidade não. A "teoria" do doutor, no entanto, poderia ser aplicada também a esse caso. Um gay começaria, sei lá, a namorar com uma mulher que se parecesse com um homem... A lésbica escolheria um homem que lembrasse uma mulher... Bingo! Como ele diz, "é só apetite sexual! Dá para mudar".
Convenham: se ele estiver certo, devidamente reprogramada, uma pessoa pode sentir tesão por chuchu cozido com tubaína.
E nem vou perguntar quais seriam as etapas de reprogramação de um zoófilo. Teria de começar pela sereia... Como na música, "metade o busto de uma deusa maia, metade um grande rabo de baleia".
Se bem que parece que seu paciente foi da pedofilia para a zoofilia, né? Esqueceu as crianças e partiu para as "cavala".
CASTRAÇÃO QUÍMICA
Bolsonaro receita cloroquina, mas talvez não endosse o método de Marsili. Tem suas próprias teses a respeito. Em 2013, quando deputado, sempre apegado a temas que podiam mudar o Brasil, apresentou um projeto para a castração química de pedófilos e estupradores.
Nem ao capitão ocorreu encontrar uma garota de programa com cara de criança.
Quem disse que o bolsonarismo não evolui?
O tal foi a Brasília e se encontrou com Nise Yamaguchi.