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Reinaldo Azevedo

PGR virou Bataclã do Mito? E Centrão, crime eleitoral, desvio de finalidade

Dina Sfat e Heloísa Mafalda nos papéis, respectivamente, de Risoleta e Maria Machadão na novela "Gabriela". Às vezes, resistiam aos coronéis - Reprodução
Dina Sfat e Heloísa Mafalda nos papéis, respectivamente, de Risoleta e Maria Machadão na novela "Gabriela". Às vezes, resistiam aos coronéis Imagem: Reprodução

Colunista do UOL

29/05/2020 07h25

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A falta de vergonha na cara como método vai se consolidando. A Folha reproduz trechos de falas de Bolsonaro nesta quinta. Vou fazer um pingue-pongue com o presidente. As palavras dele estão entre aspas, em verde. As minhas, em azul.

SOBRE A INDICAÇÃO DE ARAS PARA O STF
PINGUE
"Se aparecer uma terceira vaga --espero que ninguém desapareça--, mas o Augusto Aras entra fortemente na terceira vaga. Eu costumo dizer que tenho três nomes e não vou revelar quem eu namoro para indicar para o STF"

PONGUE
Nada se diga sobre a delicadeza de especular sobre a morte de um ministro do Supremo, claro... Não é segredo nenhum, e já tratei do assunto aqui: Aras precisa de Bolsonaro para uma segunda indicação para a PGR. Ou para indicá-lo para o STF. Está se comportamento mais como advogado de Bolsonaro do que como titular da PGR.

SOBRE MINISTRO EVANGÉLICO NO STF
PINGUE
"É um compromisso que tenho com a bancada evangélica. Alguns criticam dizendo que está confundindo aí com religião. Não tem nada a ver. Agora, uma pitada de religiosidade é muito bem-vinda. Tem pauta lá que faltou, no meu entender, um ministro defender à luz da sua crença. Por que não?"

PONGUE
Porque é crença do ministro, não da sociedade. O Brasil não é ateu, mas é laico. Lugar de tomar decisão segundo a religião são os templos, não os tribunais. Estes só devem tratar do assunto se a liberdade de crença estiver sob ameaça. Quer dizer que Bolsonaro é contra cotas para negros nas universidades, mas a favor de cota para evangélico no Supremo? O próprio Bolsonaro cita como candidato André Mendonça, que é evangélico, como candidato.

Mendonça é aquele rapaz que resolveu entrar com habeas corpus em favor de Abraham Weintraub e de todas as pessoas que estão sendo investigadas pelo Supremo no inquérito que apura as fake news e as ameaças contra ministros do Supremo. Estatizou o habeas corpus. Trata-se de ato descarado de improbidade administrativa.

Ah, sim: a indicação, nesses termos, para o STF só não poderá ser enquadrada como "desvio de finalidade" porque o nome tem de ser aprovado pelo Senado. Tecnicamente, não dá. Moralmente, é desvio na cabeça!

CENTRÃO
PINGUE
"A imprensa sempre reclamou de mim que eu não tinha diálogo, eu não conseguia atingir a governabilidade. Sim, alguns querem cargos. Não vou negar isso daí. Alguns, não são todos. Agora, em nenhum momento nós oferecemos ou eles pediram ministérios, estatais ou bancos oficiais".

PONGUE
A imprensa nunca reclamou de nada. Não é beneficiária de cargos. Apenas reportava e reporta as dificuldades para a governabilidade. Mas eis aí... "Ah, não dei ministério, estatais ou bancos.. " E daí. Quem disse que o dinheiro está só nesses lugares? Bom era acusar os governos passados, né?, de fazer acordo. De resto, FHC tinha apoio de partidos para fazer a reforma; Lula, para levar adiante a agenda social. E Bolsonaro? Só para não ser alvo de impeachment.

ELEIÇÕES
PINGUE
"Nós trocamos algum cargo neste sentido, atendemos, sim, alguns partidos neste sentido, conversamos sobre eleições de 2022. Se eu estiver bem em 2022, há interesse de alguns parlamentares desses estados em ter o seu respectivo candidato a governo, se eu poderia entrar neste acordo em alguns estados do Brasil. Há estados que, nós sabemos aqui, eu não vou ter poder para eleger uma pessoa indicada por nós lá e conversamos: 'Olha, eu apoio, neste estado aqui, qual o perfil do seu governador? É este'. Tudo bem. Se eu estiver bem, se eu vier candidato à reeleição, tudo bem. Tem estado do Nordeste, em especial, que o PT está forte. Você pega quase todos os estados, o PT é muito forte e para derrotá-los você tem que somar todas as forças do outro lado. E, para mim, com todo respeito que eu tenho ao Parlamento brasileiro, eu prefiro deputados destes outros partidos do que do PT".

PONGUE
Entendi. Os interesses da administração pública estão subordinados a acordos eleitorais para 2022. Cuidado, presidente! Isso tem cheiro de crime eleitoral. "Mas a eleição está longe..." Pois é... Mas quem confirma o desvio de finalidade ao fazer nomeações para o governo federal é o presidente da República. Está dito com todas as letras na fala acima. Comete um dos chamados "ilícitos atípicos".

É tudo absolutamente constrangedor, como se pode ver. Da indicação para o STF à distribuição de cargos, o interesse público que se dane. Além do desvio de finalidade, fica a disposição de cometer crime eleitoral mesmo. Afinal, como está dito, as nomeações buscam a formação de palanque.

Quanto a Aras, dizer o quê? Cada decisão sua, agora, tem de ser filtrada pela candidatura à vaga no STF. Cuidado, doutor! Já houve um certo Sergio Moro que se fiou na palavra de Bolsonaro.

Fui à página do MPF para lembrar as atribuições do órgão. Vejam se bate com a atuação de Aras:
Lá na página do MPF, pode-se ler:
"O Ministério Público Federal, assim como o Ministério Público brasileiro, não faz parte de nenhum dos três poderes (Executivo, Legislativo e Judiciário) e tem independência funcional assegurada pela Constituição Federal. O MPF atua em casos federais, regulamentados pela Constituição e pelas leis federais, sempre que a questão envolver interesse público. Além disso, o Ministério Público tem autonomia na estrutura do Estado: não pode ser extinto ou ter atribuições repassadas a outra instituição. Os membros (procuradores e promotores) possuem as chamadas autonomia institucional e independência funcional, ou seja, têm liberdade para atuar segundo suas convicções, com base na lei."

A inação desse ente em face de agressões à ordem legal não vem de hoje. Há uma reação a Augusto Aras, sim, no MPF. Mas o diagnóstico de alguns que resistem ao atual estado de coisas consegue ser ainda pior do que a atuação do procurador-geral. Fica para outro post. O fato: desse mato, não sai coelho. Ou melhor: o mato institucional de Aras vai esconder os coelhos de Bolsonaro...

Bolsonaro adora apelar a metáforas como casamento, namoro e noivado para explicar suas relações políticas. Com Aras, ainda não é casamento. Natural da Bahia, o doutor certamente já leu "Gabriela", de Jorge Amado. Há lá as moças de Maria Machadão, a dona do Bataclã. A mais famosa é Risoleta, a Zarolha. Notável por ser altiva.

A PGR virou o Bataclã do coronel Ramiro Bolsonaro?