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Reinaldo Azevedo

Grana pública em páginas oficialistas e pornôs. E a culpa não é do Google

Reprodução/Montagem
Imagem: Reprodução/Montagem

Colunista do UOL

04/06/2020 08h11

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Informou o Jornal Nacional o que segue. Volto em seguida:
Um relatório produzido a pedido da Comissão Parlamentar de Inquérito Mista das Fake News identificou mais de 2 milhões de anúncios pagos pela Secretaria de Comunicação Social da Presidência em sites de fake news e até de pornografia.

O documento foi feito por consultores legislativos da Câmara dos Deputados com dados obtidos por meio da Lei de Acesso à Informação. As informações foram divulgadas nesta quarta (3) pelo jornal O Globo. Esses consultores pediram, em novembro de 2019, dados sobre os canais que receberam verba pública de 1º de janeiro a 10 de novembro de 2019, primeiros meses do governo Bolsonaro.

Mas a Secretaria de Comunicação Social da Presidência apresentou apenas parte dos dados: as informações de 6 de junho a 13 de julho de 2019. E, nesses 38 dias, o relatório identificou 2,65 milhões anúncios pagos pelo governo federal em sites, aplicativos de celular e canais na internet que veiculam conteúdo considerado inadequado, como sexual, canais removidos por descumprimento de diretrizes, jogos de azar ilegais, notícias falsas e promoção pessoal de autoridades.

Entre os canais que receberam publicidade da campanha sobre a reforma da Previdência, mais da metade era destinado ao público infantojuvenil, e um deles com conteúdo em russo.

Outro canal que recebeu os anúncios do governo federal foi o do blogueiro Allan dos Santos, um dos investigados no inquérito das fake news do Supremo Tribunal Federal, alvo da operação da Polícia Federal na semana passada. Em depoimento à CPMI, no dia 5 de novembro de 2019, ele negou que recebesse dinheiro público.

O relatório concluiu que houve desperdício de recursos públicos. O presidente da comissão pediu nesta quarta ao governo o total de anúncios veiculados no ano passado e nos primeiros meses deste ano.

"A partir do momento que você pede os gastos de 11 meses e só é enviado de 38 dias, nos causa dúvida o que foi que houve. É uma publicidade gasta em veículos totalmente que não têm nada a ver com o Brasil. Não tem nada a ver com a reforma da Previdência", disse o senador Angelo Coronel, PSD-BA, presidente da CPMI.

Os trabalhos da CPMI estão suspensos por causa da pandemia do coronavírus, mas o presidente da Câmara, Rodrigo Maia, ressaltou que a conclusão da comissão será muito importante.

"A CPI precisa voltar a funcionar. Certamente a CPI chegando ao resultado, vai encaminhar ao Ministério Público para que tome as decisões, as atitudes corretas em relação a essa distorção ou a esse desvio de finalidade de dinheiro público em relação ao seu objetivo, que deveria ser informar a sociedade e não desinformar a sociedade", disse Maia.

A Secretaria de Comunicação da Presidência negou qualquer irregularidade ou direcionamento das propagandas. Disse que não escolhe qualquer site ou blog e que as verbas publicitárias são direcionadas pelo Google AdSense, uma ferramenta que utiliza inteligência artificial para distribuição de anúncios de acordo com o público-alvo do anunciante.

"São dois milhões de vezes que apareceu a publicidade. Não necessariamente ela foi clicada, e o Google só remunera o portal, o blog, o veículo a partir do momento que é clicada essa publicidade. É no momento que a publicidade é servida, no momento que a publicidade é veiculada. Todos os erros que forem detectados na Secom, a Secom vai ao Google pedir o ressarcimento ou pedir a equiparação futura numa campanha futura", disse o secretário de Comunicação Social, Fábio Wajngarten.

Em nota, o Google respondeu que tem políticas contra conteúdo enganoso em suas plataformas e que trabalha para destacar conteúdo de fontes confiáveis. O site afirma que "as nossas plataformas oferecem controles robustos que permitem o bloqueio de categorias de assuntos e sites específicos, além de gerarem relatórios em tempo real sobre onde os anúncios foram exibidos". Diz ainda que age diariamente para minimizar conteúdos que violam as políticas da empresa e que impede a ação de pessoas mal-intencionadas na rede.

RETOMO
De fato, se não houver intervenção nenhuma do anunciante, os anúncios vão sendo distribuídos páginas afora. Em certo sentido, quanto mais barbaridade um endereço perpetrar, atraindo milhares ou milhões de cliques, mais publicidade -- e dinheiro -- vai receber.

A Secom está dizendo que não vai fazer nada, que tudo ficará por isso mesmo. No dia 27, liminar do ministro Bruno Dantas, do TCU, determinou, por exemplo, a suspensão da propaganda eletrônica do Banco do Brasil, excetuando-se, na prática, os veículos profissionais de comunicação.

É claro que isso tem de ser aplicado à publicidade oficial como um todo. Afinal, o "governo da Família" está financiando até site pornô. O critério adotado, claro!, não busca privilegiar a turma dos amores solitários. Não! Páginas bolsonaristas dedicadas às fake news são acessadas pelos fanáticos e têm sua presença nas redes multiplicada pelos robôs.

Resultado: parte considerável da grana vai para os corajosos puxa-sacos.

A distorção só existe porque Jair Bolsonaro considera que há uma mídia que está com ele — boa parte, diga-se, sob investigação por cometer crimes — e uma mídia que está contra ele: o jornalismo profissional.

Quando vituperou contra a decisão de Alexandre de Moraes, que determinou mandados de busca e apreensão contra o banditismo nas redes, afirmou que o objetivo era atingir a mídia que o apoia.

Logo, manter intocados os critérios para anunciar, como a Secom diz que vai fazer, corresponde a privilegiar a "mídia que me (Bolsonaro) apoia". Com dinheiro público.

Seria mais um caso para o senhor Augusto Aras. Mas desse mato só sai coelho para se esconder na cartola. Mais uma vez, o Ministério Público que atua junto ao Tribunal de Contas da União terá de entrar em ação.

Sites que veiculam fake news e que fazem propaganda política não são uma verdade alternativa. São apenas mentiras grotescas. E não podem ser financiados com dinheiro público.