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Reinaldo Azevedo

Moro ataca Aras; a verdade, caros, é que sua pré-campanha a 2022 já começou

Sérgio Moro, ex-juiz e ex-ministro da Justiça: no fim das contas, alguns sortilégios já fazem parte da sua pré-campanha a 2022 - AFP via BBC
Sérgio Moro, ex-juiz e ex-ministro da Justiça: no fim das contas, alguns sortilégios já fazem parte da sua pré-campanha a 2022 Imagem: AFP via BBC

Colunista do UOL

04/07/2020 10h11

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O ex-juiz e ex-ministro Sérgio Moro já saiu em defesa da Lava Jato de Curitiba no embate que esta trava com Augusto Aras, procurador-geral da República. Dentro das regras e com autorização judicial — que nem se fazia necessária, diga-se —, a PGR cobrou da força-tarefa compartilhamento de dados de investigação em curso.

Mas o braço de ferro que junta, de um lado, Lava Jato e Moro e, de outro, a PGR também diz respeito aos interesses pessoais do ex-juiz e ex-ministro — guia espiritual, desde sempre, da força-tarefa. Tudo indica que o senador José Serra foi pego no fogo cruzado.

Informa Fausto Macedo, no Estadão:
O ex-ministro da Justiça e Segurança Pública, Sérgio Moro, criticou nesta sexta-feira, 3, manifestações do procurador-geral da República, Augusto Aras, que questiona a necessidade de haver forças-tarefa dedicadas a investigações específicas. Moro, ex-juiz federal em Curitiba, defendeu a 'autonomia funcional' das forças-tarefa e atacou o que classificou como tentativa de 'revisionismo' da Operação Lava Jato.

"Elas (forças-tarefa) são uma criação brasileira absolutamente necessária para se ter uma equipe de procuradores e policiais dedicados a investigar esses crimes mais complexos", afirmou o ex-ministro em entrevista à colunista Eliane Cantanhêde e ao repórter Fausto Macedo no portal do Estadão. "Não entendo essa lógica do revisionismo, como se a Lava Jato não representou algo extremamente positivo, que foi uma grande vitória contra a impunidade da grande corrupção. Quem ataca a Lava Jato hoje eu sinceramente não entendo bem onde quer chegar."

RETOMO
Entenderam? A Lava Jato, nas palavras do ex-juiz, ex-ministro e pré-candidato à Presidência -- o que não admite ser, claro! -- tem de ser considerada acima do bem e do mal, pouco importa o que faça.

Assim, a correção de desvios e a punição de desmandos seriam apenas "revisionismo". E, como se nota, ainda que crimes tenham sido cometidos, temos todos de aplaudir os varões de Plutarco. Os diálogos da Vaza Jato evidenciaram o amor que essa gente tem pelas leis e pelo estado de direito, não é mesmo?

O COMPADRE
O rancor de Moro também junta motivos pessoais. Assim como a Lava Jato tem de ser considerada, por princípio, uma categoria de pensamento alheia às vicissitudes do mundo real, parece que o mesmo tratamento deveria ser estendido a seus amigos.

No dia 3 de junho, escreveu Bela Megale no Globo:
O ex-ministro Sergio Moro disse que ficou "perplexo" e "indignado" com decisão do procurador-geral da República, Augusto Aras, de desengavetar uma delação que atinge seu amigo, o advogado Carlos Zucolotto.

Como "O GLOBO" revelou nesta quarta-feira (3), a PGR negocia um acordo com Rodrigo Tacla Duran, que disse ter pago dinheiro a Zucolotto para obter vantagens em seu acordo de delação premiada com a Lava-Jato em 2016. O relato já foi alvo de investigação e acabou arquivado em 2018. Setores do MPF veem o ato com uma retaliação contra o ex-juiz.

"Causa-me perplexidade e indignação que tal investigação, baseada em relato inverídico de suposto lavador profissional de dinheiro, e que já havia sido arquivada em 2018, tenha sido retomada e a ela dado seguimento pela atual gestão da Procuradoria-Geral da República logo após a minha saída, em 22 de abril de 2020, do governo do presidente Jair Bolsonaro", afirmou Moro em nota.

O ex-ministro disse ainda que "ninguém está acima da lei" e que ele se dispõe a prestar esclarecimentos sobre os fatos.

Moro também afirmou que lamenta que "mais uma vez o nome de um amigo seja utilizado indevidamente para atacar a mim e o trabalho feito na operação Lava Jato".

O ex-ministro disse ainda que "relato não verdadeiro prestado por acusado foragido do país teve o destino apropriado: o arquivamento".

ENCERRO
A fala é de tal sorte absurda que poucos se dão conta do despropósito. Ele sabe, por acaso, em que termos Tacla Duran faria a delação? Parece que, como juiz, ele se entregava a certos julgamentos prévios, não é mesmo? E agora faz o mesmo como político.

Ele atuou na linha de frente da investigação para afirmar com tanta certeza que o relato do tal é falso, ou essa é a conclusão a que o consórcio do lava-jatismo chegou? Seu papel, como juiz, era fazer prejulgamento?

Não serei eu a recomendar que ele desconfie do seu compadre, claro! Mas é preciso que fique claro que está a usar o seu prestígio para fazer o que o amigo, suponho, pode fazer por si mesmo: defender-se.

De resto, o que quer que aconteça -- se algo houver por acontecer -- passará por:
- Ministério Público Federal;
- Polícia Federal;
- Justiça Federal.

Moro só confia nesses entes quando ele e os seus estão no ataque?

Não parece razoável. Como razoável não é comprar a briga da Lava Jato de Curitiba contra Aras quando a primeira ordem de compartilhamento das informações foi assinada por ele próprio quando juiz. Verdade ou mentira?

Ou melhor: ordem não! Ele próprio observou que ela era desnecessária, uma vez que o compartilhamento era parte da regra do jogo.

Vamos ser claros? O conjunto da obra já é parte de sua pré-campanha à Presidência da República.

Ah, sim: ele nega que pretende disputar a eleição. Assim como negava que um dia pudesse assumir um cargo político.

E foi ser ministro justamente de quem não teve como concorrer com aquele que foi para a cadeia em razão de uma condenação sem provas, cuja sentença é de sua autoria.