Há um "Bolsonaro do social e do entendimento" em construção. Será que dura?
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Tudo indica que a popularidade de Bolsonaro parou de cair. E é provável que tenha se recuperado um pouco. Perdeu prestígio na classe média, mas aumentou a aceitação entre os mais pobres. Tudo ainda é muito ruim, mas é provável que já tenha sido pior. Os números autorizam a associar essa movimentação ao auxílio emergencial em razão da pandemia. Mas é provável que haja um pouco mais do que isso.
Desde a prisão de Fabrício Queiroz — ora em domiciliar, mas vai acabar voltando para a cadeia quando o caso retornar para mãos do juiz Flávio Itabaiana (e vai) se este não revogar a preventiva —, Bolsonaro mudou de prosa. Aliados seus, a exemplo de Roberto Jefferson, continuam a desferir ataques asquerosos ao Supremo e a figuras do Congresso, mas ele mesmo está calado, quieto. Parou, vamos ver por quanto tempo, de ser uma usina de crises. Aposentou a retórica golpista e tem se ocupado de atrair o centrão para o governo.
Isso se deu, num primeiro momento, tentando isolar Rodrigo Maia (DEM-RJ). O presidente da Câmara acomodou as saliências de um Arthur Lira (AL), líder do PP de Alagoas e com pretensões a disputar o comando da Casa, e evitou crispações. Tem experiência o bastante para saber a hora dos holofotes e a hora do recolhimento. Maia trabalhou firme e em silêncio em favor do novo Fundeb e obrigou o governo a aderir à proposta sob o risco da derrota.
Bolsonaro pode ter percebido que a pacificação requer ainda mais trabalho e mais articulação. Não basta distribuir cargos e paparicar esse ou aquele para isolar o presidente da Câmara. A votação do Fundeb, diga-se, evidenciou que isolado não estava. Muito pelo contrário. A vitória foi esmagadora. Menos beligerante, o presidente gera menos notícias negativas num país ainda tragado pela pandemia, com temores fundados de que uma segunda onda de contaminação possa estar em curso.
Não basta posar de bom moço. Precisará se afastar, ao menos publicamente, do reacionarismo mais fétido e contar com pessoas mais hábeis para atuar no Congresso. Até porque está para vir por aí o "Bolsonaro do Social", com o sequestro político do Bolsa Família, que, ampliado, pode se chamar Renda Brasil. Num país mergulhado na crise, é claro que terá um instrumento poderoso em mãos se contar com mais recursos do que o programa tem hoje. O presidente já percebeu que navegar nas águas dos R$ 600 rende mais popularidade do que fazer a apologia da morte.
Reitero: Bolsonaro não é previsível — e isso não é um elogio. Pode ter um chilique a qualquer momento a desandar a falar barbaridades. O fato é que, no momento, ele percebe a vantagem da retórica contida, de se articular com o Congresso, de se afastar de terceirizar a virulência, de explorar as ações de reparação social em curso, em vez de seguir Carlos Bolsonaro e classificar o auxílio emergencial de "socialismo", como esse gênio chegou a fazer...
Os que se opõem ao presidente, parece, devem refazer seus cálculos. E cumpre lembrar que também Paulo Guedes perdeu a parada do Fundeb — aliás, é o principal derrotado porque apegado até a última hora à perspectiva reacionária. Comportou-se como uma Bia Kicis que sabe fazer conta, ainda que para nada. Parece maluquice o que vou escrever? Vamos ver. Se preciso, até Guedes dança no esforço de Bolsonaro para se juntar ao povo...
"Ah, mas aí a Faria Lima lhe retira o apoio".
Quantos votos tem a Faria Lima?
Os valentes podem até entrar em polvorosa. Mas logo voltam a fazer contas.
Não amam Guedes, mas o prazer que ele proporciona...