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Reinaldo Azevedo

É preciso desmilitarizar a democracia brasileira. E a PEC proposta por Maia

Foto de autoria de Jair Cardoso virou símbolo de um governo sob a tutela dos militares. Em 1981, o ditador João Figueiredo aparece à frente de um militar batendo continência. O presidente também era um general. O poder era deles. Aquele tempo acabou. Mas existe um entulho autoritário que remanesce - Jair Cardoso/Jornal do Brasil
Foto de autoria de Jair Cardoso virou símbolo de um governo sob a tutela dos militares. Em 1981, o ditador João Figueiredo aparece à frente de um militar batendo continência. O presidente também era um general. O poder era deles. Aquele tempo acabou. Mas existe um entulho autoritário que remanesce Imagem: Jair Cardoso/Jornal do Brasil

Colunista do UOL

24/07/2020 09h05

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O presidente da Câmara, Rodrigo Maia (DEM-RJ), defendeu nesta quinta que o Congresso vote uma PEC (Proposta de Emenda Constitucional) regulamentando a atuação de militares da ativa no governo. Ele propõe que, ao fazer tal opção, o militar passe automaticamente para a reserva. Afirmou em conversa com a coluna de Gilberto Amado, da revista Época:

"Acho que essa questão de militares da ativa estarem no Poder Executivo em funções gratificadas, isso a gente vai ter que organizar melhor no futuro. Quem quiser vir no futuro para o governo das Forças Armadas vem. Mas vai precisar, sem dúvida nenhuma, automaticamente caminhar para a reserva."

E ainda:
"É bom que a gente construa [a mudança]. Não para agora, para não parecer que é contra o ministro A ou ministro B, ou assessor A ou assessor B, mas, um pouquinho mais na frente, acho que a gente vai ter que aprovar uma PEC para que quem vier para o mundo civil não possa estar na ativa. Não é bom. Não é bom para as Forças Armadas, não é bom para o Brasil."

É desnecessário dizer que concordo absolutamente com o presidente da Câmara. Fosse só pensar no mérito, divergiria sobre o tempo da mudança: é para ontem! Mas, claro!, entendo que há dificuldades políticas. E preciso que se construa uma maioria sólida para operar a mudança.

Há hoje 2.558 militares da ativa no Executivo. Alguns, vá lá, estão no Ministério da Defesa. Mas a verdade é que há — e falo eu, não o deputado — uma verdadeira colonização da gestão pelos militares. Somando-se com os da reserva, chega-se ao espantoso número de 6.157 pessoas.

DESMILITARIZAÇÃO
O Brasil precisa passar por um processo de desmilitarização do poder para que diminuam também as tentações de tutela. É preciso começar a debater o tema com urgência.

O deputado deixou claro que nada tem a opor à presença de militares da reserva na administração. Não acho que seja assunto assim tão pacífico, não! A categoria, cuja aposentadoria, agora, é a mais deficitária do país — embora se pretenda dar à coisa outro nome, aposentadoria é! —, já goza desse benefício porque se entende que tem mais restrições do que outras para, estando a serviço do Estado, cuidar de uma carreira ou de uma formação paralela.

Como se nota, são recompensados por isso. Quem mais se aposenta com a integralidade dos vencimentos no país, podendo, inclusive, contar com um serviço de saúde próprio, cuja qualidade é muito superior àquela de que dispõem os demais servidores?

FURAR O TETO
Privilégio gera privilégio, não é? O Ministério da Defesa pleiteou à Advocacia Geral da União um parecer favorável -- e o obteve, quando André Mendonça ainda estava lá -- a que militares da ativa e da reserva que estejam no governo possam ganhar mais do que o teto. Pois é... Não bastando (no caso dos que estão na reserva) a aposentadoria integral, aí se tenta burlar um dispositivo constitucional.

É claro que considero uma aberração.

"Ah, mas se fosse no setor privado..." Pois não! Então que escolham o setor privado.

PAPEL DOS MILITARES
É preciso que os militares desempenhem apenas a função que lhes reserva a Constituição. E isso não compreende participar do governo. Segundo define a Carta, as Forças Armadas são entes regulares e permanentes do Estado. Não podem servir a um governo.

E, se querem saber, oponho-me também a que a militares da reserva participem da administração. Levam consigo vocações corporativistas que não fazem bem nenhum ao Brasil.

Há muito a avançar no campo da "civilização do poder civil". E em diversas áreas.

O mau espírito que hoje toma as Polícias Militares de alguns Estados, por exemplo, está a nos dizer que precisamos também desmilitarizar as polícias, que têm de deixar de ser forças auxiliares e reserva do Exército. Este é talhado para a guerra e para a defesa da soberania contra força estrangeiras; aquelas cuidam da segurança pública. Misturam-se alhos com bugalhos e, mais uma vez, abre-se o flanco para a tentação da tutela.

Precisamos democratizar a democracia brasileira. Que outro exemplo se conhece de sistema digno desse nome em que militares da ativa servem ao governo de turno e em que os policiais são forças auxiliares e reserva de um ente talhado para a guerra?

Cada um no seu quadrado.