O Congresso não pode ser invadido pela PF; os mandados são uma aberração
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A Câmara dos Deputados entrou com duas Reclamações no STF pedindo a suspensão das ações de busca e apreensão nos respectivos gabinetes do deputado Paulinho da Força (SD-SP) e Rejane Dias (PT-PI). Na verdade, o que se pretende e que tal procedimento só possa ser posto em prática com autorização do Supremo. Vamos ver.
O que está em curso é uma aberração, decorrente da votação de uma Questão de Ordem proposta pelo ministro Roberto Barroso no julgamento da Ação Penal 937. Em maio de 2018, estabeleceu-se, então, que parlamentares mantêm foro especial apenas para crimes cometidos no curso do mandato e em razão deste. O que for diferente disso segue para a primeira instância.
Antevi em dezenas de textos a confusão. E ela está aí e tende a se agravar. Os 594 parlamentares da República — 513 deputados e 81 senadores — estão expostos aos juízos singulares de mais ou menos 17 mil juízes. "Oh, Reinaldo, os parlamentares não se submeterão ao escrutínio de todos eles". É verdade! Que tal, deixem-me ver, 10, 15 ou 20?
No ano anterior, na votação da Ação Direta de Inconstitucionalidade 5.526, concluída no dia 11 de outubro de 2017, a maioria do tribunal havia entendido que medidas cautelares diversas da prisão, previstas do Artigo 319 do Código de Processo Penal, podem ser aplicadas pelo Judiciário. Se, no entanto, implicarem prejuízo no exercício do mandato, têm de ser necessariamente submetidas ao plenário da respectiva Casa.
É claro que o tribunal terá de harmonizar a decisão de 2017 com a aberração aprovada em 2018 — que aprovada está, e não vejo chance de que se volte atrás para fazer o certo. Por que chamo aberração? Justamente porque expõe parlamentares à sanha de inquéritos malfeitos Brasil afora — e há coisas de arrepiar o cabelo — e a juízes de primeiro grau nem sempre pautados pela temperança. Voltarei ainda ao ponto.
MANDADO DE BUSCA E APREENSÃO É MEDIDA CAUTELAR?
Não! O mandado de busca e apreensão não é uma das medidas cautelares do Artigo 319. Uma coisa, no entanto, é certa: ele prejudica efetivamente o desempenho do parlamentar, privando-o de instrumentos e documentos necessários ao exercício do seu mandato.
Ou por outra: a tese de Barroso — ruim, mas que saiu vitoriosa — quer separar da pessoa o seu mandato: este é que teria foro especial, não aquela. Pois bem: quando a Polícia Federal chega ao gabinete e faz a limpa, levando computadores, laptops, pastas, arquivos — afinal, ninguém sabe direito o que pegar —, cabe que se indague a Barroso: quem está sendo prejudicado? O indivíduo ou o parlamentar? A resposta é óbvia. E, pois, por extensão, também perdem os eleitores que escolheram a pessoa em questão como sua representante.
A mudança de foro decidida pelo Supremo já foi esdrúxula porque o foro especial, a depender da função, está previsto em vários artigos da Constituição. Não era cláusula pétrea. Poderia ser mudado. Mas haveria de ser por meio de Proposta de Emenda Constitucional, nunca por intermédio de uma mera Questão de Ordem.
OS MANDADOS
No caso do senador José Serra (PSDB-SP), não houve a invasão do gabinete porque Davi Alcolumbre (DEM-SP), presidente da Casa, resistiu à investida da Polícia, recorreu ao Supremo, e Dias Toffoli, presidente do STF no exercício do plantão, concedeu uma liminar contra a medida. A coisa, no entanto, é de tal sorte amalucada que a casa da ex-mulher do senador, em São Paulo, foi alvo de dois mandados de busca e apreensão em 18 dias -- em razão de processos distintos na primeira instância: um na Justiça Eleitoral e outro na Comum.
Atenção! Num dos casos, o senador é acusado de ter recebido da Odebrecht doação pelo caixa dois nos anos de 2006 e 2007. O crime eleitoral já está prescrito. Mas aí se apontou uma suposta movimentação em 2014, pespegou-se uma acusação de lavagem de ativos. Se não é inédito, é de uma heterodoxia espetacular: o MP apresentou a denúncia no mesmo dia em que se executou o mandado de busca e apreensão. Foi denunciado sem nem sequer ter sido ouvido.
Na segunda expedição contra Serra — aí tentando entrar em sua gabinete —, fala-se de caixa dois na campanha eleitoral de 2014. Há seis anos, portanto.
CASO PAULINHO
O gabinete do deputado Paulinho da Força (SD-SP) foi invadido sem qualquer solenidade, por ordem de um juiz de primeiro grau. Nem mesmo se pediu autorização a um ministro do Supremo, como se viu no caso da deputada Rejane Dias. Atenção! A investigação diz respeito a fatos supostamente ocorridos nos anos de 2010 e 2012 -- respectivamente, há dez e 8 anos.
CASO REJANE
As acusações contra a deputada Rejane Dias estão relacionadas a supostas ocorrências havidas entre 2015 e 2017. Nesse caso, a ministra Rosa Weber se limitou a seu entendimento estreito sobre o fim do foro especial. Para ela, se imputações anteriores ao mandato e não relacionadas a ele estão com o juízo de primeiro grau, este é soberano para agir e pronto! Nada de STF.
Ora, se é assim, juízes de primeiro grau dispõem de poderes, inclusive, para aplicar aos parlamentares federais medidas cautelares. Só não podem mandar prender porque o Artigo 53 da Constituição só permite a prisão de deputado ou senador em caso de flagrante de crime inafiançável — prisão que tem de ser referendada pelo plenário da Casa da respectiva Casa.
AUGUSTO ARAS E O TEMPO
A coisa é tão exótica que, no debate de que participou com o grupo Prerrogativas, Augusto Aras afirmou sobre Rejane:
"Eu fui contra aquela busca e apreensão por falta de atualidade dos fatos", afirmou Aras. "[A busca e apreensão] visava alcançar documentos de mais de seis anos."
E, aqui, chegamos a outro ponto: com ou sem autorização do Supremo, a verdade é que há um abuso escandaloso dos mandados de busca e apreensão, o que sempre rende bastante notícia na imprensa, não é mesmo?
Fazer mandado de busca e apreensão para tentar encontrar provas de supostos crimes ocorridos há cinco, seis, 10 anos é coisa do balacobaco. A Polícia invadir o Parlamento com essa tarefa é um acinte, uma agressão à separação entre os Poderes.
A Polícia só poderia atravessar a soleira da porta com esse intuito se a apuração conduzisse à certeza razoável de que o gabinete esconde provas de crimes que estão em curso. Do modo como as coisas estão sendo feitas, o que se tem é apenas o arreganhar de dentes do Ministério Público e da Polícia para o Congresso Nacional, no trabalho de sempre de depredar as instituições.
É indecente expedir um mandado de busca e apreensão para encontrar indícios de crimes com essa antiguidade. Se, no entanto, acontecer, é preciso que se tenha a autorização do Supremo e, sim, senhores!, entendo eu, das respectivas Mesas da Câmara ou do Senado.
CORNETEIROS
Adivinhem quem foi ao Twitter para atacar a decisão de Dias Toffoli e os recursos da Câmara contra as invasões de gabinete? Ora, o "Robito" -- o procurador da Lava Jato de Curitiba Roberson Pozzobon. É aquele que debateu com Deltan Dallagnol um jeito de ganhar muito dinheiro com palestras em razão da projeção que lhes deu a Lava Jato...
Escreveu, sendo retuitado por Dallagnol:
E não é que estão tentando criar o foro 1/2 privilegiado mesmo?
Digo, HIPERPRIVILEGIADOR!?
Ao mesmo tempo:
- medidas cautelares dependeriam da apertada agenda do #STF
- o parlamentar condenado teria QUATRO graus p/ recorrer
Acha que não pode piorar?
Eis aí. Falam fora dos autos os donos da verdade.
A Lava Jato precisa manter todos os políticos como inimigos do povo em busca da impunidade para que triunfe a única verdade sobre a Terra: a da Lava Jato.
Só assim essas estrelas poderão dar muitas palestras e ficar bem ricos num país de miseráveis.
Conseguiram, desse modo, eleger Bolsonaro. O esforço, agora, é tentar eleger Sergio Moro.
ENCERRO
O que está em curso no Congresso é uma aberração. O Poder Legislativo, em razão de uma mudança cartorial sobre o foro, promovida ao arrepio da Constituição, está à mercê de milhares de delgados de polícia e de juízes de primeira instância. São más pessoas? Alguns sim, outro não. O ponto não é esse. A questão é saber se o Congresso brasileiro pode ser submetido a essa insegurança.
A resposta, obviamente, é não!