Covid-19: ranking do general é uma farsa. SP: 19º em casos e 14º em óbitos
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Há muito tenho procurado desfazer o mito alimentado por alguns de que os militares de alta patente, da reserva ou não, que estão no governo lhe garantem seriedade, honradez e elevação moral. Em primeiro lugar, não há nenhuma razão intrínseca para que militares sejam mais decentes do que civis. Em segundo, como esses fardados estão obviamente fora do lugar, sentem a inevitável tentação da autojustificação, buscando transferir a incompetência para ombros alheios.
Sabem, afinal de contas, que, episodicamente, estão por cima da carne preta e morta, mas a história há de pressionar os ombros das Forças Armadas com o peso de um genocídio. Sem metáfora e sem hipérbole. Podem, por um tempo, garantir a narrativa, como virou moda dizer hoje em dia. Mas dá para saber desde já que isso não vai durar para sempre. Assim, à indignidade homicida já em curso, outras tantas vão se juntando.
O general Luiz Eduardo Ramos é secretário de governo. É o homem que responde pela coordenação política. Saiu de sua pasta um ranking sobre a Covid-19 que é de uma indecência escandalosa até para os padrões já bastantes rebaixados desse governo. E assim é por duas razões principais, entre outras tantas:
a) o levantamento é absolutamente irrelevante para combater a doença ou entender a sua evolução;
b) é feito para demonizar os adversários políticos do Planalto.
Assim, conclua-se desde já que o governo está apenas a exercitar, mais uma vez, aquilo que tem feito de maneira sistemática desde março: necropolítica. Transforma a morte de milhares de brasileiros — e muitos outros estão na fila da tragédia — em política mesquinha.
O que fez o general?
Resolveu vincular diretamente o nome de governadores a "Novos Óbitos" provocados pela Covid-19 e a "Novos Casos". Na trapaça saída da Secretaria de Governo, quem aparece em suposta pior situação é o oposicionista João Doria. O Estado de São Paulo fica em 1º lugar no Top 5 nos dois critérios. Na lista de "Novos Casos", é seguido por Rio Grande do Sul, Bahia, Minas e Santa Catarina. Na de "Novos Óbitos", por Minas, Rio Grande do Sul, Goiás e Bahia.
O Top 5 das capitais indica "Total de Casos Confirmados". E, claro!, São Paulo lidera, seguida por Brasília, Rio, Salvador e Fortaleza. Os respectivos nomes dos prefeitos lá estão registrados. Ibaneis Rocha, no entanto, governador do Distrito Federal, não é citado. Apenas se especifica "Brasília".
Trata-se um relatório multiplamente porco e canalha:
1: o ranking não leva em conta a população; qualquer levantamento honesto tem de abordar número de casos e mortos por 100 mil habitantes;
2: é evidente que o Estado de São Paulo e sua capital sempre vão liderar a lista em números absolutos. Com 46 milhões de habitantes, o Estado abriga 22% da população do país; com 12,25 milhões, a cidade reúne mais de 5,8% dos brasileiros;
3: envia-se na segunda um ranking com números absolutos de sábado; mais: a clivagem para estados é diferente da clivagem para municípios;
4: Brasília, que se supõe ser o "Distrito Federal", tem de estar na lista dos Estados, não das cidades;
5: o único intuito do relatório picareta é demonizar opositores -- particularmente João Doria.
Quando se faz a coisa certa, que é o levantamento por 100 mil habitantes, o Estado de São Paulo está em 19º lugar em número de casos (1.319). O Distrito Federal, do aliado Ibaneis Rocha, cujo nome não aparece na lista do general, está em terceiro: 4.181 — mais do que o triplo. Em óbitos acumulados por 100 mil, o estado de São Paulo está em 14º lugar.
É um acinte que um documento com essas características saia do Planalto. Estamos lidando com um governo que atua contra os Estados e que pensa unicamente em se eximir de responsabilidades, tentando atribuir a outros a marca da tragédia.
Embora o distanciamento social tenha deixado a desejar em São Paulo, é fato que houve empenho da administração. E os números indicam que, dadas as circunstâncias, cidade e Estado têm tido um desempenho satisfatório no combate à doença. Especialmente quando enfrenta, como se nota, a sabotagem aberta do governo federal.
Para lembrar: na reportagem da revista Piauí, Ramos é retratado como um daqueles que flertaram com a suposta disposição do presidente Jair Bolsonaro de mandar tropas para fechar o Supremo. Destaque-se que não houve desmentido peremptório. Seu ranking é compatível com esse padrão moral.