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Reinaldo Azevedo

Mulher de amigo e parceiro de Deltan me condena em ação movida por Deltan!

Certidão de casamento da juíza Sibele Lustosa, que me condenou, com Daniel Holzmann Coimbra, amigo e parceiro de Deltan Dallagnol em Curitiba - Reprodução
Certidão de casamento da juíza Sibele Lustosa, que me condenou, com Daniel Holzmann Coimbra, amigo e parceiro de Deltan Dallagnol em Curitiba Imagem: Reprodução

Colunista do UOL

04/09/2020 07h46

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Não faço proselitismo com questões judiciais que me envolvam, pouco importando se sou o querelante ou o querelado. Quando, no entanto, o devido processo legal pode estar sendo maculado, aí, meus caros, é, sim, o caso de romper o silêncio.

Reproduzo trecho da minha coluna na Folha desta sexta intitulada "Fui condenado pela mulher do amigo de Dallagnol". Volto em seguida.
*
(...)
O procurador da República Deltan Dallagnol, ex-coordenador da Lava Jato em Curitiba, decidiu me processar por danos morais. Escolheu um caminho que constitui o que considero um truque. Fui condenado a lhe pagar R$ 35 mil. (...) Sibele Lustosa, a juíza de direito que me condenou, é mulher do procurador da República Daniel Holzmann Coimbra, que trabalha com Dallagnol na Procuradoria da República no Paraná. São parceiros e amigos. Parece-me certo (...) que Sibele deveria ter-se dado por suspeita para julgar o caso.
(...)
Numa democracia, têm de valer as regras do jogo. Dispõe o inciso I do artigo 145 do Código de Processo Civil: "Há suspeição do juiz [quando] amigo íntimo ou inimigo de qualquer das partes ou de seus advogados". Obviamente, não sou inimigo da juíza Sibele, mas ela é mulher do amigo da outra parte.
(...)

RETOMO
Não é só o laço de amizade que incomoda nesse caso. Há um outro aspecto que, segundo entendo, agride fundamentos do bom direito.

Dallagnol acha que fui além do que me garante a liberdade de expressão? Recorrer à Justiça é um direito que também assiste procuradores da República — inclusive ele próprio, sempre tão loquaz nas redes sociais.

Ocorre que o doutor não escolheu o caminho da Justiça Comum. Preferiu apelar ao 6ª Juizado Especial Cível de Curitiba, que é o antigo Juizado Especial de Pequenas Causas, onde despacha a juíza Sibele.

Nesse caso, não tenho como apelar à segunda instância: o Tribunal de Justiça. O duplo grau de Jurisdição se dá numa Câmara Recursal, formada por juízes de primeira instância do Paraná. Caso confirmem a sentença, a única chance é apelar ao Supremo por intermédio de um Recurso Extraordinário.

Goste ou não o procurador de coisas que escrevi sobre a sua atuação, tratar uma questão que diz respeito à liberdade de expressão — uma garantia constitucional — e à eventual transgressão de seus limites como "pequena causa" escarnece, parece-me, de um direito fundamental.

Quando o ministro Celso de Mello, do Supremo, concedeu duas liminares suspendendo o julgamento de Dallagnol pelo Conselho Nacional do Ministério Público, escreveu em uma delas:
"qualquer medida que implique a inaceitável proibição ao regular exercício do direito à liberdade de expressão dos membros do "Parquet" revela-se em colidência com a atuação independente e autônoma garantida ao Ministério Público pela Constituição de 1988."

E na outra:
"Há que se considerar, por isso mesmo, que um Ministério Público independente e consciente de sua missão histórica e do papel institucional que lhe cabe desempenhar, sem tergiversações, no seio de uma sociedade aberta e democrática, constitui a certeza e a garantia da intangibilidade dos direitos dos cidadãos, da ampliação do espaço das liberdades fundamentais e do prevalecimento da supremacia do interesse social"

Que coisa!

Dallagnol tem poder de polícia, eu não. Dallagnol pertence ao ente que detém o monopólio da ação penal, eu não. Dallagnol pode mandar investigar pessoas, eu não. Dallagnol pode denunciar pessoas, eu não. Dallagnol pode conceder entrevistas — não deveria poder — tratando simples investigados como condenados, eu não...

Isso faz dele um homem de Estado. A reforma administrativa que vem aí mantém intocado o MPF, com todos os seus privilégios, porque se trata, considera-se, de uma "carreira de Estado".

Justamente porque concentra todo esse poder, entendo que só deveria falar nos autos, já que suas atribuições fazem dele uma autoridade. Mas ele sempre atuou sem levar em consideração certos limites. E, a triunfar a vontade de Celso de Mello, nem ele nem seus pares terão qualquer pejo em demonizar, se necessário, até mesmo os colegas de tribunal do ministro.

No dia 22 de julho, criticando decisão de Dias Toffoli, presidente do STF, escreveu nas redes sociais:
"Independentemente de sua motivação, a qual não se questiona, tem por efeito dificultar a investigação de poderosos contra quem pesam evidências de crimes."

Um procurador considera que apenas exercita a liberdade de expressão ao afirmar que decisão do presidente da corte constitucional beneficia criminosos. E tem a certeza de que nada acontecerá. Porque tal certeza o acompanhou por longos seis anos. Só o recurso da defesa de Lula ao CNMP teve o julgamento adiado 42 vezes — até que viesse a prescrição.

COM O JORNALISMO, É DIFERENTE
O que reivindica para si, pelo visto, não vale para jornalistas que não têm poder nenhum -- aos menos para um jornalista que tem a ousadia, que talvez pretende que seja vista como imprudência, de criticar a sua atuação.

Como se vê, não tive a sorte de encontrar um Celso de Mello no 6ª Juizado Especial Cível de Curitiba. Em vez disso, topei com a juíza que é mulher de seu amigo e parceiro.

INTIMIDAÇÃO
Recorrerei da decisão enquanto recurso houver. Ser um crítico da Lava Jato já me custou dois empregos, com o vazamento canalha de uma conversa com uma fonte que, como é público, notório e conhecido, nada trazia de suspeito, impróprio, inconveniente ou ilegal. Atrevi-me, numa conversa privada, a críticar uma reportagem de um veículo -- no caso, a Veja -- que então hospedava meu blog.

Agora, vem essa ação, com as características acima elencadas. Sim, meu blog e meu programa de rádio integraram o consórcio de veículos que publicaram reportagens sobre a Vaza Jato.

A operação também não engole o fato de que, não sendo eu um jornalista ou militante de esquerda, conhecido por ser um crítico histórico do PT, tenha ousado pôr o dedo na ferida: Lula foi condenado sem provas. E segue sem resposta meu desafio para que me digam em que página da sentença de Sergio Moro elas aparecem.

Fiz, como todo mundo, minhas escolhas e tenho as minhas convicções, que não escondo de ninguém. O meu compromisso fundamental, pouco importando minhas afinidades eletivas, é com o estado democrático e de direito, exigindo que se cumpram as formalidades e as regras do devido processo legal.

E, como fica a cada dia mais claro, esses pilares são incompatíveis com a Lava Jato. Por isso eu virei um alvo.

Não vou desistir. Não busco o berço do herói. Busco um país que valham as regras do jogo.

Os dias andam rombudos, sim. Como digo na minha coluna na Folha, o "fumus boni juris" se transformou, por aqui, numa fumaça tóxica "em que se misturam voluntarismo, direito criativo e, muitas vezes, corporativismo e compadrio."

O jeito é enfrentar.

Considero que se trata de mais uma concertação que busca intimidar também a imprensa. "Ah, Reinaldo, você é o único processado por um procurador da Lava Jato". Deve ser verdade. Mas entendo que "a liberdade é, e será sempre, a liberdade de quem discorda de nós". Vejam só! Citei Rosa Luxemburgo, uma comunista! No caso, ela estava discordando de Lênin...

Por óbvio, ninguém esperava que Dallagnol fosse processar um jornalista que concorda com ele, não é mesmo?

A íntegra da coluna na Folha está aqui.