Topo

Reinaldo Azevedo

Placar acachapante de punição a Bretas indica que a Justiça ainda respira

O juiz Marcelo Bretas e o desembargador Ivan Athiê: o segundo foi o relator da punição ao primeiro, imposta por quase unanimidade - André Dusek/Estadão; Tomaz Silva/Agência Brasil
O juiz Marcelo Bretas e o desembargador Ivan Athiê: o segundo foi o relator da punição ao primeiro, imposta por quase unanimidade Imagem: André Dusek/Estadão; Tomaz Silva/Agência Brasil

Colunista do UOL

18/09/2020 05h28

Receba os novos posts desta coluna no seu e-mail

Email inválido

O Órgão Especial do Tribunal Regional Federal da Segunda Região marcou nesta quinta-feira um tento importante em favor da democracia, do estado de direito, do devido processo legal e do decoro. Puniu, por 12 votos a 1, o juiz Marcelo Bretas, titular da 7ª Vara Federal do Rio, com a pena de censura. André Fontes se deu por suspeito. Assim, dos 14 votos possíveis, apenas um — Alcides Martins — não viu nada de errado na atuação do juiz.

Mas o que foi mesmo que Bretas fez? No dia 15 de fevereiro, Bolsonaro visitou o Rio para uma jornada de atividades. O buliçoso juiz foi recebê-lo na base aérea do Aeroporto Santos Dumont e passou a integrar a comitiva presidencial. Participou de um culto evangélico ao lado de Bolsonaro e de outros políticos — incluindo o prefeito Marcelo Crivella — e da inauguração de uma obra. Na sequência, fez amplo proselitismo nas redes sociais exaltando os eventos e destacando os políticos presentes — entre eles, diga-se, estava a deputada Flordelis...

A OAB entrou com uma representação junto ao Conselho Nacional de Justiça pedindo que o juiz fosse investigado sob a suspeita de atuação político-partidária e por "autopromoção e superexposição".

Antes que avance, é preciso desfazer uma ilação mentirosa que o lavajatismo vem espalhando por aí. Quem determinou a investigação foi o ministro Humberto Martins, que era então corregedor do CNJ e que agora preside o Superior Tribunal de Justiça. Eduardo Martins, filho do ministro, é um dos investigados pela espetaculosa operação "E$quema S", de que Bretas é juiz.

Certa canalha está acusando o ministro de se vingar de Bretas. É uma estupidez maliciosa. Martins determinou em maio que o TRF-2 investigasse a conduta de juiz. A tal operação só foi deflagrada no dia 9 deste mês. A menos que fosse um adivinho, o ministro não tinha como saber o que aconteceria quatro meses depois.

Há uma outra mentira em curso nas milícias lavajatistas. O TRF-2 estaria punindo Bretas porque a advogada Ana Basílio, mulher do desembargador André Fontes, também é alvo da tal operação. Outra vigarice! O relator da matéria, Ivan Athiê, anunciou que seu voto estava pronto no dia 2. O tema entrou na pauta no dia 4, com a definição da data do julgamento; esta quinta. E a operação só foi desfechada, insista-se, no dia 9. Assim, por óbvio, o que veio depois não pode ser causa do que veio antes. Fontes, ademais, deu-se por suspeito e não votou.

Athiê recusou a imputação de atuação político partidária, mas deixou claro não haver dúvida de que Bretas incidiu em "autopromoção e superexposição" em prejuízo do Poder Judiciário.

Afirmou Athiê:
"Um juiz experiente e bem preparado, não é possível que não imaginasse a repercussão que se daria. Não há nada que justifique, se não a intenção de superexposição e autopromoção, subir em palanque de obra pública com o presidente da República em situação que nada tem a ver com o Judiciário".

Publico neste post o vídeo do julgamento, realizado em sessão a distância. No embasamento do seu voto, a partir de 24min25s, o relator leu boa parte de um artigo que publiquei nesta página no dia 17 de fevereiro. Escrevi então:
"Eis aí, agora sem máscaras, no que se transformou a, como é mesmo?, maior operação de combate à corrupção do mundo. Um ex-juiz -- Sergio Moro -- ainda incensado pelo moralismo chinfrim de setores da imprensa, é hoje peça central na articulação da extrema-direita mais truculenta.

Um ainda juiz desafia regras fixadas pelo Conselho Nacional de Justiça e, de olho numa indicação para o STF ou numa futura carreira política — a ver —, dedica-se a todas as variações dos rapapés, dos salamaleques e do puxa-saquismo.

(...)
É claro que Bretas está mandando o CNJ plantar batatas, na certeza de que nada vai lhe acontecer. Uma outra consequência da "nova legalidade" que a Lava Jato implantou no Brasil consiste em alçar alguns valentes à condição de pessoas inalcançáveis por regras, códigos, leis e pela própria Constituição."

A punição de censura é a segunda mais leve que pode ser aplicada a um juiz. O único malefício que lhe advém é não poder ser promovido no intervalo de um ano. Mas ela fica em sua folha de serviços e passa a ser considerada numa eventual outra transgressão. O sinal está dado. E por um placar bastante eloquente.

"Ah, a Lava Jato perdeu..." Caso se entenda por isso "os vícios da Lava Jato", então é mesmo verdade. Vejo de outro modo: a Lei Orgânica da Magistratura e as regras do jogo democrático venceram por 12 a 1. E fico feliz de ter participado do resultado. Minha colaboração se resumiu a escrever um texto, ainda em fevereiro, lido pelo relator nesta quinta, apontando a nudez ética do juiz,

Não! Eu não estou feliz com a punição a Bretas. Ele me é irrelevante. Aplaudo o respeito às regras do jogo. No dia em que juiz puder se comportar como popstar, será o caso de indagar quando Anitta passará a fazer uso da toga. E não escrevo isso como demérito à artista. Poderia julgar com muito mais propriedade do que alguns juízes amostrados que andam por aí, incapazes de citar de memória ao menos 10 artigos da Constituição. Dez? Exagero! Cinco que fossem... É que estão muito ocupados dando pinta no Twitter, no Instagram, no Facebook ou expondo seus músculos por aí. Livros é que não seriam...