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Reinaldo Azevedo

Abaixo Vieira! Eis o "Sermão de São Paulo Guedes aos Tubarões". Ou DigiCPMF

Padre Vieira, que escreveu "Sermão de Santo Antônio aos Peixes". Não poderia adivinhar que um dia haveria aquele que pregaria aos tubarões. No destaque, Paulo Guedes - Reprodução
Padre Vieira, que escreveu "Sermão de Santo Antônio aos Peixes". Não poderia adivinhar que um dia haveria aquele que pregaria aos tubarões. No destaque, Paulo Guedes Imagem: Reprodução

Colunista do UOL

30/10/2020 06h45

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Podem pôr o burro na sombra e preparar os celulares. O "Digitax", a taxa digital — mais severa do que a CPMF — vem aí, e isso é certo como a luz do dia. Terá esse nome? Não sei. Caso se chame "Jurandir", terá igual perfume. Será que o Congresso barra? Paulo Guedes está armando a cama de gato para a pobrada.

A coisa virá embaladinha na propaganda da "substituição tributária". Vai se vender a ideia de que não há aumento da carga, mas apenas uma substituição de impostos.

No seu ataque de fúria no Congresso, Guedes resolveu chutar o balde. Não havendo imposto, não há desoneração da folha de salários. Na sua cabeça, isso é uma troca justa: as empresas pagam menos impostos, e a queda nessa arrecadação será compensada — e pode ser com muita folga — pela "Digitax" — ou, sei lá, "Gislaine"...

Assim, Guedes mobiliza o empresariado — em princípio, avesso a mais impostos — em favor da sua CPMF. Nem poderia ser diferente: estariam pagando menos, enquanto os porteiros, sorveteiros e engraxates, pagando mais. Com a implementação do Pix, que é um avanço, tudo ficará mais fácil. Havendo a Digitax — ou "Lúcio" —, toma-se um Chicabon e pimba! Pinga um dinheirinho para o governo.

Mas o que a sociedade ganha com isso? No papel, com a desoneração da folha de salários, as empresas contratariam mais. Já não deu certo no passado. Quem sabe dê agora... O que é sabido é que elas contratam mais quando aumenta a demanda para seus produtos e precisam produzir mais, crescer e, por consequência, contratar.

As desonerações da folha havidas no governo Dilma certamente colaboraram para diminuir dívida de algumas empresas e ajudaram outras a fazer caixa. Só não geraram empregos. E isso é apenas um fato. O resto da economia não ajudava. E aqui se tem um paradoxo: quando o resto da economia ajuda, a desoneração não é necessária.

Sim, Jair Bolsonaro já disse: não haverá elevação da carga tributária, mas passou a flertar com a tal "substituição de impostos". Que fique claro: essa substituição está assim sendo entendida: alguns graúdos pagarão menos na suposição de que vão estimular a economia, e o povaréu compensa.

Não! A ideia do imposto digital não foi aposentada coisa nenhuma. E próprio Guedes deixou isso claro. Afirmou:
"Quem sabe eu tenha que parar de falar desse imposto mesmo? Inclusive, estamos em véspera de eleição, e quero declarar o seguinte: esse imposto considera-se morto, extinto".

Entenderam?

Guedes quis dizer o seguinte: "Como estamos em período eleitoral, vou enganar vocês e dizer que o imposto está morto".

Mas é mentira. Está mais vivo do que nunca.

No Sermão de Santo Antônio aos Peixes, escreveu Padre Vieira:
"A primeira cousa que me desedifica, peixes, de vós, é que vos comeis uns aos outros. Grande escândalo é este, mas a circunstância o faz ainda maior. Não só vos comeis uns aos outros, senão que os grandes comem os pequenos. Se fora pelo contrário, era menos mal. Se os pequenos comeram os grandes, bastara um grande para muitos pequenos; mas como os grandes comem os pequenos, não bastam cem pequenos, nem mil, para um só grande."

O pregador, claro, apelava a uma metáfora e falava aos homens. Censurava, então, os poderosos por tirar proveito dos pequenos.

Na sua genialidade tributária, que ele diz ser de corte liberal, Guedes busca um jeito de desonerar os tubarões. Afinal, há tantos peixes pequenos para dividir a carga, não é mesmo?

É preciso que apareça alguém para escrever o "Sermão de São Paulo Guedes aos Tubarões".