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Reinaldo Azevedo

Ataque de Trump é golpista e pode ser tido como conspiração. Medo da cadeia

Foto eloquente de Carlos Barria, da Reuters, registra Trump no momento do discurso golpista, com a indicação da porta de saída - Carlos Barria/Reuters
Foto eloquente de Carlos Barria, da Reuters, registra Trump no momento do discurso golpista, com a indicação da porta de saída Imagem: Carlos Barria/Reuters

Colunista do UOL

06/11/2020 08h04

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A democracia americana sofreu o ataque institucional mais sério de sua história na noite desta quinta-feira. E o promotor da patuscada foi ninguém menos do que o presidente da República, Donald Trump. Na sala de imprensa da Casa Branca — utilizando-se, pois, do formidável aparato de que dispõe o chefe da nação e que o protege —, Trump voltou a se dizer o vitorioso nas eleições e apontou a existência de um grande complô dos democratas, da mídia, dos ricos e de grandes empresas para fraudar o pleito.

Provas? Ele não apontou nenhuma além das teorias conspiratórias habituais. A coisa foi tão ridícula e acintosa que as três maiores emissoras de TV dos EUA interromperam a transmissão e classificaram o discurso segundo aquilo que escancaradamente é: mentiroso.

O bufão está pondo em prática o que era, na verdade, um plano: ele já havia antecipado a estratégia de judicializar a disputa e contestado previamente o grande número de votos enviados pelo Correio, uma prática comum dos EUA. Percebeu, e a própria imprensa havia noticiado, que a maioria desses votos era destinada ao adversário democrata, Joe Biden.

Trata-se de um discurso golpista, disparado de dentro da Casa Branca, que poderia ser considerada, por assim dizer, a sede de uma espécie de República Federativa do Ocidente.

Ouvimos, assistimos e lemos, ao longo de quatro anos, a uma sucessão impressionante de delinquências intelectuais e morais vomitadas por uma celebridade exótica, que exibe, para olhos especializados, sinais clínicos de mitomania, egocentrismo e alheamento da realidade. É provável que tenha ido longe demais desta vez.

Lideranças do próprio Partido Republicano criticaram a fala do presidente. Para Larry Logan, que governa Maryland, Trump está "minando o processo democrático". E acrescentou no Twitter: "Os EUA estão contando os votos e devemos respeitar os resultados como sempre fizemos. Nenhuma eleição ou pessoa é mais importante do que nossa democracia".

Chris Christie, ex-governador de Nova Jersey, foi ao ponto: "Não é o tipo de decisão que você esperaria que alguém tomasse, considerando o cargo que ocupa."

"Contar cada voto é o cerne da democracia. Tenha fé na democracia, em nossa Constituição e no povo americano", escreveu no Twitter o senador Mitt Romney, de Utah, que foi derrotado, com dignidade, por Barack Obama na reeleição de 2012.

Cabe uma pergunta: além da estupidez habitual, não teria Trump outras preocupações? Não são poucos os que apontam o risco efetivo de que, fora da Presidência, ainda acabe na cadeia em razão de processos por fraude bancária, lavagem de dinheiro e uso da Presidência para obter vantagens pessoais. Reportagem do New York Times, por exemplo, evidenciou, sem contestação, que ele não pagou Imposto de Renda em 10 dos 15 anos anteriores à sua chegada à Casa Branca.

O ataque de agora às eleições atinge a chamada "confiança no sistema", tão cara aos americanos. Não se descarte que se possa encontrar um caminho para acusá-lo daquilo que, convenham, efetivamente está praticando: conspiração.