Topo

Reinaldo Azevedo

Vive-se um dos momentos mais delicados da pandemia em terras nativas

iStock
Imagem: iStock

Colunista do UOL

28/01/2021 06h12

Receba os novos posts desta coluna no seu e-mail

Email inválido

O Brasil pode estar vivendo o momento mais delicado da pandemia desde que o primeiro doente foi identificado por aqui. E justamente quando a vacinação já começou. E, como é evidente, isso se deve à ausência de governo. Ou melhor: à presença. O governo federal atrapalha.

O número diário de novos casos e mortes voltou ao patamar dos tempos em que se imaginava ser o pico. A segunda onda não é mais uma ameaça. Está aí. E a situação pode piorar a depender do que aconteça no Carnaval.

Todos os avisos e alertas feitos pela imprensa — jamais pelo Ministério da Saúde — sobre os riscos das festas de fim de ano foram ignorados por amplas camadas da população. O resultado se conta em corpos. O caos no sistema de Saúde não se generalizou, por ora ao menos, porque, ainda que hoje minoritários, milhões de brasileiros desafiam a orientação oficial e insistem em seguir as regras do distanciamento social.

Mas o Carnaval está chegando. Mesmo sem os eventos oficiais, o feriado prolongado — habitualmente marcado por um, digamos, relaxamento nas restrições de costume (e costumes) — pode ter um efeito devastador no sistema de Saúde, que é a vítima principal do coronavírus.

Só precisamos da vacinação em massa porque não temos como abrir mão da vida em sociedade. Se as pessoas reduzissem sua existência social e econômica ao essencial, a doença continuaria matando. Mas o contágio estaria num nível menos elevado, e haveria menos vítimas.

O esforço dos sensatos é para que se evite aquilo que é evitável — o que, certamente, torna a vida mais aborrecida. Como se constata, a tarefa não tem sido fácil. Entre outras razões porque o governo federal é o primeiro a sabotar os esforços de distanciamento social.

A imunização já começou — e o mérito, como é evidente, é do governo de São Paulo. Irrito-me um tanto quando tentam repartir a responsabilidade pela politização da doença entre Jair Bolsonaro e João Doria. Que mal fez o governador? Investir na vacina? Obrigar o Planalto a se mexer ao marcar uma data para o início da vacinação — que acabou sendo antecipada?

A ordem dos fatos indica que, não tivesse Doria sabido usar a favor da imunização a legislação da pandemia, o país estaria entregue apenas ao negacionismo homicida do governo federal. Como esquecer que, em reunião virtual com governadores, no dia 8 de dezembro, este estupefaciente Eduardo Pazuello previu que a Anvisa levaria, no mínimo, 60 dias para aprovar o uso de qualquer imunizante? No seu calendário, então, só em março teríamos o primeiro imunizado no Brasil.

A indisciplina que se vê por todo lado também é fruto da angústia da população em razão da incompetência oficial. Querem um exemplo? Até agora, o Ministério da Saúde não se acertou com o Instituto Butantan para dizer, afinal de contas, quantas doses da vacina pretende comprar — quando estas estiverem disponíveis.

Dispondo do Ingrediente Farmacêutico Ativo para fabricar as vacinas, finalmente liberado pela China, o instituto e o governo de São Paulo não precisam ficar na dependência da vontade do governo federal. A demanda mundial por vacinas é formidável.

Notem que Pazuello se apressou em mandar a Polícia Federal ir buscar as vacinas no Butantan tão logo a Anvisa liberou o uso emergencial, mas não deixou claro até agora quantas doses pretende comprar. Ou por outra: rápido em se apropriar do trabalho alheio; lento ao fazer o próprio trabalho — uma lentidão que tem obviamente motivação política.

A vacinação será certamente mais lenta do que gostaria a nossa angústia. O Ministério da Saúde não conseguiu se entender com os governos estaduais, e até a distribuição das poucas vacinas que existem é confusa, destrambelhada. Esse princípio de vacinação sem os devidos cuidados para evitar o contágio pode ainda levar o sistema de saúde ao colapso.

Precisamos de um governo.

Não precisamos desse governo.