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Reinaldo Azevedo

ANÁLISE

Texto baseado no relato de acontecimentos, mas contextualizado a partir do conhecimento do jornalista sobre o tema; pode incluir interpretações do jornalista sobre os fatos.

OS ERROS 2: Doria acerta na vacina e exagera na dose na relação com o PSDB

João Doria e Bruno Araújo: governador tentou tomar a presidência do partido, e reação contrária beirou a unanimidade. Um mau passo - Renato Guariba/Futurpress/Folhapress
João Doria e Bruno Araújo: governador tentou tomar a presidência do partido, e reação contrária beirou a unanimidade. Um mau passo Imagem: Renato Guariba/Futurpress/Folhapress

Colunista do UOL

11/02/2021 06h38

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O DEM não é a única força política que colhe contratempos ao exercitar as suas ambições no mesmo palco em que atua Jair Bolsonaro. Já escrevi aqui e já afirmei no programa "O É da Coisa" que considero elogiável o comportamento do governador João Doria no enfrentamento da pandemia. Mas derrapou feio na política. Ao menos na largada. Veremos se vai se recompor.

Ter uma vacina o mais cedo possível era mais do que o desafio de um presidente ou de um governador. Era o desafio de uma geração. E Doria chegou lá. A esmagadora maioria das pessoas já imunizadas do país tomou a Coronavac. Levou adiante o seu propósito, enfrentando a óbvia sabotagem do governo federal como um todo e de Jair Bolsonaro em particular. Encarar as milícias digitais não é tarefa fácil.

Se cometeu um deslize aqui, outro ali, isso se deveu a pressões políticas, às quais, por óbvio, não está imune. É preciso, também, saber dosar os remédios. "Ah, ele queria se cacifar para a Presidência com esse negócio da vacina". Que bom! Ruim seria tentar ganhar votos com uma montanha de mortos, a exemplo de seu inimigo do Planalto.

Parece-me quase incompreensível que alguém que agiu com rigor e método nesse particular tenha cometido o que me parece uma barbeiragem política. A tentativa de tomar a presidência do partido na base do abafa foi uma das manobras recentes em política mais desastradas que já vi. Como resposta, obteve o manifesto de 26 diretórios estaduais — só o de São Paulo ficou de fora — em favor da permanência de Bruno Araújo na função.

Pergunta óbvia: o governador deu essa cartada sem conversar com os dirigentes nacionais do partido e com os comandos regionais? Eu o considero o candidato natural do PSDB, sim, por qualquer ângulo presente que se queira. Como política também é futuro, deve entender que seus parceiros de legenda podem ter outras considerações, antevisões, temores, pouco importa. Se não faz o diálogo com a sua legenda, parece-me que isso dificulta a conversa com outros. E olhem que o DEM já foi uma baixa importante.

Mais: resolveu partir para cima do deputado Aécio Neves (PSDB-MG), que pretende expulsar do partido. Aécio é investigado pela Lava Jato, e o governador de São Paulo deve achar que isso dificulta a sua eleição. Mais: o ex-presidenciável ainda exerce influência considerável na legenda. Pode-se perguntar quantos, em suas respectivas agremiações, adotam esse caminho. Bolsonaro, por exemplo, abriu os cofres para pôr na Presidência da Câmara Arthur Lira, também alvo da operação.

Atribui-se ainda ao deputado mineiro um movimento para carrear votos para Lira. Ainda que assim fosse, a manifestação dos 26 diretórios indica que o expurgo seria ineficaz — na verdade, mostra-se contraproducente. Parece-me pouco hábil que o primeiro movimento propriamente partidário de Doria com vistas a 2022 tenha rachado o próprio partido em vez de uni-lo em torno de seu nome.

Desse jeito, Bolsonaro nem precisa acertar. Basta jogar no erro dos adversários.

A vacina é um trunfo e tanto, sim. Mas não torna o governador imune às consequências da política do fato consumado.