Texto baseado no relato de acontecimentos, mas contextualizado a partir do conhecimento do jornalista sobre o tema; pode incluir interpretações do jornalista sobre os fatos.
BC independente? Para mim, está bem. Hoje, é fetiche irrelevante de liberal
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A Câmara aprovou texto-base da autonomia do Banco Central. Nada contra e até muita coisa a favor. O BC já tem sido autônomo. Vamos ver. Muito cuidado nessa hora!
O Supremo decidiu, por exemplo, que a responsabilidade pelo combate ao coronavírus deveria ser compartilhada por União, Estados e municípios. E Bolsonaro fez o quê? Para justificar a sua brutal incompetência, inventou que o tribunal o tinha proibido de atuar no combate à doença, ficando restrito às medidas de caráter econômico — que passavam, de resto, pelo Congresso.
Vale dizer: o presidente contou uma mentira para justificar a sua indigência técnica e gerencial.
Imagino Bolsonaro ou alguém com perfil parecido:
"Ah, não posso fazer tal coisa porque o Banco Central não deixa. Culpa deles!"
Teremos de acompanhar a prática dessa autonomia no detalhe. Entendo que políticos não se meteriam com o Banco Central, certo? E o dito-cujo? Iria se meter com os políticos? Dia desses, Roberto Campos Neto, presidente do BC, deu um pau no auxílio emergencial. Isso poderia acontecer no novo formato? Entendo que não.
Que a autoridade monetária avaliasse os efeitos e regulasse a sua política de expansão ou retração da base, de juros maiores ou menores. E ponto. Não diria mais nada.
Não podemos ter um presidente do Banco Central que substitua Executivo e Legislativo, certo? Outra coisa: poderá continuar a folia de um profissional do mercado sair de banco ou corretora para a diretoria do BC e desta para banco e corretora?
A quarentema pensada é de seis meses. É muito pouco. Em casos assim — aí, sim —, o melhor seria termos quadros de uma burocracia estável. Nada impediria que os diretores consultassem o mercado.
Independência, de resto, é palavra muito densa, né?
Percebam: a independência do BC parte do princípio de que a política monetária, a moeda, é coisa séria demais para ficar nas mãos de políticos, ainda que os nomes tenham de passar pelo Senado. Com a Saúde, por exemplo, nada de debater independência! E olhem que estamos falando de uma garantia constitucional.
Nesse caso, pode-se ter um amador desastrado no cargo. Afinal, o povaréu que espere. Os endinheirados, como se sabe, não dependem do SUS. Que fique lá, então, um Zé Mané qualquer, independentemente dos resultados. Não importa o que faça, só será demitido pelo presidente.
Já o Banco Central é coisa séria, né? E não digo que não seja. Mas é preciso observar com cuidado qual é a expectativa da tigrada. Não! Eu não vou aqui repetir o mantra das esquerdas, que se ouviu de novo nesta quarta, segundo a qual "BC independente é igual Bolsa Banqueiro". A frase tem calor, mas pouca luz.
Uma gestão incompetente da política monetária pode, sim, conduzir ao buraco o país e o governante. Temos experiência disso. A tal independência é bem-vinda. Só não a tomo como a pedra filosofal.
Há um certo sonho por aí — que não vai se realizar e que pode ser caminho de crise — segundo o qual o Banco Central independente substituiria os políticos do Executivo e do Judiciário. Não vai. Isso corresponde a tomar o atalho da crise.
Que os diretores do BC tenham mandato. Mercados vão aplaudir e tal. O efeito na economia será não mais do que residual porque isso, hoje, está mais no terreno do fetiche do que no da urgência.
Texto-base foi aprovado. Precisaremos agora conhecer o diabo dos detalhes.
Pode parecer que sou contra, já que este artigo não está impregnado de entusiasmo. Olhem, acho bacana e coisa e tal. Mas, nos dias que correm, é de uma irrelevância danada.
Deixem os liberais alisar seus bibelôs e fetiches. Não faz a menor diferença. Rodrigo Maia tinha razão em não tratar a questão como prioritária. Não era mesmo. E segue não sendo.