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Reinaldo Azevedo

ANÁLISE

Texto baseado no relato de acontecimentos, mas contextualizado a partir do conhecimento do jornalista sobre o tema; pode incluir interpretações do jornalista sobre os fatos.

Não existe amor em Brasília. Acabou o "só love, só love" de Guedes & Lira

Paulo Guedes e Arthur Lira logo depois da eleição do presidente da Câmara. Parecia a celebração da paz perpétua, mas... - Mateus Bonomi/Agência Estado
Paulo Guedes e Arthur Lira logo depois da eleição do presidente da Câmara. Parecia a celebração da paz perpétua, mas... Imagem: Mateus Bonomi/Agência Estado

Colunista do UOL

12/02/2021 06h45

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A lua de mel nem começou e já acabou.

Não existe amor em Brasília.

Lembram-se daquela excitação de Paulo Guedes — para não variar, infundada — quando Arthur Lira (Progressistas-AL) foi eleito presidente da Câmara? Pois é... Esmoreceu. E olhem que nem tiveram tempo de uma, digamos, conjunção. Ambos podem pedir anulação do casamento, mas não da eleição de Lira. O único com chance de ser expulso de casa, demissível que é "ad nutum", é mesmo o ministro da Economia.

Não tem mais Claudinho & Buchecha. Não tem mais só love, só love. O deputado já sugere que o ministro é insensível; este, que o outro é gastador, como todo político — ele não curte muito a categoria. Nenhum Napoleão gosta. É próprio da estirpe.

Eu não sei quantos cenários errados ou enganosos Guedes ainda venderá aos tais "mercados". Talvez a suposição seja de que poderia vir algo pior. O eterno "não fazer", com previsões sempre otimistas, nas quais ninguém acredita, parece-me ruim.

Até a semana retrasada, o homem assegurava que estaria em curso a "recuperação em V", essa cabeça de bacalhau econômica que ele vende faz tempo. Nesta quinta, já lidava com a possibilidade de nova rodada de redução de salários.

Não há leitura de cenário. Essa gente diz adorar o setor privado. Um CEO com as suas características já teria mudado até de ramo.

Aí aprovaram a tal "independência do Banco Central". É ouro de tolo para nefelibatas. Irrelevante. Um dos problemas dessa gente que está no poder é o apego a soluções da década de 50 para problemas que o Brasil enfrentou na de 80. Estamos em 2021, acossados pelos vírus.

No dia seguinte à eleição para o comando do Congresso, o moderado Rodrigo Pacheco (DEM-MG) foi a Guedes cobrar o auxílio. Saiu de lá com uma maçaroca de anseios — as do ministro — e sem nada de objetivo. Basicamente, o dinheiro viria com corte de gastos (não se disse onde) e condicionado às reformas.

Vinte e quatro horas depois, o presidente do Senado já dava sinais de insatisfação. Afirmou que o auxílio tinha de sair sem o condicionamento a cortes.

Foi secundado por Lira. O presidente da Câmara deixou claro que seu papel era cobrar a ajuda aos pobres. O ministro que se virasse com a equação fiscal.

Vai ter o auxílio. A questão é quando. Nas prefigurações de Guedes, os pagamentos começariam a ser feitos dentro de uns três meses. Não! Ele não tem esse tempo. Mas de onde sai o dinheiro?

Ou fura o teto — e é o que deve acontecer, a menos que se faça nova contabilidade paralela — ou se opera um corte profundo de gastos, acrescido do fim do ralo de isenções e incentivos. Bem, tudo isso é fogo no parquinho do Centrão, que já deixou claro que não quer participar do problema, só da solução.

Lira encostou Guedes à parede. O ministro ensaiou uma resposta em evento da Sociedade Nacional de Agricultura nesta quinta. Disse:
"Arthur Lira fez hoje uma convocação por solução. Posso entregar hoje se ele quiser. A solução para o auxílio é uma PEC de guerra embutida no pacto federativo".

Solução é o que resolve. Na imaginação do ministro, fecharia as contas. Mas há tempo para isso? O presidente da Câmara tem a sua própria leitura:
"Urge que o ministro Guedes nos dê com sensibilidade do governo uma alternativa viável, dentro dos parâmetros da economia como ele pensa e como a sociedade deseja. A situação está ficando crítica na população e precisamos encontrar uma alternativa".

Em outras palavras: Guedes seria "insensível".

Falando à entidade agrícola, o ministro recorreu a uma tecla antiga, que já não era popular no status anterior do Congresso; dado o novo, gera mais confusão. Afirmou que o Brasil continua a gastar "como se não houvesse amanhã". E que a classe política — também a turma de Lira — "ainda não conseguiu assumir a responsabilidade pelos gastos".

E, ora vejam!, não dá para culpar Rodrigo Maia desta vez.

E não se nota em Lira vontade nenhuma de ser um primeiro-ministro informal. Ele prefere o papel de tribuno da plebe. E diz a Guedes: "Vire-se aí com os seus patrícios".

O ministro não segura por mais três meses o início desse auxílio nem a pauladas.

E fiquem certos: as chances de se chegar a um quase consenso no Congresso diminuíram muito. A não ser um: tem de pagar o auxílio emergencial já. Há a possibilidade de até a bancada do Novo topar, escondendo a gravata lambuzada de liberalismo retrô com bolsonarismo Nutella.

Sonhou com Maia na noite passada, Paulo Guedes?