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Reinaldo Azevedo

ANÁLISE

Texto baseado no relato de acontecimentos, mas contextualizado a partir do conhecimento do jornalista sobre o tema; pode incluir interpretações do jornalista sobre os fatos.

Lugar de Silveira é a cadeia. Sim, há flagrante no vídeo. É apenas a lei

Daniel Silveira chega ao IML para exame de corpo de delito. No local, desacatou uma policial civil porque não queria usar máscara - Betinho Casas Novas/Futura Press/Agência O Globo
Daniel Silveira chega ao IML para exame de corpo de delito. No local, desacatou uma policial civil porque não queria usar máscara Imagem: Betinho Casas Novas/Futura Press/Agência O Globo

Colunista do UOL

18/02/2021 06h34

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A Câmara dos Deputados decide daqui a pouco, a partir das 14h, se Daniel Silveira (PSL-RJ) deixa ou não a cadeia. As negociações podem ainda resultar em alguma medida cautelar. Torço para que fique trancafiado e para que o Supremo receba logo a denúncia apresentada pela Procuradoria Geral da República. Garantido o direito de defesa, que seja condenado pelos crimes óbvios que cometeu em seu vídeo tresloucado. Com as consequências daí advindas: perda do mandato, inelegibilidade e regime fechado.

Silveira foi denunciado nesta quarta pela PGR com base nos Artigos 344 do Código Penal e 18 e 23 da Lei de Segurança Nacional, a saber:
- Usar de violência ou grave ameaça, com o fim de favorecer interesse próprio ou alheio, contra autoridade, parte, ou qualquer outra pessoa que funciona ou é chamada a intervir em processo judicial, policial ou administrativo. Pena: reclusão de um a quatro anos;
- Tentar impedir, com emprego de violência ou grave ameaça, o livre exercício de qualquer dos Poderes da União ou dos Estados. Pena: reclusão, de 2 a 6 anos;
- incitar à subversão da ordem política ou social. Pena: reclusão, de 1 a 4 anos.

Tudo preciso e justíssimo.

A extrema direita não reclamou do emprego da LSN, "uma lei da ditadura". Afinal, no vídeo em que defende que os 11 ministros do Supremo sejam depostos, tomem surra de gato morto na rua e tenham a cara esfregada no chão — entre outras delicadezas —, Silveira cantou as glórias do AI-5.

Quem compareceu ao debate com essa conversa foram alguns setores de esquerda. Sinto até um pouquinho de preguiça. A Lei 7.170 foi recepcionada pela Constituição. Já escrevi aqui que sou favorável a que seja substituída por uma Lei de Defesa do Estado Democrático.

Enquanto não acontece, não será pela minha pena que Silveira, que faz o que faz e diz o que diz, vai se livrar da dita-cuja. O Código Penal é de 1940 — sim, sofreu muitas atualizações. O Código de Processo Penal é de 1941 (idem). Vieram da ditadura do Estado Novo. Como ficamos? Devem ser ignorados?

Outros ainda, sempre em parceria com o bolsonarismo (!!!), vêm falar em "liberdade de expressão" e "imunidade parlamentar", garantida pelo Artigo 53 da Constituição. Já escrevi aqui e relembro: a questão já passou pelo crivo do Supremo. Imunidade não serve para acobertar crimes, como observa a denúncia oferecida pela Procuradoria Geral da República.

Jair Bolsonaro se tornou réu duas vezes no Supremo por ter afirmado em entrevista que não estupraria uma deputada porque ela não mereceria, já que seria muito feia. Ninguém, exceção feita à extrema direita, reclamou. Não só não reclamei como aplaudi a decisão. Há alguém que considere a fala de Silveira menos gravosa do que a do agora presidente? Tenham paciência! Por que esses mesmos não reagiram naquele caso? Medo da vigilância feminista? Se foi por isso, um medo civilizador.

Não merecerão as instituições e os ministros do Supremo o mesmo zelo? Querem saber? As objeções que partem de ditos "progressistas", nesse caso, chegam a ser ridículas e não deixam de trazer rastros de contaminação pela doença lavajatista. Afinal, foi a operação que transformou o STF em alvo preferencial dos boçais.

O FLAGRANTE
O debate sobre o flagrante tem um aspecto relevante, mas se perdeu em considerações de nefelibatas. Começo por estas. Reproduzo o que dispõe o Artigo 302 do Código de Processo Penal. É a Lei nº 3.689, de 03 de Outubro de 1941 -- coisa da ditadura, gente!

Lá está escrito:
Considera-se em flagrante delito quem:
I - está cometendo a infração penal;
II - acaba de cometê-la;
III - é perseguido, logo após, pela autoridade, pelo ofendido ou por qualquer pessoa, em situação que faça presumir ser autor da infração;
IV - é encontrado, logo depois, com instrumentos, armas, objetos ou papéis que façam presumir ser ele autor da infração
.

Atentem para o Inciso III. Silveira foi, em tempos de Internet, "perseguido" (para usar o termo da lei) pela autoridade "logo após" o vídeo se tornar público. Afinal, como é que o crime se consuma nesse caso? Só com a publicação. Se o deputado tivesse gravado o vídeo e deixado em seu celular, ninguém ficaria sabendo.

Porque a lei do flagrante não previa crime cibernético, então ele não existe? A propósito: em que condições se daria o flagrante nesse caso? A quem contesta a decisão, a única resposta seria esta: é impossível haver flagrante nesse caso. Bem, sendo assim, então viva o reino do vale-tudo!

Trecho da liminar de Moraes traz o seguinte:

"Relembre-se que, considera-se em flagrante delito aquele que está cometendo a ação penal, ou ainda acabou de cometê-la. Na presente hipótese, verifica-se que o parlamentar DANIEL SILVEIRA, ao postar e permitir a divulgação do referido vídeo, que repiso, permanece disponível nas redes sociais, encontra-se em infração permanente e consequentemente em flagrante delito, o que permite a consumação de sua prisão em flagrante."

Então um vídeo, a qualquer tempo, mesmo que postado há meses, poderia render um flagrante? A preocupação é procedente, embora a leitura da liminar me pareça deixar claro que a consideração vale para o caso de que ela trata e a partir da decretação da prisão.

UM PROBLEMA PARA A PRÓPRIA CÂMARA
Ah, eu não duvido que a Câmara deva, nesse caso e em outros, conter os seus brucutus. Pois é... Não conteve antes um certo Jair Bolsonaro. Quantas foram as barbaridades que disse, sob o manto da "imunidade", sem que fosse nem incomodado? Mesmo quando se tornou réu duas vezes, sob a relatoria de Luiz Fux -- o único de que Silveira gosta --, o processo andou a passos de cágado. O ministro cedeu a todas as procrastinações da defesa.

Lembro que, se condenado, Bolsonaro teria perdido o mandato e teria se tornado inelegível. Aliás, ele temia isso. Chegou a fazer um vídeo vociferando contra essa possibilidade. Mas, a seu modo, podia dizer: "In Fux I trust". O troço emperrou. Como virou presidente, os processos estão suspensos e só serão retomados quando deixar a Presidência.

Sim, Câmara e Senado teriam de agir com mais rigor contra seus delinquentes. O Conselho de Ética foi reativado, e as oposições vão denunciá-lo. Pois é... Lembro que, se for cassado antes de concluída a instrução do processo, o dito-cujo vai para a primeira instância — e pode ficar relegado às calendas.

Silveira cometeu crimes. A liberdade de expressão e a imunidade servem ao fortalecimento do regime democrático. Não são instrumentos para solapá-lo. Fascistas e fascistoides usam há muito essa tática. Caia-se ou não no truque. Eu não caio.

Acho, sim, que se deve fazer um esclarecimento sobre a questão da flagrância em crimes cometidos nas redes. Mas o que pode haver de ambíguo não compromete o que está escancaradamente claro.

Será que Bolsonaro não nos ensinou nada? Nem pelo avesso?

Aplique-se a lei.