Topo

Reinaldo Azevedo

ANÁLISE

Texto baseado no relato de acontecimentos, mas contextualizado a partir do conhecimento do jornalista sobre o tema; pode incluir interpretações do jornalista sobre os fatos.

Voto de Lewandowski, provas ilícitas, democracia e a tirania que tudo pode

Ministro Ricardo Lewandowski: voto pormenoriza a escancarada suspeição de Sergio Moro e trata da dita ilicitude das provas: ilícitas para quê? - Nelson Jr/STF
Ministro Ricardo Lewandowski: voto pormenoriza a escancarada suspeição de Sergio Moro e trata da dita ilicitude das provas: ilícitas para quê? Imagem: Nelson Jr/STF

Colunista do UOL

10/03/2021 08h21

Receba os novos posts desta coluna no seu e-mail

Email inválido

O ministro Ricardo Lewandowski, que proferiu o segundo voto declarando a suspeição de Sergio Moro no tal processo do triplex, também foi minucioso ao apontar as condutas do então juiz que indicavam a sua escancarada parcialidade ou, como escreveu o ministro:
"(...) ficou patenteado o abuso de poder com o qual se houve o ex-magistrado, bem assim o seu completo menosprezo ao sistema processual vigente no País, por meio da usurpação das atribuições do Ministério Público Federal e mesmo da Polícia Federal, além de haver ficado evidente a ocorrência de ofensa aos princípios do juiz natural e do devido processo legal, de permeio a outras irregularidades e ilicitudes"

A íntegra do voto de Lewandowski está aqui. A exemplo do que fiz com o de Gilmar Mendes, destaco os elementos que denotam a suspeição, copiando trechos da decisão, para que você, leitor, tenha uma visão pormenorizada da decisão. Volto depois.

1: Ofensa ao princípio do juiz natural
Lewandowski deixa claro que não havia vínculo, o que foi admitido pelo próprio Sergio Moro, entre contratos da Petrobras e o apartamento que se alegava pertencer a Lula:
Ademais de outros vícios processuais, um aspecto que causa a maior espécie, mesmo numa análise preliminar dos autos da Ação Penal 5046512-94.2016.4.04.7000, é o de que não existem quaisquer elementos concretos relativamente a valores, supostamente derivados de contratos da Petrobras, que teriam sido empregados para o pagamento de vantagens indevidas ao paciente. A suposta origem dos recursos, como se sabe, justificou a atração do feito para a 13ª Vara Criminal Federal de Curitiba.

2: Condução coercitiva de Lula
Também o ministro destaca a absoluta ilegalidade do ato:
O então juiz Sérgio Moro determinou a condução coercitiva do paciente - que jamais havia se eximido de comparecer a qualquer ato processual - sem sequer observar os requisitos previstos em lei para a prática de tal medida. Da decisão que impôs esse gravame ao ex-presidente da República, que abrangia seus familiares, datada de 29/2/2016, obrigando-os a prestar depoimento perante a autoridade policial, consta, para a perplexidade de todos que dela tiveram conhecimento, que a medida "não implica cerceamento real da liberdade de locomoção".

3: Interceptações telefônicas e vazamentos ilegais
Nesse ponto, cumpre destacar, ademais, que a decisão do ex-magistrado de conferir publicidade ao conteúdo dos áudios captados nas interceptações telefônicas deu-se no mesmo dia em que Luiz Inácio Lula da Silva foi nomeado Ministro-Chefe da Casa Civil da Presidência da República, ocasião na qual o Juízo da 13ª Vara Federal de Curitiba já não era mais competente para processar qualquer feito envolvendo o paciente. Tal atitude, além de ser processualmente inadmissível, teve como motivo óbvio o desiderato de mobilizar a opinião pública contra a nomeação

4: Obstrução de cumprimento de habeas corpus
A sua parcialidade, de resto, ficou ainda mais evidente pela intensa articulação, por ele empreendida, para obstar o cumprimento da ordem de soltura do paciente, determinada pelo Desembargador Rogério Favreto, em 8/7/2018, mediante decisão liminar proferida nos autos do HC 5025614-40.2018.4.04.0000, na qual este assentou que a medida visava a preservar "direito próprio e individual como cidadão de aguardar a conclusão do julgamento em liberdade", bem assim os seus direitos políticos, porquanto privado de participar "do processo democrático das eleições nacionais, seja nos atos internos partidários, seja nas ações de pré-campanha"
(...)
Não resta qualquer dúvida de que a conduta do magistrado sentenciante no evento revela um interesse anormal, mais do que isso, verdadeiramente pessoal nos desdobramentos de um feito em relação ao qual deveria ter se desvinculado depois de ter proferido a sentença. De forma absolutamente extravagante, atuou como verdadeiro carcereiro, depois de já esgotada a sua função jurisdicional, empregando todos os meios ao seu alcance - extraprocessuais, ressalte-se - para impedir a libertação do paciente.

5: Outras manobras processuais.
Não bastasse isso, na condução de outro processo (Ação Penal 5021365-32.2017.4.04.7000 da 13ª Vara Federal da Seção Judiciária de Curitiba), o então juiz Sérgio Moro adiou o interrogatório do ex-Presidente Luiz Inácio Lula da Silva, o qual se realizaria durante o transcorrer do pleito de 2018, para, segundo assentou, "evitar a exploração eleitoral", ou seja, de maneira a impedi-lo de defender-se, ao vivo, das acusações que lhe foram irrogadas, num momento especialmente delicado da vida nacional em que seria de evidente interesse da sociedade o conhecimento das distintas versões dos fatos.
E mais: conforme já explicitado anteriormente, em 1º/10/2018, às vésperas do primeiro turno da eleição presidencial (ocorrido em 7/10/2018), proferiu decisão, de ofício, determinando o levantamento do sigilo de parte dos depoimentos prestados pelo delator Antônio Palocci Filho, em acordo de colaboração premiada em ação penal diversa, bem assim a sua juntada aos autos, depois de já encerrada a instrução processual (e-docs. 10 e 32), mais tarde revertida por esta Suprema Corte, como visto, no HC 163.943 - AgR/PR.

6 - Interferência nas eleições e no processo de impeachment
Diante de todo esse quadro, não há como deixar de reconhecer que o ex-juiz Sérgio Moro buscou, por meio de suas decisões e condutas extravagantes, obter o apoio da opinião pública, para assim poder conduzir o processo, sem maiores obstáculos, de modo a influir no desfecho da eleição presidencial, com evidente motivação política e desabrido interesse pessoal, em franco prejuízo dos mais comezinhos direitos do paciente.
Assiste razão, pois, aos impetrantes quando afirmam, com base em matéria do jornal Valor Econômico, que "todo esse cenário de ilegalidades e arbitrariedades praticadas pelo Juiz Sérgio Moro contra o ex-Presidente Lula teve o potencial de alterar o resultado das eleições presidenciais recentemente ocorridas", pois, até "11.09.2018, Lula tinha a liderança absoluta em todas as pesquisas de opinião"
Afigura-se, também, de uma gravidade ímpar o fato noticiado pelo jornal Folha de São Paulo, segundo qual o aludido ex-magistrado manteve contato, durante o processo eleitoral, com membros da cúpula da campanha do candidato Jair Bolsonaro, que o teriam convidado para assumir o cargo de Ministro da Justiça.

7: Comunicações espúrias do ex-juiz
O facciosismo do então magistrado Sérgio Moro, no decorrer dos acontecimentos - que desde há muito já não parecia mais mera coincidência - ficou corroborado, como visto acima, pela farta divulgação, através da imprensa, de mensagens trocadas entre ele e os procuradores que conduziram a investigação e promoveram a ação penal contra ex-Presidente da República Luiz Inácio Lula da Silva, cujo conteúdo, repiso, não foi cabalmente desmentido pelos envolvidos. Aqui, vale lembrar, por oportuno, que, segundo regra hermenêutica universal, desde há muito incorporada em nossa legislação processual civil, fatos notórios independem de prova.
(...)
A revelação pública daquilo que ocorreu nos bastidores do fórum federal de Curitiba afasta qualquer dúvida que ainda pudesse existir acerca da parcialidade do então juiz Sérgio Moro, hoje gestor de uma firma de consultoria estrangeira que atua na recuperação judicial de empresas envolvidas na "operação" que chefiou à margem da lei, evidenciando, quando menos, um olímpico desprezo de sua parte pelos deveres funcionais previstos na Lei Orgânica da Magistratura Nacional e no Código de Ética da categoria
.

RETOMO
Destaco trechos do voto, como veem, com as evidências da parcialidade de Moro. Cumpre destacar que tanto Lewandowski como Gilmar Mendes somam a cada um dos itens que denotam a suspeição farto material legal e doutrinário.

Diante do que expõem os dois ministros, negar a suspeição de Sergio Moro, parece-me, agride os fundamentos da democracia e do estado de direito.

PARCIALIDADE PROVAS ILÍCITAS
Ainda que a parcialidade de Moro dispense, é bom destacar das conversas reveladas pela Vaza Jato e pela Operação Spoofing um trecho do voto de Lewandowski que revela um momento em que o devido processo legal no país chegou ao grau zero. Escreve o ministro:

Em outras palavras, procedendo-se a um juízo de ponderação entre o emprego das mensagens trocadas entre o ex-juiz e os integrantes do órgão acusatório - que solapam definitivamente qualquer incerteza acerca da quebra da imparcialidade do magistrado - e a eventual ilicitude de sua obtenção, salta à vista que a balança pende no sentido de sua integral utilização para a salvaguarda dos direitos fundamentais do paciente.

Essa compreensão servirá ao propósito de conferir consequências jurídicas às sucessivas e irrefutáveis máculas existentes no processo criminal a que foi submetido o ex-Presidente da República, decorrentes da incontroversa parcialidade do juiz que prolatou o édito condenatório.

Por isso, entendo possível a análise das alegações formuladas na inicial deste writ, cotejando-as com as informações e provas supervenientes, ainda que obtidas de forma ilegal, porquanto o bem jurídico em jogo é sobejamente mais relevante do que a intimidade de eventuais vítimas das práticas ilícitas investigadas no Inquérito 02/2019 - DICNT/DIP/PF, agora, encampadas em denúncia oferecida contra os supostos violadores das comunicações objeto da investigação, aliás, já recebida pelo juízo competente.

ENCERRO
O direito penal lida com o mais caro dos valores da democracia: a liberdade. Mais: estamos falando de um regime em que nem tudo pode, por mais que se tentem alegar propósitos elevados, como se os fins justificassem os meios. Não! Os meios qualificam os fins. O regime em que tudo pode é a tirania. Ao menos para os tiranos e seus comparsas.