Texto baseado no relato de acontecimentos, mas contextualizado a partir do conhecimento do jornalista sobre o tema; pode incluir interpretações do jornalista sobre os fatos.
Itamaraty está à caça de vacinas? Não! Dedica-se ao direitismo onanista!
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O mundo trata hoje o Brasil como um covidário. Em organismos multilaterais, o país está sendo chamado de "cemitério do mundo". Um alerta da Organização Mundial da Saúde chama a atenção para a tragédia que se vive por aqui. Há países ricos que estão com um estoque de vacinas acima do razoável, dada a urgência planetária. O Brasil, como destaca a senadora Kátia Abreu (PP-TO), tem um papel estratégico no equilíbrio global em razão da sua importância no fornecimento de alimentos. Deveria estar negociando como gente grande.
Ocorre que o negacionismo tacanho do presidente Jair Bolsonaro não é uma loucura solitária. Ele só é a expressão bronca, rombuda e desarticulada de fanáticos de extrema direita que estão mais empenhados hoje em colonizar almas do que em combater a doença. Por isso o presidente vocifera nos Jardins do Palácio da Alvorada, ameaçando com golpe militar aqueles que, segundo os malucos, querem roubar "a nossa liberdade". Por "liberdade", entenda-se a ausência de qualquer medida de restrição de circulação, o que aumentaria estupidamente o número de contaminados e cadáveres num país em que já se morre por falta de oxigênio.
Quem deveria ter, hoje, como sua tarefa número um buscar vacinas mundo afora, tentando convencer chefes de Estado como Joe Biden e Boris Johnson, a nos vender parte de suas vacinas? Bem, esse seria o papel de Ernesto Araújo, ministro das Relações Exteriores. Se querem saber, no entanto, a que ele dedica a sua ociosidade, leiam entrevista que concedeu ao Estadão.
Indagado sobre a má fama do país no combate à pandemia, afirmou:
"O que a gente fica triste é ver pessoas, muitos formadores de opinião, aqui no próprio Brasil, amplificando o problema, e querendo justamente criar esse clima anti-Brasil ao redor do mundo, por finalidades políticas. Eu acho que existe um esforço de antipropaganda por parte, infelizmente, de certas correntes no Brasil, certos formadores de opinião. Que não ajuda nada e não ajuda a conter a pandemia, não ajuda nos esforços que nós estamos fazendo. Ajuda, talvez, a criar um clima negativo. Acho que não chegaria a esse ponto de xenofobia contra brasileiros. Mas, sim, ajuda a criar um... No fundo, é uma "oikofobia", uma raiva de si mesmo. Em vez de ser contra o estrangeiro, é contra o próprio nacional. Tem pessoas aí que praticam essa "oikofobia" e querem destruir aquilo que a gente está fazendo."
Viram? Não é o negacionismo do governo no país dos 300 mil mortos que está na raiz, então, da imagem negativa do Brasil no exterior. A culpa seria dos adversários políticos do governo. E, então, ele saca da algibeira o conceito de "oikofobia", ressuscitado pelo ex-filósofo Roger Scruton — autorrebaixado à condição de polemista que escreve qualquer coisa para que direitistas ignorantes se sintam amparados por alguma bibliografia —, e pronto! A questão está resolvida. Antes de Scruton tomar de outro a palavra apenas como mais uma diatribe irrelevante contra esquerdistas, Nelson Rodrigues já havia criado por aqui o "Complexo de vira-lata". Bem mais sofisticado.
Estou afirmando, meus caros, que, em vez de termos um ministro das Relações Exteriores, temos um polemista vulgar, que cita literatura política de direitista ainda na fase do onanismo (também o intelectual) e das espinhas. Na reunião de amanhã, Araújo deveria ser uma das estrelas. Nem deve dar as caras. Também não se sabe quem vai representar o Ministério da Saúde. No momento, há dois ministros e nenhum.
O buraco é muito fundo.
Se o Congresso não atropelar o Executivo, ficaremos mergulhados na doença e no caos. Ciro Nogueira, presidente do PP, diz, no entanto, que é certo que o partido estará com Bolsonaro na disputa em 2022. Sócios no poder e nos cadáveres.