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Reinaldo Azevedo

ANÁLISE

Texto baseado no relato de acontecimentos, mas contextualizado a partir do conhecimento do jornalista sobre o tema; pode incluir interpretações do jornalista sobre os fatos.

CPI pode furar a barreira das mentiras e do silêncio com quebras de sigilos

Eduardo Pazuello, Ernesto Araújo - Erasmo Salomão/Ascom-MS; Jefferson Rudy/Agência Senado
Eduardo Pazuello, Ernesto Araújo Imagem: Erasmo Salomão/Ascom-MS; Jefferson Rudy/Agência Senado

Colunista do UOL

19/05/2021 08h27

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Daqui a pouco o general Eduardo Pazuello depõe na CPI da Covid. Fala como testemunha, mas já é um investigado na Justiça Federal. O ministro Ricardo Lewandowski, do STF, lhe garantiu o direito ao silêncio nas questões que podem incriminá-lo, mas o ex-titular da Saúde estaria obrigado a responder — sendo-lhe vedado mentir ou omitir informações — as indagações que digam respeito a terceiros. Na prática, pode não haver diferença entre uma coisa e outra, já destaquei aqui: bastará ao general apelar ao silêncio, no caso de pergunta incômoda, e estará subentendido que a resposta poderia corresponder à produção de provas contra si mesmo. Afinal, sem conhecer a resposta, não há como garantir que não se estaria diante de uma autoincriminação.

Ontem à noite, o general aparecia sorridente nas redes sociais, na linha "tranquilão que vai responder tudo". Já conhecemos esse estilo. Não dá para ignorar que o homem chegou ao Ministério da Saúde falando literalmente grosso, andando com desenvoltura, na linha "especialista em logística". Trata-se de mais uma humilhação para as Forças Armadas — para o Exército em particular.

Afinal, havia como que uma voz silenciosa a dizer: "Agora nós vamos mostrar como é que um general cuida dessas coisas, sem as atrapalhações e hesitações de civis". E se produziu a tragédia que aí está. Há sinais preocupantes de que uma terceira onda está chegando, sem que a segunda tenha deixado a escala do apavorante. Mas não se descarta que o muito pior possa se sobrepor ao pior. É o preço de um desastre fabricado. Os quase 450 mil mortos são frutos de ações e omissões. E Pazuello produziu esse resultado sempre na base da bazófia, do homem que faz e acontece — desde que, claro!, obedecesse àquele que realmente mandava.

ERNESTO E AS MENTIRAS
O general arrogante vai mesmo encarar todas as questões, como andam dizendo por aí? Pois é... Ernesto Araújo, que depôs ontem, mentiu de maneira desavergonhada. Se contar lorota em CPI desse cadeia, sairia da sala escoltado pela Polícia do Senado. Afirmou que jamais atacou a China. Mentiu. Afirmou que a OMS assegurou a não transmissibilidade do vírus de pessoa para pessoa. Mentiu. Afirmou que a organização se opôs a medidas de restrição de circulação em país pobres. Mentiu. Afirmou que o Brasil aderiu com celeridade ao consórcio Covax-Facility. Mentiu.

Resta a pergunta: é possível organizar alguma linha de defesa da atuação do governo durante a pandemia sem mentir? A senadora Kátia Abreu (PDT-TO) participou da sessão. Não fez perguntas. Limitou-se a narrar os destinos do governo federal na área então comandada por Araújo. Ainda que o ex-chanceler quisesse dizer alguma coisa, falar o quê?

Restou a evidência inequívoca de que se limitou ao esforço de comprar cloroquina, a mando de Jair Bolsonaro, e a produzir bugigangas ideológicas. O coronavírus seria, na sua leitura e do fanáticos de extrema direita que compõem o governo, o "comunavírus" a serviço do globalismo.

Ernesto, a exemplo de Pazuello, obedecia, o que não quer dizer que não concordasse com as ordens que recebia e não fosse um prosélito das sandices. E cumpre, então, chamar a atenção para este aspecto: ambos eram braços operantes do presidente da República em suas respectivas áreas, mas executavam as determinações com gosto. Nunca foram obrigados a nada. Se alguém tinha alguma dúvida sobre o caráter de Pazuello, por exemplo, basta lembrar o seu passeio no Shopping Manauara: sem máscara, sobranceiro, alheio a quase meio milhão de mortos.

MENTIU POR QUÊ?
Por que Araújo teve a cara de pau de contar mentiras tão escandalosamente flagrantes? Porque o falso testemunho ainda era preferível, para ele próprio, à verdade. E, silêncio à parte, parece-me que não restará a Pazuello outro caminho. Ou, então, opta pela autoincriminação.

A ser esse o padrão do testemunho das pessoas que estiveram na linha de frente do combate à Covid, cada um em sua área, reconheça-se: a CPI está sendo compelida a quebrar sigilos telefônicos e telemáticos em série. "Ah, mas nem são investigadas". Que se mude o status. Que passem a ser. É inaceitável que não só se neguem a dar explicações como ainda afrontem a verdade factual mais escancarada. Ao fazê-lo, não estão apenas incorrendo em falso testemunho: na prática, criam obstáculos à investigação, debocham da comissão e afrontam o Poder Legislativo.

PROJEÇÕES
Estudo do Instituto Para Métricas de Saúde e Avaliação da Universidade de Washington faz uma projeção aterradora para o Brasil. No ritmo em que andam as coisas, avalia que o país pode voltar a superar a marca dos três mil mortos por dia no fim deste mês.

A projeção mais pessimista aponta 973 mil óbitos até o fim de setembro; a otimista, 779 mil. Convenham: o simples realismo, o dos números presentes, já caracteriza um desastre civilizatório.

Se aqueles que são chamados a depor continuarem a optar pela mentira, que venham a responder, no tempo adequado, pelo falso testemunho, associado a outros crimes, mas que a CPI, então, recorra aos instrumentos que têm à mão para tentar chegar à verdade.