Texto baseado no relato de acontecimentos, mas contextualizado a partir do conhecimento do jornalista sobre o tema; pode incluir interpretações do jornalista sobre os fatos.
Fux tentou dar um truque para preservar Moro da suspeição. Perdeu por 7 a 4
Receba os novos posts desta coluna no seu e-mail
Acabou, finalmente, o julgamento no STF que decidia se valia ou não o julgamento da Segunda Turma que declarou a suspeição de Sergio Moro no caso do triplex de Guarujá, que levou Lula à cadeia. Marco Aurélio havia pedido vista, e seu voto foi devolvido no começo de maio, mas Luiz Fux, presidente do tribunal, não marcava a sessão. Acabou por fazê-lo. A demora talvez se explique. Estaria planejando o triplo salto carpado hermenêutico que tentou dar nesta quarta para fazer de uma derrota uma vitória — já que ele próprio, como se sabe, era pela invalidação da decisão da turma? Tivesse triunfado sua posição, Moro não teria sido declarado suspeito. O julgamento estaria anulado, sim, mas se preservariam os atos processuais. Com a suspeição — correta e inequívoca —, a questão volta à estaca zero.
Para registro: votaram pela anulação da votação da Segunda Turma, além de Fux, os ministros Edson Fachin, Roberto Barroso e Marco Aurélio. Sigamos.
Fux fez um verdadeiro apelo a seus colegas para que mudassem de ideia. Não logrou, claro!, sucesso. Mas que se note: tentou fazer como Maradona e apelar ao Salvador, não é?, para validar um gol de mão. Prestem atenção ao truque.
Votaram pela validade da sessão da Segunda Turma, sem nenhuma reserva, os ministros Gilmar Mendes, Nunes Marques, Ricardo Lewandowski e Rosa Weber — quatro votos, certo?
Votaram como votaria este escriba Alexandre de Moraes, Dias Toffoli e Cármen Lúcia. E que voto é esse? Ora, a questão nem deveria ter sido aceita; nem se deveria "conhecer do recurso", como se diz em juridiquês, com essa preposição estranha entre o verbo e o objeto. Ora, o pleno não é instância revisora da turma.
Mas notem: essa posição é mais ampla do que a outra; ela contém a outra; ela abarca a outra e vai além. Quer dizer o seguinte: de tal sorte a decisão da Segunda Turma era hígida que aquilo nem deveria estar sendo julgado. Não são posições excludentes. Tanto é assim que os próprios ministros deixaram claro: caso ficassem vencidos, eles se juntavam aos outros quatro.
Portanto, nunca houve dúvida de que havia sete votos pela validade da decisão da Segunda Turma.
Mas não para Fux e seus apelos patéticos. Ele tentou a seguinte esperteza, o que foi inútil: haveria quatro votos pela validade da decisão, quatro contra a validade — e aí estaria um empate —, e três que não estariam nem com um lado nem com o outro.
É claro que a patuscada não prosperou. E ele teve de admitir.
As instituições estão sendo abalroadas todos os dias por Jair Bolsonaro, que vive tendo chiliques — inclusive contra o Supremo. Do presidente do Tribunal, como é evidente, não se ouve um pio. É que ele está muito ocupado tentando ressuscitar a defunta Lava Jato. Moro não consegue hoje participar de um seminário de juristas porque ninguém responsável aceita a companhia de quem atuou de forma deliberada na destruição do devido processo legal. Mas Fux não! Lá está ele a espancar o direito e a aritmética.
ABSURDO!
Em seu apelo patético para tentar transformar uma derrota de 7 a 4 num empate em 4 a 4 a favor de Moro, Fux voltou a repetir a fala indigna, absurda, de que a, para ele, alegada suspeição de Moro (que ele não vê) não acarretou prejuízos para a defesa, que teria exercitado todas as suas prerrogativas.
Com a devida vênia, é uma argumentação asquerosa. Lula ficou 580 dias na cadeia — tendo sido impedido, diga-se, de disputar a Presidência — porque originalmente condenado por um juiz suspeito e, adicionalmente, incompetente. O presidente do tribunal já havia dito, no julgamento que sacramentou a incompetência, que esta, se existisse, seria apenas relativa, sem prejuízos à defesa.
É do balacobaco! Ainda que a defesa tivesse sido atendida em todos os seus pleitos — e também isso não é verdade —, é forçoso reconhecer que tais pleitos passavam pelas lentes de um juiz a um só tempo suspeito e incompetente — no sentido de que não era o juiz natural da causa.
Suspeição e incompetência, no caso, não são matéria subjetiva. A essência do sistema está no direito constitucional que tem toda pessoa de ser julgada pelo juiz natural. E IMPARCIAL. Ponto.
Acompanhei o julgamento e fiquei com aquela desagradável sensação de vergonha alheia, que é o que mais temos experimentado nos últimos tempos.