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Reinaldo Azevedo

ANÁLISE

Texto baseado no relato de acontecimentos, mas contextualizado a partir do conhecimento do jornalista sobre o tema; pode incluir interpretações do jornalista sobre os fatos.

Pai Nosso como véspera do escarro. Ou: Que tal beijinho hétero do "porco"?

Jairzinho Paz & Amor pede beijo hétero a um repórter e reza o Pai Nosso em entrevista. Um momento realmente único - Eraldo Peres/AP Photo
Jairzinho Paz & Amor pede beijo hétero a um repórter e reza o Pai Nosso em entrevista. Um momento realmente único Imagem: Eraldo Peres/AP Photo

Colunista do UOL

13/07/2021 08h10

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Ah, será que Bolsonaro mudou?

Tenham a santa paciência!

O "Pai Nosso" que quis rezar com os repórteres, como no poema de Augusto dos Anjos, é só a véspera do escarro. Vamos ver.

No cercadinho, ele já havia dito a seus fanáticos, em tom meio decepcionado, que não encontrara o apoio que esperava em sua cruzada golpista.

Afirmou:
"Eu não quero brigar com ninguém. Nós todos queremos eleições limpas e transparentes. Porque, se não for assim, não é eleição. Isso é fraude. Agora, vamos fazer de tudo para que nós tenhamos eleições limpas e transparentes para o bem do Brasil. Se não for assim, é sinal de que já está escolhido quem vai nos comandar. E as pessoas que chegam na fraude não tem compromisso com vocês (...). Sabia que ia ser difícil, mas esperava contar com mais gente importante do meu lado. Lamentavelmente, muita gente importante aí boicota".

Alguém realmente acredita que Bolsonaro vai abandonar esse discurso na tal reunião entre os Três Poderes marcada por Fux? (leia post) Ora...

Antes de o presidente do Supremo ter decidido falar com os jornalistas, depois do encontro com Bolsonaro, o próprio presidente havia dado a sua leitura do encontro:
"Eu recebi um convite do presidente Fux para conversar com ele. Todas as vezes que isso foi feito, nós viemos, assim como algumas vezes já convidei para conversar comigo também, e discutimos a relação entre os dois Poderes: Executivo e Judiciário. Reconhecemos que nós dois temos limites, e esses limites são definidos pelas quatro linhas da Constituição. Até falei para ele, como hoje de manhã no cercadinho, eu falei sobre uma das minhas atividades que era rezar o Pai Nosso, onde, no final, diz o 'Pai Nosso' que devemos perdoar as nossas ofensas, enquanto perdoamos a quem nos tem ofendido. Basicamente, foi essa conversa, durou 20 minutos, e estamos perfeitamente alinhados, respeitosos para com a Constituição, e cada um se policiar dentro do seu Poder, no tocante aos limites. Nós, do poder Executivo, não pretendemos sair desses limites. Esse, basicamente, foi a linha de conversação com o senhor ministro, presidente Fux".

Não sei quão comovido Fux ficou ao saber que o presidente reza todos os dias o "Pai Nosso" católico — sim, com os vocábulos anunciados por ele, é o católico. Fux não entendeu direito porque disse se tratar de um "momento evangélico". Não é obrigado a saber. O ministro é judeu, não cristão — e nem sei se é religioso. E, de fato, na Casa das leis, nada disso tem importância. Questões dessa natureza, que não dizem respeito à liberdade religiosa, mas ao culto em si, devem ser tratadas nas igrejas, sinagogas, mesquitas, terreiros. Nunca no Supremo.

VONTADE DE CAUSAR
O tiozão do churrasco do cercadinho resolveu ser o tiozão da reza com os repórteres. Um deles quis saber se ele estava arrependido dos ataques ao Supremo. Nota: para um verdadeiro cristão, o arrependimento é uma das graças do Espírito Santo. Eu até diria que é um dos componentes realmente mais difíceis da crença.

Com a devida vênia, exceção feita à mímica cristã, expressa num conservadorismo tacanho, nada há de cristão em Bolsonaro. Não parece que arrependimento e perdão façam parte do seu vocabulário e de sua vida. Daí ter reagido mal à pergunta. Mas ele estava disposto a simular o Jairzinho Paz & Amor. Respondeu:
"Para de falar de se arrepender, cara! O que está feito está feito. Eu não vim aqui para brigar com ninguém. Acabei de falar... Vai acabar... Vai acabar a entrevista. Depois diz que eu sou grosso. Vai acabar a entrevista. Acabei de falar pra você. Vamos rezar o Pai Nosso aqui? Vamos? Vamos lá. Vamos rezar o Pai Nosso. Vamos lá. Ajuda aí, pessoal..."

E desandou a rezar.

Por isso não era um "Pai Nosso" COM os repórteres, mas CONTRA eles porque contra a indagação necessária. Se bem que, convenhamos, até poderia ser esse um novo padrão, né? Em vez de palavrões, ele poderia desandar a rezar a cada vez que ouvisse uma indagação que não fosse do seu agrado.

Sei. Muitos vão dizer que ele gosta de simular ser meio doidão. Convenham: vai ver ele é mesmo um grande ator, não é? Porque está a cada dia mais convincente.

NADA MUDOU
Bolsonaro não desistiu do voto impresso e afirmou que pediu mais tempo ao TSE para apresentar a tal prova, que ele diz ter, de que houve fraude na eleição de 2014. A "pessoa", que teria descoberto o que ninguém até hoje conseguiu provar, não pode se apresentar agora, ele afirmou, porque estaria com Covid-19. Essa cascata é conhecida e já circulou nas redes. Para saber mais a respeito, clique aqui.

E se o Congresso rejeitar a emenda amalucada? Aí Bolsonaro afirmou que vai pedir a contagem pública dos votos, seja lá o que isso signifique num contexto de voto eletrônico, que, já se provou, é imune a fraudes.

Ah, sim: Jairzinho Paz & Amor estava todo dado. Chego a pedir um repórter se poderia lhe dar um "beijo hétero". O rapaz responde que o melhor seria não, entre risos. O presidente quis então saber o seu Estado de origem e o time para o qual torcia: "São Paulo" e "Corinthians".

Bolsonaro encerrou:

"Eu sou porco".

Certo.