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Reinaldo Azevedo

ANÁLISE

Texto baseado no relato de acontecimentos, mas contextualizado a partir do conhecimento do jornalista sobre o tema; pode incluir interpretações do jornalista sobre os fatos.

Desconstruindo tolice do "Mito" sobre pelados na piscina. E Élcio, o perigo

Coronel Élcio Franco, o homem do broche da caveira. Bolsonaro o chama pelo prenome, e está claro que tentativa de blindagem não se limita a Pazuello - Reprodução
Coronel Élcio Franco, o homem do broche da caveira. Bolsonaro o chama pelo prenome, e está claro que tentativa de blindagem não se limita a Pazuello Imagem: Reprodução

Colunista do UOL

19/07/2021 04h10

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O presidente Jair Bolsonaro resolveu deslocar o circo do lado de dentro do hospital Vila Nova Star para o lado de fora neste domingo. Definiu um novo padrão do que seja corrupção, embora muitos pudessem jurar que aquilo que designava como tal fosse uma suruba. Ao fazer a defesa do general Eduardo Pazuello, saiu-se com esta frase magnífica:
"Quando fala em propina, é pelado dentro da piscina".

Bem, então está combinado a partir de agora. Estando de roupa e fora da piscina, não existe pecado em Brasília. Afinal, como é sabido e notório, temos um presidente que acredita em Deus e respeita os militares...

Bolsonaro estava tentando justificar um vídeo de 11 de março, quatro dias antes de Pazuello ser demitido, em que o então ministro aparece ao lado de quatro representantes de uma empresa de Santa Catarina chamada World Brands, que foram ao Ministério da Saúde oferecer vacinas Coronavac.

Para o presidente, nada de grave aconteceu ali:
"O Élcio [Franco, coronel e então secretário-executivo do ministério] trabalhou muito bem nessa questão, não tem um centavo nosso despendido com essas pessoas que foram lá vender vacina"
E emendou:
"Brasília é o paraíso dos lobistas, dos espertalhões. Ou não é?"

Bolsonaro disse mais:
"Ele [Pazuello] não estava sentado à mesa. Geralmente, tira fotografia sentado na mesa negociando. E, se fosse propina, não dava entrevista, meu Deus do céu, não faria aquele vídeo. Dá para você entender isso aí?"

Bem, então vamos transcrever o que disse o general, referindo-se, inclusive, ao misterioso "John", um chinês que integrava o grupo, no tal vídeo:
"Nós estamos aqui reunidos no Ministério da Saúde, recebendo uma comitiva, liderada pelo John: uma comitiva que veio tratar da possibilidade de nós comprarmos 30 milhões de doses numa compra direta com o governo chinês. E já abre também uma nova possibilidade de termos mais doses e mais laboratórios, que nós vamos tratar na semana que vem. Mas saímos daqui hoje já com o memorando de entendimento já assinado e com o compromisso do Ministério de celebrar, no mais curto prazo, o contrato para podermos receber essas (sic) 30 milhões de doses no mais curto prazo possível para atender à nossa população e conseguirmos controlar a pandemia que está tão grave no nosso país."

O tal John fala em seguida:
"Muito obrigado, ministro, pela oportunidade de nos receber também! Como empresário, eu acho que sempre nós pensamos no trabalho, mas principalmente na contribuição social que nós podemos oferecer hoje. E, junto e em parceria, com tanta porta aberta que o ministro nos propôs, eu acredito que nós podemos fazer essa parceria por um longo e duradouro tempo para vários outros produtos, inclusive, se necessário. Mas vamos voltar à pandemia. O que nós pudermos ajudar e estiver dentro do nosso alcance, estaremos à disposição de Vossa Excelência. Muito obrigado!"

E Pazuello encerra:
"Muito obrigado a todos!"

ENTÃO VAMOS VER. E INDAGAÇÕES NOVAS
Pazuello diz que já há um memorando de entendimento. Ainda que este tenha ficado só no rascunho, o então ministro sabia o valor de cada dose da Coronavac proposto pela World Brands: US$ 28. Acontece que a vacina era oferecida aqui no Brasil, pelo Instituto Butantan, numa parceria com a Sinovac, a US$ 10. Logo, o general admite ter feito um pré-acordo com quem cobrava quase o triplo por dose -- se vacina existisse.

Mais: segundo o ministro e o tal John, eles foram, sim, recebidos pela autoridade máxima do Ministério da Saúde. Não foi encontro fortuito. Embora estivessem, felizmente, todos de roupa, faziam coisa bem mais feia do que nadar pelados numa piscina.

Há outras indagações. Como sabem, a Sinovac já informou e reiterou em nota que seu único representante no Brasil é o Instituto Butantan. Indaga-se:
1: O que terá querido dizer o ministro com "E já abre também uma nova possibilidade de termos mais doses e mais laboratórios, que nós vamos tratar na semana que vem"?

Como o que se oferecia eram supostas vacinas da Coronavac e como Bolsonaro nunca se conformou com o protagonismo de João Doria no caso, devemos supor que se buscou atravessar o acordo Sinovac-Butantan para tentar, de modo tresloucado, fabricar o imunizante por meio de outros laboratórios, retirando a exclusividade do Butantan?

2: Que outras facilidades Pazuello ofereceu a John? Afinal, diz o suposto empresário:
"E, junto e em parceria, com tanta porta aberta que o ministro nos propôs, eu acredito que nós podemos fazer essa parceria por um longo e duradouro tempo para vários outros produtos, inclusive, se necessário."

Ficar pelado na piscina pode ser só um folguedo que diz respeito aos desnudos. Essa conversa, com todas as gravatas, é imoral por si. Como é que o ministro se compromete com a oferta de um produto por quase o triplo do preço daquilo que está sendo parcialmente produzido em solo pátrio?

PENTE FINO EM TODOS OS CONTRATOS
As negociações com a World Brands, as lambanças para a compra da Covaxin e a estupefaciente negociação com a Davati impõem que se passe um pente fino em todas as compras emergenciais feitas pelo Ministério da Saúde. E, se quiserem saber, nas não emergenciais também.

A alegação se que não se tratava de corrupção porque inexistiam vacinas da Coronavac e da AstraZeneca à venda não vale um tostão furado. Corrupções ativa e passiva já se configuram com a simples promessa do malfeito. No caso da Covaxin, a coisa é ainda mais séria porque as vacinas poderiam chegar, sim — e nas condições sabidas.

Venham cá: se se fazem essas estripulias quando, em dois casos, nem vacina há para vender, não é se perguntar o que pode ter feito a mesma turma, na área de preços, quando os produtos existiam?

De resto, essa conversa de que não se cuida de falar de corrupção quando se grava vídeo é para pegar trouxa. O que não está gravado é outra coisa: COMO O TAL JOHN E SUA TURMA FORAM PARAR LÁ?

BLINDAGEM DE ÉLCIO, O FIO DESENCAPADO
Repararam? Nada se fazia no Ministério da Saúde sem que o coronel Élcio Franco, o segundo de Pazuello, ficasse sabendo. Em alguns casos, ele parece mais presente do que o suposto chefe. Franco fez parte das "Forças Especiais" do Exército. Isso significa que esteve ou está embrenhado com a turma da "Inteligência".

É o significado do broche com a faca no crânio, com que costumava dar entrevistas. No depoimento à CPI, substituiu-o por algo mais ameno: mão segurando um punhal. Nem uma coisa nem outra lembram salvar vidas. Bolsonaro o chama pelo prenome, com intimidade, numa defesa clara.

Franco foi citado ainda por Carlos de Almeida Baptista Júnior, comandante da Aeronáutica, na entrevista golpista que concedeu ao Globo, como exemplo de militar que estaria sendo maltratado pela CPI:
"A nota foi uma resposta aos ataques à instituição militar. Foi resposta ao presidente da CPI, porque ele colocou isso de uma forma que nos parece generalizada. E esta observação dele já se repetiu em algumas outras oportunidades, particularmente em relação ao general Pazuello, ao Élcio".

Não vejo um bom futuro para "Élcio" no relatório final. Parece que ele já deixou claro que não aceita ser deixado ao relento. Tanto é que foi demitido da Saúde e imediatamente contratado como assessor especial da Casa Civil, cujo ministro é o general Luiz Eduardo Ramos. Caveira!!!

Não, senhor Bolsonaro! O vídeo não prova nada em favor de Eduardo Pazuello e Élcio Franco. Prova apenas que o ministro recebeu representantes de uma empresa que oferecia a US$ 28 vacina que o Butantan vendia por US$ 10.

E, como disse Pazuello, um memorando chegou a ser assinado.

A quem interessava?